Capítulo – Biblioteca às Três da Manhã
Breu não queria aproximação comigo. Ele era o tipo de homem que ergue muros na alma e chama isso de segurança. Mesmo assim, não podia correr riscos comigo por perto. Eu era uma pergunta aberta na casa dele, e perguntas incomodam homens perigosos.
Quando ele voltou, já era três da manhã. A casa dormia, mas a luz da biblioteca estava acesa. Ele estranhou e foi até lá. Eu estava deitada no sofá, livro aberto no peito, quase sonhando com cavalos e florestas que não existiam ali.
Ele entrou, pesado como tempestade.
— Posso saber o que faz aqui? Eu mandei você ficar longe da minha vista. E cadê a Nina? — a voz saiu irritada, ferindo o silêncio.
— Ah… desculpa, eu acabei esquecendo da hora e… — minha fala morreu quando vi a camisa dele. Sangue. Muito sangue. Não de abatedouro. Sangue quente, humano.
Breu ignorou meu susto e se sentou no sofá de frente para mim.
— Já que está aqui, vou ser curto. Quem é seu outro irmão?
Pisquei. O ar ficou mais denso.
— Como assim? Meu irmão você conhece. O mesmo que me vendeu — respondi, me levantando devagar.
— Não se faça de idiota — ele acendeu um cigarro. — Quero o nome do mais velho. Aquele que ninguém na sua família fala.
Senti um arrepio subindo pela espinha. Meu rosto mudou; eu sabia. Ele viu.
— Você me investigou? — comecei a andar, inquieta.
Breu levantou de um salto e segurou meu braço.
— Se investiguei ou não, o problema é meu, Verônica Ortencia — o nome saiu como selo de sentença.
Eu ri sem humor, arrancando meu braço de volta.
— Olha só. Ficou balançado com a minha ameaça. Deve estar com culpa — falei, cruzando os braços.
— Nome. Agora.
— Eu não vou discutir problema de família com um estranho — caminhei para a saída da biblioteca. Ele me observava como quem mede distância até o tiro. O medo que ele sentia não era de mim, mas do que podia existir atrás de mim. E isso era o bastante para ele não me matar.
Naquela noite, dormir foi impossível. Tive pesadelos com meus irmãos, com meus pais, com portas batendo e vozes que mandavam eu correr. Quando acordei, parecia que minha alma tinha se arrastado por vidro quebrado.
Nina entrou gentil como sempre.
— Senhora, o café está pronto.
Desci. Na mesa estava só Maco, mastigando como se nada no mundo importasse.
— Dia — falei, jogando o peso do corpo na cadeira.
— Bom dia. Dormiu bem? — ele perguntou, examinando meu rosto vazio.
— Não. Tive pesadelos a noite toda.
Peguei leite morno, tentando aquecer meu peito cansado.
— Deve ser difícil se acostumar com a casa nova — Maco disse, cortando pão.
— Difícil é vocês fuçando a minha vida e querendo assunto de família. Qual vai ser a próxima? Quando perdi a virgindade? — cravei a faca no pão com tanta força que senti migalhas voarem.
Maco pigarreou.
— Não somos tão invasivos assim. É questão de segurança. Para você.
— Segurança pra mim é não falar disso. Mas se ajuda — suspirei — meu irmão Omega não é policial nem FBI.
— Omega? Nome peculiar. Que bom que não é policial. Não gostamos desse tipo — ele sorriu.
— Claro que não. Nunca vi mafioso gostar de polícia — respondi rodada, e o café dele quase saiu pelo nariz.
— Como você sabe disso? Quem te contou? E, pelo amor de Deus, jamais diga isso pro Breu.
— Não precisa ser gênio, né? Vocês entregam tudo. E o Escuro aí chegou ontem coberto de sangue. Veterinário ele não era. No máximo, bateu a cabeça de alguém duas vezes com algo pesado. — Mordi o pão como se fosse assunto de domingo.
Maco ficou branco.
— Ok… sim. Foi isso. — Ele ergueu as mãos rendido.
— Ele é violento. Já vi igual. Não me assusta — respondi, com olhar que preferi não explicar.
— Deveria. Quando Breu perde a cabeça…
— Já convivi com pior — levantei. — Vou pra biblioteca. Lá, pelo menos, posso fingir que o mundo não é uma jaula gigante.
Saí radiante de propósito, porque luz depois da dor sempre confunde quem espera te ver morrer por dentro. Maco me acompanhou com os olhos como se tentasse montar um quebra-cabeça que faltavam peças demais.
Ele correu para avisar Breu. Mandaram detetive. Nada. Era como se meu irmão mais velho nunca tivesse existido.
Na hora do almoço, Breu pediu pra comer sozinho. Não queria me ver, nem ser visto. Eu comi no quarto com Nina. Ele, é claro, escutava.
Nina limpava a boca com um guardanapo.
— A senhora sente falta de lá fora?
— Algumas coisas sim. Minha casa, meu trabalho, meus amigos… mas nada importante.
Mordi um pedaço de pão e senti meu peito apertar. Não era saudade. Era luto do que eu era antes dele.
E eu ainda nem tinha começado a lutar.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
Maria Luísa de Almeida franca Almeida franca
interessante acho que o irmão dela mais velho e um mafioso também
2025-02-22
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