Pedro
Quando sinto minha têmpora gelada ao ouvir mais um longo
monólogo de Ricardo Dias, eu compreendo melhor o porquê o porte de armas
realmente é algo ruim para a sociedade.
Definitivamente, odiaria passar alguns dias na cadeia, mas também
não sou um tipo barato de assassino.
Então, usaria a arma para dar um tiro em mim mesmo e acabar com
meu sofrimento enquanto ouço sobre seu feliz casamento pela terceira vez no
dia. O casamento com a minha ex-noiva.
Posso ouvir minha mãe sussurrando no meu ouvido que isso é a
minha punição por ter deixado a moça tomando chá de cadeira por alguns
anos. Ela cansou, terminou nosso noivado e, meses depois, estava casada com
meu maior rival.
Nada me tira da cabeça que Morgana fez isso para me atingir.
E minha mãe nem mesmo gostava dela o suficiente para ter fingido
tristeza quando contei a novidade.
Em minha defesa, eu não queria me casar, só me senti pressionado a
fazer o maldito pedido para agradar minha antiga namorada. O que há de
errado com namoros de longa data? Por que tudo precisa se transformar em
casamento?
Agora é Benício, um dos meus melhores amigos, que se infiltra em
minha mente, mas prefiro o discurso dele sobre casamento do que o de
Ricardo. Especialmente quando Dias só veio do seu escritório até o meu para
me atormentar e especular sobre as demissões recentes que aconteceram no
Diário. Se ele ao menos calasse a boca, talvez tivesse a oportunidade de ouvir
alguma coisa ou descobrir uma informação que eu pudesse deixar escapar.
Não que eu seja idiota a ponto de deixar escapar algo, mas ele
simplesmente não cala a boca. E já faz meia hora!
Às vezes me questiono se o maior feito da vida de Ricardo não foi ter
conseguido se casar com minha ex-noiva. Não porque Morgana pode ser uma
mulher legal, mas porque ela tem o título de ser minha ex. Odeio dar razão a
Eduardo, a terceira parte do meu grupo de amigos, porque o deixa ainda mais
presunçoso do que o habitual, mas porra, Ricardo poderia ser um pouco
menos apaixonado por mim.
Reviro os olhos enquanto ele continua, virando de costas para mim e
continuando seu sapateado em meu escritório.
Deveria ter sido um pouco mais… gentil, com minhas últimas três
tentativas de assistentes. Uma assistente teria evitado que ele entrasse sem
permissão em minha sala e solucionado meus problemas sem que eu nem
mesmo precisasse me envolver. Não tenho culpa que as últimas cinco
funcionárias que o R.H. me mandou fossem desajeitadas e lerdas demais.
E não aguentassem a pressão de um dia na redação.
As duas primeiras cederam em menos de cinco horas de trabalho, as
outras três… prefiro não falar sobre meu possível envolvimento no pedido de
demissão delas.
— É, talvez os rumores sejam verdadeiros e o seu problema tenha
sido outro — Ricardo pondera, voltando seus olhos para mim e comprimo o
suspiro, não querendo dá-lo o sabor de saber que está esgotando minha
paciência. — Honestamente, Pedro, eu não quis acreditar quando me falaram,
afinal, sei de toda a sua ética no trabalho, mas eles estão dizendo por aí que o
seu maior problema é abuso de poder e que está dormindo com suas
funcionárias, por isso precisa demiti-las em seguida.
Como é que é?
Isso chama minha atenção o suficiente para que me incline na mesa,
repousando meus cotovelos e fitando Ricardo com as sobrancelhas franzidas.
Era só o que me faltava ouvir fofocas que o meu problema é que não
consigo manter meu pau dentro da porra da minha calça.
— É, eu sei como isso pode parecer péssimo, por isso achei que seria
importante vir te falar sobre essas fofocas — diz e percebo que minha
expressão deve dizer muito sobre a minha indignação.
Torno-a impassível novamente, respirando fundo e me colocando de
pé.
