No meu último aniversário, em Setembro, fiz meus dois balões e ela
perguntou o significado, mas eu não disse. Apenas disse que era porque
gostava. Mas já era um indício de que eu estava voando, partindo.
Saio do quarto descalça mesmo, apenas com a calça legging e a
camiseta. Não está tão frio, já que é verão. Mas não estamos no litoral para
estar quente. Ainda bem. A temperatura mais amena é melhor para minha
imunidade baixa.
— Tá na hora? — Pedro pergunta, quando nos encontramos no
corredor.
Pedro é o cara mais camaleão que conheço, cada hora está com um
cabelo diferente. Agora está platinado, mas eu confesso que prefiro o ruivo
natural. Ele é um cara de sorriso fácil, gente boa, além de ser cheio de
tatuagens. É mesmo um irmão para mim.
— É, tá na hora — Suspiro, me aproximando.
— Então vamos lá.
Nós descemos juntos e encontramos nossos pais arrumando a mesa
para o almoço. Raramente conseguimos encontrar os dois em casa, ainda
mais comer juntos. Mas hoje é domingo, nenhum dos dois está trabalhando.
— Já tá na mesa — Sérgio informa, quando nos vê. Meu padrasto
deve ter menos de 1,70cm, tem cabelos escuros e olhos claros. Pareço mais
filha dele do que do meu próprio pai. Ainda bem.
Eu e Pedro nos sentamos e esperamos minha mãe nos servir, ela
adora fazer isso quando todos almoçamos juntos. Loira, 1,60cm, bronzeada
porque ama uma praia e sorrisos por onde passa. Flávia Fernandes Fonseca,
mais conhecida como minha mãe.
— É macarrão. — Ela avisa. Estou ficando nervosa. Preciso contar
logo, para eles se prepararem. Mas não tenho ideia de como fazer isso. Já
imagino como minha mãe vai reagir e só a ideia disso não me agrada em
nada.
Mas, eu preciso. Eu tenho que fazer isso. Independente se ela vai
reagir bem ou não.
— Eu tenho algo para contar — falo, assim que todos terminam de
comer. Pedro respira fundo.
— Conta, Bell — Sérgio incentiva. Mordo o lábio e olho para
Pedro. Ele balança a cabeça, incentivando-me.
Decidida, solto a bomba de uma vez:
— Eu vou me mudar.
— O quê? — Minha mãe berra. Ela realmente berra.
— Calma, Flávia... — Meu padrasto a segura pela mão quando ela
faz menção de se levantar da mesa.
— Eu vou estudar em uma faculdade fora do estado. — Explico.
Só Pedro, Lari e tia Ale sabiam disso. Além de Babi, é claro.
— Para onde você vai, Bell? — meu padrasto pergunta.
— Eu vou para Campinas, em São Paulo.
— Isso é bem longe...
— Eu preciso disso. Preciso crescer, e longe de vocês. Não posso
ficar dependente. Preciso me virar, sabe? Eu ainda sou muito dependente de
vocês em muitas coisas e preciso deixar de ser assim. Preciso da
responsabilidade de cuidar da minha vida sozinha. Eu tenho 23 anos!
— Como vai pagar por alojamento e a faculdade? — minha mãe
desafia.
Você acha que não posso? Te provo que posso.
Eu detesto que me desafiem. Detesto.
— Estou guardando dinheiro há 2 anos e ganhei uma bolsa de 75%
no vestibular. Então vou pagar pouco na faculdade, além disso o dormitório
é compartilhado. Babi paga uma parte e ainda tem mais uma menina. —
Esclareço. — Eu posso me virar.
Minha mãe fica lívida.
— Planejou nas minhas costas, Isabella?
— Não, mãe. Eu só fiz as coisas do meu jeito uma vez.
— Eu acho que vai ser bom — Pedro opina, tentando dissipar o
clima tenso que se forma.
— Eu me mudo amanhã.
Segunda bomba em menos de dois minutos. Parabéns, Isabella.
— Isabella! — Minha mãe berra.
Não, eu não vou me estressar. De jeito nenhum. Primeiro, porque
não posso. Segundo, porque ela não pode fazer nada. Terceiro, porque eu tô
zen.
— Calma, Flávia. — Meu padrasto intervém. — Podia ter nos dito
antes, Bell, para te aproveitarmos mais em casa.
— Não quis dar tempo para minha mãe inventar algo para não
permitir que eu vá — esclareço. — Me desculpa, Sérgio.
— Aposto que você sabia, não sabia, Pedro? — ela pergunta.
— Eu sabia por que apoio a Isabella, independente da decisão que
ela tome — Pedro responde. Ele não sabe segurar a língua. Pedro é muito
direto, sem falsidade ou grosseria. Só prático.
