capítulo 2

CAPÍTULO — Primeira Noite no Covil

Tentar dormir ali era como tentar descansar no meio de um cemitério em guerra. Latidos. Gritos. Passos. O ar cheirava a madeira velha e poder podre. Eu me virei na cama umas cem vezes e nada.

Quando já estava com os olhos ardendo e o corpo tremendo de cansaço, a porta abriu sem aviso.

Breu entrou.

Ele tinha aquele jeito irritante de quem acha que controla o ar que os outros respiram. Eu já estava arrumada, mas minha alma parecia ter passado no moedor.

— Espero que tenha tido uma ótima noite — ele disse, olhando para a bandeja intacta de café no criado mudo.

— Seria ótima se seus cachorros não resolvessem fazer rave às três da manhã — resmunguei, bocejando.

Ele cruzou os braços, analisando cada detalhe meu como se eu fosse uma peça que ele comprou e ainda estava avaliando.

— Vejo que não comeu nada.

— Eu não como quando não durmo — respondi, encarando o chão. — Escuta… quando eu volto pra casa?

A irritação dele veio rápido, afiada como a lâmina que eu tinha visto na mesa na noite passada.

— Já falei, garota. Você não vai voltar. E para de fazer perguntas.

— Se não o quê? Vai me estrangular até desmaiar de novo? — me sentei, encarando ele, mesmo com as pernas tremendo.

Ele cerrou o punho.

— Acha que não sou capaz?

— Quem sai no prejuízo é você — respondi, rindo sem humor.

Ele franziu o cenho.

— Como assim?

— Você mata sua mercadoria e ainda perde o pagamento. Duas derrotas. Péssimo negócio.

Peguei uma maçã só para provocá-lo, mas devolvi. Minha fome não queria me dar o prazer de fingir que era valente.

— Já que você não quer comer — ele arrastou a bandeja — vai jantar apenas.

— Boa ideia. Matar de fome é lento. Dá tempo pra pensar num plano de fuga — falei, deitando de novo.

Ele bufou.

— Não me testa, garota.

E sumiu porta afora.

Por umas boas horas eu fiquei sentindo o gosto amargo da minha coragem idiota. A fome e o arrependimento começaram a brigar dentro de mim. Até que a porta destrancou e Marco entrou, rápido, olhando pros lados como quem esconde bomba.

Ele me jogou um sanduíche.

— Come logo antes que o Breu veja.

Eu devorei como se fosse o último alimento do planeta.

— Obrigada — murmurei de boca cheia.

Marco me observou, rindo fraco.

— Se continuar assim, não dura um mês.

— Esse cara é maluco — mostrei o roxo no meu pescoço. — Olha isso.

Marco ergueu uma sobrancelha, indiferente.

— Isso é o de menos. A outra morreu.

— Outra? Quantas garotas já passaram por aqui?

Ele coçou a nuca, como se aquilo fosse conversa de clima leve.

— Muitas. Algumas foram embora. Outras morreram. Outras tentaram fugir. Aí… depende da sorte.

Meu coração bateu mais forte.

— Então tem como fugir.

Ele deu um meio riso cansado.

— Tinha. Breu aumentou as torres… cachorro em todo canto. Se você não morrer na mão dele, morre nos cães.

Silêncio.

— Por que chamam ele de Breu? Nome ridículo pra um homem de uns quarenta anos — provoquei, porque minha boca sempre anda mais rápido que meu cérebro.

Marco riu baixo.

— Esse não é o nome dele. É só um título. Pra polícia e jornalistas não grudarem nele.

— Tá, mas por que não usar sobrenome? Sei lá, se eu fosse bandida eu usaria meu sobrenome.

— Você teria mais medo de um homem chamado Breu… ou de alguém com o sobrenome Valente? — ele me olhou com um sorriso torto.

Eu congelei.

— Como você sabe meu sobrenome?

— Nós sabemos tudo sobre você. Agora… sossega. — Ele abriu a porta.

— Espera! — falei antes que ele saísse. — Roupas limpas. Um livro. Qualquer coisa pra eu não enlouquecer. E eu sei que vocês pegaram meu celular. Podiam pelo menos me dar um lápis e um papel.

Marco suspirou, como alguém que vai levar bronca.

— Vou falar com ele.

A porta trancou.

Minutos depois ouvi Breu gritar na sala por Marco entrar sem bater. Depois silêncio, portas batendo, passos acelerados.

E então… Nina entrou no meu quarto com os braços cheios de coisas. Sacolas, roupas, livros. Tanta coisa que eu nem sabia reagir.

— O que é tudo isso? — perguntei, sentindo um fio de alegria depois de horas de desespero.

— Livros e roupas — Nina disse, trazendo tudo para minha cama.

Vestidos, tênis, lingerie, meia, casaco. Me senti como se tivesse sido sequestrada para um castelo estranho com regras absurdas… mas com closet de novela.

— Nossa… isso é perfeito — disse, tocando um vestido preto com brilho discreto. — Parece até que eu fui presa em uma loja.

Nina me olhou com dúvida.

— A senhora não está incomodada de estar aqui?

Suspirei.

— Faz um dia que tô nesse lugar. E por incrível que pareça, é mais limpo e silencioso do que minha casa… pelo menos quando Antônio resolvia existir. — Peguei um livro. "A Duquesa". Sorri sem querer. — E eu amo livros.

Nina sorriu, tímida.

— Vou deixar a senhora ler. Volto depois.

Eu me joguei na cama e mergulhei naquela história como se ela fosse minha fuga. Perdi a noção do tempo. Quando Nina voltou, eu estava virando a última página.

— Já terminou? — ela arregalou os olhos.

— Li desde que você saiu — respondi, igual viciada.

Nina respirou fundo.

— O senhor Breu espera você para jantar.

— Mas ele não disse que eu não podia comer? — bufei.

— