Isabella

No meu último aniversário, em Setembro, fiz meus dois balões e ela

perguntou o significado, mas eu não disse. Apenas disse que era porque

gostava. Mas já era um indício de que eu estava voando, partindo.

Saio do quarto descalça mesmo, apenas com a calça legging e a

camiseta. Não está tão frio, já que é verão. Mas não estamos no litoral para

estar quente. Ainda bem. A temperatura mais amena é melhor para minha

imunidade baixa.

— Tá na hora? — Pedro pergunta, quando nos encontramos no

corredor.

Pedro é o cara mais camaleão que conheço, cada hora está com um

cabelo diferente. Agora está platinado, mas eu confesso que prefiro o ruivo

natural. Ele é um cara de sorriso fácil, gente boa, além de ser cheio de

tatuagens. É mesmo um irmão para mim.

— É, tá na hora — Suspiro, me aproximando.

— Então vamos lá.

Nós descemos juntos e encontramos nossos pais arrumando a mesa

para o almoço. Raramente conseguimos encontrar os dois em casa, ainda

mais comer juntos. Mas hoje é domingo, nenhum dos dois está trabalhando.

— Já tá na mesa — Sérgio informa, quando nos vê. Meu padrasto

deve ter menos de 1,70cm, tem cabelos escuros e olhos claros. Pareço mais

filha dele do que do meu próprio pai. Ainda bem.

Eu e Pedro nos sentamos e esperamos minha mãe nos servir, ela

adora fazer isso quando todos almoçamos juntos. Loira, 1,60cm, bronzeada

porque ama uma praia e sorrisos por onde passa. Flávia Fernandes Fonseca,

mais conhecida como minha mãe.

— É macarrão. — Ela avisa. Estou ficando nervosa. Preciso contar

logo, para eles se prepararem. Mas não tenho ideia de como fazer isso. Já

imagino como minha mãe vai reagir e só a ideia disso não me agrada em

nada.

Mas, eu preciso. Eu tenho que fazer isso. Independente se ela vai

reagir bem ou não.

— Eu tenho algo para contar — falo, assim que todos terminam de

comer. Pedro respira fundo.

— Conta, Bell — Sérgio incentiva. Mordo o lábio e olho para

Pedro. Ele balança a cabeça, incentivando-me.

Decidida, solto a bomba de uma vez:

— Eu vou me mudar.

— O quê? — Minha mãe berra. Ela realmente berra.

— Calma, Flávia... — Meu padrasto a segura pela mão quando ela

faz menção de se levantar da mesa.

— Eu vou estudar em uma faculdade fora do estado. — Explico.

Só Pedro, Lari e tia Ale sabiam disso. Além de Babi, é claro.

— Para onde você vai, Bell? — meu padrasto pergunta.

— Eu vou para Campinas, em São Paulo.

— Isso é bem longe...

— Eu preciso disso. Preciso crescer, e longe de vocês. Não posso

ficar dependente. Preciso me virar, sabe? Eu ainda sou muito dependente de

vocês em muitas coisas e preciso deixar de ser assim. Preciso da

responsabilidade de cuidar da minha vida sozinha. Eu tenho 23 anos!

— Como vai pagar por alojamento e a faculdade? — minha mãe

desafia.

Você acha que não posso? Te provo que posso.

Eu detesto que me desafiem. Detesto.

— Estou guardando dinheiro há 2 anos e ganhei uma bolsa de 75%

no vestibular. Então vou pagar pouco na faculdade, além disso o dormitório

é compartilhado. Babi paga uma parte e ainda tem mais uma menina. —

Esclareço. — Eu posso me virar.

Minha mãe fica lívida.

— Planejou nas minhas costas, Isabella?

— Não, mãe. Eu só fiz as coisas do meu jeito uma vez.

— Eu acho que vai ser bom — Pedro opina, tentando dissipar o

clima tenso que se forma.

— Eu me mudo amanhã.

Segunda bomba em menos de dois minutos. Parabéns, Isabella.

— Isabella! — Minha mãe berra.

Não, eu não vou me estressar. De jeito nenhum. Primeiro, porque

não posso. Segundo, porque ela não pode fazer nada. Terceiro, porque eu tô

zen.

— Calma, Flávia. — Meu padrasto intervém. — Podia ter nos dito

antes, Bell, para te aproveitarmos mais em casa.

— Não quis dar tempo para minha mãe inventar algo para não

permitir que eu vá — esclareço. — Me desculpa, Sérgio.

— Aposto que você sabia, não sabia, Pedro? — ela pergunta.

— Eu sabia por que apoio a Isabella, independente da decisão que

ela tome — Pedro responde. Ele não sabe segurar a língua. Pedro é muito

direto, sem falsidade ou grosseria. Só prático.