— Pedro — Sérgio alerta o filho, que balança a cabeça. — Bom,
Bell, só queria estar ciente disto antes. Mas, se isso vai ser bom para o seu
futuro, se você precisa disso, tem meu apoio completo. E no que precisar,
de dinheiro, eu tô aqui. Me deixa pagar seu dormitório, pra você poder
gastar com as outras coisas sem tantas preocupações.
— Sérgio! — minha mãe o repreende.
— Para, Flávia. Isso vai ser bom pra ela e eu quero muito ajudar. Ela
não vai mais ter todo o conforto que tem aqui, quero pelo menos que ela vá
para um dormitório bom.
— O dormitório é ótimo, Sérgio. Eu e Babi vimos fotos pela internet
e tia Ale viu pessoalmente em uma das viagens dela, há alguns meses. Ele é
realmente muito bom para nós. — Conto.
Quando Pedro me olha eu me dou conta do que falei. Merda. Merda.
Merda.
— Ah, a Barbara também sabe? E a sua tia querida também? —
minha mãe debocha. Respiro fundo. Pedro ergue as sobrancelhas e eu reviro
os olhos.
— Babi vai comigo e tia Ale me ajudou com o carro e foi lá ver o
dormitório pra gente. — Esclareço.
— Ótimo, Bell. Eu podia ter ajudado, se soubesse antes, mas me
deixa ajudar agora — Sérgio pede, deixando minha mãe ainda mais transtornada.
— Não precisa, Sérgio, de verdade.
— Eu faço questão — ele soa firme. — Me manda a conta por email todo mês que eu pago.
— Nem adianta discutir com ele — Pedro me lembra e nós dois
rimos. Lembro-me quando escolhi uma cama simples e Sérgio fez questão
de me comprar uma das melhores da loja.
— Tudo bem — concordo, porque é realmente impossível discutir
com Sérgio Fonseca. Pedro realmente teve à quem puxar na teimosia.
— Eu não acredito nisso — minha mãe resmunga.
— Por favor, Flávia, seja razoável — meu padrasto pede,
encarando-a.
O impossível acontece, ela revira os olhos e desarma.
— Certo. Que seja. Vá para São Paulo e faça sua faculdade.
Olho para Pedro e nós dois rimos, mal acreditando que ela cedeu
com apenas um olhar do meu padrasto. Normalmente são dias para ele
conseguir convencê-la de algo. Sérgio está ficando bom em controlar minha
mãe, a controladora.
Dou risada com esse pensamento no momento em que a campainha
toca.
— Deve ser a Lari — Pedro fala, se levantando.
— Vai levar seu carro, Bell? — meu padrasto pergunta.
— Gostaria, mas não sei como, porque vou de avião.
— Já comprou passagem? — minha mãe questiona.
— Comprei há alguns dias — murmuro.
— A gente dá um jeito de mandar teu carro — Sérgio garante.
— Obrigada — agradeço, com um meio sorriso.
— Oi, Isabella.
E chega Larissa, a doida. 1,65cm, cabelos ruivos, olhos verdes e um
sorriso contagiante. Minha cunhada, a coisa mais linda desse mundo.
— Oi, Larissa — Me levanto para abraçá-la.
Nós nos amamos, muito. Mas falar o nome é uma coisa que ficou.
Acostumamos. Era brincadeira, que se tornou hábito. Além dos “absurdos”
de dona Lari.
— Vamos subir — falo, já puxando-a pela mão.
— Bah! Mas que palhaçada — Pedro reclama, vindo atrás de nós.
— Sai, Pedrinho. Só nós — Lari manda beijo pro namorado e nós
entramos no meu quarto, rindo.
— Doida — Pego meu celular e coloco ao lado do notebook na
mesa.
Ela deixa a bolsa na poltrona e sobe na cama comigo, após tirar os
tênis.
— Então, como foi? — Lari pergunta.
— Na verdade, melhor do que eu esperava.
— Por quê?
— Minha mãe não fez um escândalo muito grande. Me provocou,
mas não foi absolutamente contra,
— Coisa estranha — minha cunhada comenta, intrigada.
— Também achei, mas talvez tenha sido melhor assim,
— Concordo. Até porque ela não ia poder fazer nadinha a respeito
de você se mudar daqui — Lari diz, com um meio sorriso.
— Talvez não.
— Não ia mesmo, Bell. Você tem 23 anos, trabalha, comprou um
carro e pode muito bem se sustentar. Você é perfeitamente capaz de se
cuidar sozinha. Nem encana com isso. Vai dar tudo certo e amanhã você se
muda.
Respiro fundo, absorvendo as palavras.
Eu vou mesmo me mudar.
E a ideia de estar longe daqui, em outro estado, livre, me deixa eufórica.
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Atualizado até capítulo 41
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