Envolvente

Envolvente

Prologo

Meu olhar se detém no garoto de cabelo castanho claro e olhos

negros.

Alto, todo de preto e uma cara de quem não presta e tem orgulho

disso, além de parecer um bad-boy marrento. Ele é coberto de tatuagens

pelos braços.

Imagino que tenha mais algumas pelo corpo, mas detenho meus

pensamentos.

Meu olhar fica parado nele por tempo demais e eu sou pega no

flagra.

Heitor me mede e eu semicerro os olhos quando seu olhar encontra

o meu, e ele imita meu gesto.

— Tem cara de metida sua amiga, Jessica — comenta, o tom de voz

ISABELLA

Florianópolis, Santa Catarina.

Janeiro de 2019.

Depois de 2 anos intensamente (loucos é a palavra correta?) corridos

e exaustivos, (com certeza loucos é a palavra correta) eu estou exatamente

onde devia, queria e, acima de tudo, planejei estar: com um bom dinheiro

guardado, um carro incrível, passei no vestibular e consegui um dormitório

ótimo com a minha melhor amiga.

E me mudo amanhã para São Paulo.

Não consigo me arrepender da decisão de sair de casa e mudar de

estado. Eu vou sentir saudades de Floripa, do frio, do meu padrasto que é

como um pai pra mim, e do cabeça oca do Pedro, além da doida da Lari e

da minha tia maravilhosa. Mas eu preciso fazer isso. Preciso ir embora

daqui pra conseguir viver.

Há cinco anos, quando minha mãe se casou com meu padrasto e eu

descobri que amava escrever, achei que podia mudar tudo. Então dois anos

atrás, tomei uma decisão que iria mudar radicalmente minha vida. Planejei

com calma e consegui alcançar os meus objetivos.

Claro que eu não sou nenhuma escritora foda, tipo Stephenie Meyer

ou Becca Fitzpatrick, afinal, tem só dois anos que eu descobri essa vontade

e comecei a colocar meus pensamentos no papel. Mas, escrever não é

apenas por hobby, é por amor.

Descobri esse amor quando minha mãe se casou com Sérgio e nós

nos mudamos para o apartamento que moramos hoje. Na época, eu tinha

um blog, e publicava textos, inspirados pelos milhares de livros que sempre

li. Pedro, o filho do meu padrasto, me pegou escrevendo certa vez.

debochado. Ergo as sobrancelhas. Garoto abusado.

— Tem cara de babaca seu amigo, Jess — meu tom de voz imita o

seu e ele sorri. Reviro os olhos.

Um encontro e eu já detesto Heitor Maldonado, porque somos

completamente opostos e, ao mesmo tempo, completamente iguais.

“Poxa, Bell, acho que você daria uma escritora foda”, ele disse.

Eu ri, porque nunca me vi como uma escritora, sempre me vi

fazendo faculdade de medicina pediátrica ou jornalismo, e seguindo carreira

em uma das duas áreas. Completamente opostas, mas eu amava crianças e

escrever. Então, seria uma das duas.

Mas, quando percebi que Pedro falava sério, comecei a realmente

considerar aquilo. E foi quando saiu meu primeiro livro: “Com você,

Dominic Hurd”*. É um romance com uma pitada de drama, que eu amo!

Depois de um tempo, de milhares de leituras em um site, fui para

outro, onde pude vendê-lo. E até hoje ele é um dos mais vendidos na

categoria. Além do segundo livro que escrevi: “Escolho você, Kristof

Wood”*. Percebemos que eu amo um “você” e o nome do cara no título,

não é mesmo?!

A venda desses livros fez com que eu me tornasse uma escritora

bastante conhecida nesses sites online e como dizem “best seller”. Hoje em

dia tiro uma boa grana com eles. E foi o que me ajudou a conseguir tudo o

que queria para sair de Floripa.

Nos últimos meses, preparei tudo o que precisava para ir embora.

Comprei um carro incrível, um notebook lindo que eu namorava desde que

comecei a escrever e consegui um ótimo dormitório no campus da

faculdade.

E, para a minha sorte, minha melhor amiga vai comigo. Babi é meu

porto seguro e meu baú de segredos. Nos conhecemos há cerca de 7 anos

em um grupo online de livros e não nos desgrudamos desde então. E ter ela

comigo nesse momento está fazendo toda a diferença do mundo.

Além de Babi, eu tenho Lari, minha cunhada. Porque desde que nos

conhecemos, eu e Pedro nos consideramos como irmãos. Eles começaram a

namorar pouco antes de nossos pais se casarem. E eu não acreditava em

amor à primeira vista até aqueles dois, até eles se esbarrarem no shopping e

nunca mais saírem de perto um do outro.