— Pedro — Sérgio alerta o filho, que balança a cabeça. — Bom,

Bell, só queria estar ciente disto antes. Mas, se isso vai ser bom para o seu

futuro, se você precisa disso, tem meu apoio completo. E no que precisar,

de dinheiro, eu tô aqui. Me deixa pagar seu dormitório, pra você poder

gastar com as outras coisas sem tantas preocupações.

— Sérgio! — minha mãe o repreende.

— Para, Flávia. Isso vai ser bom pra ela e eu quero muito ajudar. Ela

não vai mais ter todo o conforto que tem aqui, quero pelo menos que ela vá

para um dormitório bom.

— O dormitório é ótimo, Sérgio. Eu e Babi vimos fotos pela internet

e tia Ale viu pessoalmente em uma das viagens dela, há alguns meses. Ele é

realmente muito bom para nós. — Conto.

Quando Pedro me olha eu me dou conta do que falei. Merda. Merda.

Merda.

— Ah, a Barbara também sabe? E a sua tia querida também? —

minha mãe debocha. Respiro fundo. Pedro ergue as sobrancelhas e eu reviro

os olhos.

— Babi vai comigo e tia Ale me ajudou com o carro e foi lá ver o

dormitório pra gente. — Esclareço.

— Ótimo, Bell. Eu podia ter ajudado, se soubesse antes, mas me

deixa ajudar agora — Sérgio pede, deixando minha mãe ainda mais transtornada.

— Não precisa, Sérgio, de verdade.

— Eu faço questão — ele soa firme. — Me manda a conta por e￾mail todo mês que eu pago.

— Nem adianta discutir com ele — Pedro me lembra e nós dois

rimos. Lembro-me quando escolhi uma cama simples e Sérgio fez questão

de me comprar uma das melhores da loja.

— Tudo bem — concordo, porque é realmente impossível discutir

com Sérgio Fonseca. Pedro realmente teve à quem puxar na teimosia.

— Eu não acredito nisso — minha mãe resmunga.

— Por favor, Flávia, seja razoável — meu padrasto pede,

encarando-a.

O impossível acontece, ela revira os olhos e desarma.

— Certo. Que seja. Vá para São Paulo e faça sua faculdade.

Olho para Pedro e nós dois rimos, mal acreditando que ela cedeu

com apenas um olhar do meu padrasto. Normalmente são dias para ele

conseguir convencê-la de algo. Sérgio está ficando bom em controlar minha

mãe, a controladora.

Dou risada com esse pensamento no momento em que a campainha

toca.

— Deve ser a Lari — Pedro fala, se levantando.

— Vai levar seu carro, Bell? — meu padrasto pergunta.

— Gostaria, mas não sei como, porque vou de avião.

— Já comprou passagem? — minha mãe questiona.

— Comprei há alguns dias — murmuro.

— A gente dá um jeito de mandar teu carro — Sérgio garante.

— Obrigada — agradeço, com um meio sorriso.

— Oi, Isabella.

E chega Larissa, a doida. 1,65cm, cabelos ruivos, olhos verdes e um

sorriso contagiante. Minha cunhada, a coisa mais linda desse mundo.

— Oi, Larissa — Me levanto para abraçá-la.

Nós nos amamos, muito. Mas falar o nome é uma coisa que ficou.

Acostumamos. Era brincadeira, que se tornou hábito. Além dos “absurdos”

de dona Lari.

— Vamos subir — falo, já puxando-a pela mão.

— Bah! Mas que palhaçada — Pedro reclama, vindo atrás de nós.

— Sai, Pedrinho. Só nós — Lari manda beijo pro namorado e nós

entramos no meu quarto, rindo.

— Doida — Pego meu celular e coloco ao lado do notebook na

mesa.

Ela deixa a bolsa na poltrona e sobe na cama comigo, após tirar os

tênis.

— Então, como foi? — Lari pergunta.

— Na verdade, melhor do que eu esperava.

— Por quê?

— Minha mãe não fez um escândalo muito grande. Me provocou,

mas não foi absolutamente contra,

— Coisa estranha — minha cunhada comenta, intrigada.

— Também achei, mas talvez tenha sido melhor assim,

— Concordo. Até porque ela não ia poder fazer nadinha a respeito

de você se mudar daqui — Lari diz, com um meio sorriso.

— Talvez não.

— Não ia mesmo, Bell. Você tem 23 anos, trabalha, comprou um

carro e pode muito bem se sustentar. Você é perfeitamente capaz de se

cuidar sozinha. Nem encana com isso. Vai dar tudo certo e amanhã você se

muda.

Respiro fundo, absorvendo as palavras.

Eu vou mesmo me mudar.

E a ideia de estar longe daqui, em outro estado, livre, me deixa eufórica.

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