— Sabemos que ainda não superou bem o término com a Morgana, e
nosso casamento também foi um grande golpe para você…
— Isso não tem nada a ver com o meu antigo relacionamento com
Morgana — interrompo-o, controlando um riso que arranha minha garganta.
Não me importo com o caralho do casamento deles.
— Não precisa mentir para mim, Pedro — comenta, como se
fôssemos amigos. — Somos amigos — Porra, não somos não! —, faz um
ano e nunca mais foi visto com ninguém. Morgana e eu sabemos que não
conseguiu lidar bem com tudo o que aconteceu e queremos proteger sua
imagem de fofocas como essas. Podem destruir sua carreira, sabe? Toda essa
história de estar comendo funcionárias e demitindo-as depois…
— Primeiro; não sou anti-ético — pontuo, cortando toda a sua
baboseira. — Segundo; não é porque não fui visto com ninguém, que não
tenho estado com outras pessoas. — Posso ouvir a risada de Eduardo ecoando
em minha mente, debochando da forma como eu saio do controle por causa
do babaca do Dias a ponto de querer ficar me comprovando. Mas não irei
deixar que ele saia daqui achando que sou um chefe babaca ou um pau mole.
— E, se não tiver nada de realmente relevante para fazer aqui, eu tenho
algumas edições para fazer. Alguns de nós fazem o próprio trabalho —
murmuro entredentes, começando a me encaminhar até a porta, pronto para
chutá-lo para fora.
— Ah, Bittencourt, vai me dizer agora que está namorando? Sabemos
que não é muito bom fazendo isso — ele me provoca, claramente me
provoca.
E eu me odeio, porque deixo meu sangue ferver e caio na provocação
dele.
Um tiro realmente resolveria tudo.
— Só porque eu não quis que desse certo com a Morgana, não
significa que não posso querer fazer dar certo atualmente — rebato,
conseguindo fazer metade do caminho até a saída do meu escritório com ele
me seguindo.
— Então está mesmo namorando? — pergunta incrédulo, parando no
meio da sala e quero grunhir em frustração.
— Sim — respondo antes de perceber a cagada que acabei de falar.
Porra, se ele já estivesse longe daqui, meus pensamentos estariam em ordem.
— Quer dizer, não, eu… — recomeço, colocando as mãos nos bolsos da
calça social e tentando manter minha postura sem precisar dizer a ele que
perdi a razão a ponto de não ter o controle sobre minha própria língua.
Ricardo solta uma risada debochada, plantando as mãos na cintura em
uma posição irônica enquanto me olha como se tivesse conseguido alcançar
seu objetivo: me ver falhar.
— Não precisa mentir para mim, Pedro — repete essas palavrinhas
que estão me tirando do sério, se deliciando com o momento e quero me
jogar das janelas largas da minha sala por ter caído na dele. — Não precisa
inventar uma namorada de mentira só para fingir que conseguiu superar tudo.
Está tudo bem ainda…
Porra, voltamos a essa merda de superação?
— Estou noivo, na verdade — afirmo e falei essas duas palavras por
tantos anos que é quase como se fosse natural ouvi-las saindo pela minha
boca, com exceção de que, atualmente, são uma grande mentira.
Que merda eu acabei de falar?
— Noivo? — indaga surpreso e percebo que tirei toda a sua
presunção da droga da sua cara, então repito.
— Noivo.
Aparentemente, estou tão desesperado para que Ricardo me deixe em
paz que não me importo mais com qualquer porra que ele saia daqui
pensando. Só o quero fora da minha sala o mais rápido possível.
Não sou dado a impulsividades, mas prefiro pensar que esse é um
plano meticulosamente calculado, afinal, vendo por um lado, se ele acreditar
que estou noivo, talvez isso me dê alguns meses de folga dos discursos sobre
seu casamento com Morgana e como ainda não superei que ela terminou
comigo. Honestamente, não é um plano tão ruim assim, pensando bem.
— E quem é a sortuda?