Lari é a pessoa mais louca da minha vida. Mas eu sei que posso

contar com ela para absolutamente tudo, porque ela sempre esteve e sempre

estará ao meu lado. Lari é minha irmã de alma, minha parabatai.

Mas, mesmo com todo amor que eu dedico aos dois cabeças ocas,

não é o suficiente. Eles insistem que eu tenho que arrumar alguém. Mas só

porque eles se encontraram e deram certo, não quer dizer que o mesmo vai

acontecer comigo.

Eu tive minha cota de namoros que não deram certo e caras

problema, e agora tudo o que penso é no meu futuro. Ainda mais depois do

meu último namoro. Me fechei completamente depois de tudo o que passei

com Igor.

Estar sozinha nos últimos 5 anos é libertador. Eu não preciso ter um

homem ao meu lado só para dizer que sou completa, eu posso ser completa

sozinha. Até encontrar alguém que realmente vale a pena. Mas, depois da

última experiência, eu só quero focar no meu futuro.

Quando escolhi o curso de Letras, Babi gostou. Ela queria fazer

Pedagogia, mas aceitou cursar o mesmo que eu. E eu sou grata demais por

tê-la ao meu lado.

Falando nela...

“Maps” começa a tocar alto e eu me levanto da cama, pausando o

filme na televisão, para pegar meu celular na mesinha que eu costumo

trabalhar. Isso quando não estou na cama.

— Oi, linda. — Me jogo novamente no colchão, ao atender.

— E aí, meu amor. O que tá fazendo? — Babi pergunta.

— Estava assistindo Pretty Little Liars.

— De novo, garota?

Ela está revirando os olhos, certeza.

— De novo, garota — respondo, em tom de deboche, e ela ri. —

Vou contar a eles.

— Agora?

— Vou descer pra almoçar e já conto de uma vez.

— Boa sorte, amiga.

— Vou precisar — Suspiro pesado. — Eu te busco no final da tarde,

depois de me encontrar com a minha tia.

— Estarei te esperando com tudo pronto — Babi garante.

— Tá, te amo.

— Te amo, Bell.

Jogo o celular no colchão e me levanto, indo até o espelho, que é

uma porta e abre para o closet.

Meu quarto não é simples, mas também não é exagerado. As

paredes são em tons claros, a cama fica perto da porta, com uma mesinha de

cabeceira do lado esquerdo. Do lado direito fica minha mesa retangular, de

trabalho. Na frente da cama, um armário pequeno e baixo, para colocar

algumas coisas. A porta divide o quarto e do lado fica uma estante do teto

ao chão, onde estão todos os meus livros. E não são poucos. Uma poltrona

do lado da mesa e a varanda. A porta espelho abre no meio e tem o closet. E

depois do closet, o banheiro. Tudo junto, com portas dentro. Nada demais.

Meu padrasto havia deixado cada um escolher da forma que queria

quando nos mudamos. Aproveitei para ter o quarto que sempre quis. Pena

que só durou 5 anos. Vou sentir falta do meu quarto.

Me observo no espelho, enquanto prendo o cabelo em um coque

baixo. Eu tenho lá meus 1,60cm, pernas grossas e sou branquinha, mas

meio morena de pegar sol em praia. Porque Pedro e Lari amam uma praia, e

me arrastam junto, é claro. Meu cabelo está no meio das costas e é um loiro

quase escuro, e meus olhos são azuis.

Respiro fundo, fechando os olhos por um momento. Sou

perfeitamente capaz de contar que vou me mudar e enfrentar minha mãe.

Tenho 23 anos e ela não me controla mais. Eu nunca tive o mais tranquilo

dos relacionamentos com a minha mãe, por ela ser muito controladora e eu

sempre almejar liberdade. Consegui, de certa forma. Tenho duas tatuagens,

dois balões, um acima do seio esquerdo e outro na parte de trás do braço

esquerdo. São os dois momentos em que “voei” na vida. Quando tive

minha independência como escritora e agora, indo embora.

Claro que os balões não são as minhas únicas tatuagens. Com 19, já

comecei a fazer algumas que sempre quis, mas ela nunca deixou. Só que,

sendo maior de idade, ela já não podia fazer mais nada contra isso. Eu não

sou rebelde ou revoltada, mas sempre fui muito presa. Um dos motivos para

ir embora: o sufoco que sempre senti com ela tentando me controlar. Não dá

mais. Eu preciso ser livre.

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Comments

Tatiana Fonseca Naffah Bertoni de Melo

Tatiana Fonseca Naffah Bertoni de Melo

Parabéns autora muito linda sua história vc escreve perfeitamente

2024-05-23

0

Thai Santiago

Thai Santiago

Que escrita!!! Gostei 🥰

2024-05-14

2

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