— Infelizmente, não poderá conhecê-la hoje. Pouco antes de chegar,
ela me disse que estava de saída da redação e tenho mesmo muito trabalho
para fazer — repito, olhando para o relógio. — Tenho uma entrevista
marcada para daqui a quarenta minutos e preciso ir me encontrar com a fonte
— minto, minha nova especialidade.
— Ah, claro, somos homens muito ocupados. — Eu sou, ele não,
afinal, está matando meu tempo com seu ócio. — Mal posso esperar para
contar para Morgana que está namorando!
Não digo mais nada, talvez o silêncio fosse o melhor plano de escape
e eu acabei falhando nisso. Deveria ter me mantido calado enquanto ele
divagava sobre a minha vida como se a sua dependesse disso. Talvez não
teria chegado aqui, com uma noiva inexistente. Puxo a ar, tocando a
maçaneta da porta e finalmente Ricardo entende que é a sua deixa para ir
embora.
Entretanto, quando empurro-a para baixo, puxando a porta para
frente, não tenho tempo para tentar inventar outra mentira sobre como
agradeço a visita de Ricardo e todas as suas especulações sobre o porquê o
Diário da Paulista está passando por uma onda de demissões, porque no
momento que a porta se abre, uma morena vem parar nos meus pés.
Não estou acostumado com a forma literal da expressão de ter
mulheres caindo aos meus pés, então só consigo fazer uma careta enquanto
fito a garota desorganizada de joelhos no chão, cercada por papéis espalhados
e…
Por que ela carrega uma mini taça de silicone na bolsa?
— Porra — pragueja antes de levantar os olhos e a reconheço.
Ela é a última jornalista iniciante que demiti hoje, a que mais
choramingou sobre a injustiça disso e daquilo e como essa firma deveria ser
mais grata pelos seus serviços prestados nos últimos anos e muito mais bláblá-blá que não me dei ao trabalho de realmente ouvir.
— Achei que estivesse ansiosa para sair daqui o mais rápido possível.
O que ainda está fazendo na redação? — pergunto, afinal, ela saiu pisoteando
da minha sala falando que, uma vez que saísse por aquela porta, eu poderia
me rastejar, mas que o Diário da Paulista nunca mais veria seus textos.
Ela é uma dramática Classe A.
Ricardo limpa a garganta ao meu lado, nos lembrando da sua infeliz
presença. Esse cara já deveria ter ido para longe de mim.
— Eu estava saindo, mas resolvi voltar e entregar algumas das minhas
últimas pesquisas — ela sibila, me olhando do chão com raiva enquanto tenta
juntar suas tralhas. Uma das suas sobrancelhas se arqueia, como se me
perguntasse se não vou ajudá-la e, mesmo contra todas as minhas vontades,
me abaixo, pegando alguns papéis enquanto ela lida com a infinidade de
gloss labial e a mini taça de silicone.
— Estava saindo? — Ricardo murmura consigo quando finalmente
volto a me pôr de pé, com a morena descabelada ao meu lado e percebo onde
a mente dele está indo.
É por isso que ele é um dos piores jornalistas existentes. Ou talvez
seja porque nem ao menos tem a porra de um diploma para exercer a minha
profissão, mas mesmo assim o faz. O conselho deveria mesmo insistir na
obrigatoriedade do diploma.
Controlo um grunhido enquanto olho para a garota. Ela não é feia,
só… passa bem longe de ser o meu tipo. Muito magra, muito sem graça,
muito… pouco.
Mas eu poderia pegar ela.
Irei matar Ricardo Dias, essa é uma sentença oficial de morte. Irei
matá-lo por me obrigar a fazer o que faço agora, quando vejo seus olhos
alternando de mim para a morena com um brilho fantasioso no olhar. Deveria
ter me jogado das janelas quando ainda era tempo.
— Ah! Você deve ser…
— Minha noiva — complemento por ele, passando o braço livre pela
cintura minúscula dela e trazendo-a até seu quadril colar no meu. — Ela é a
minha noiva.
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Atualizado até capítulo 46
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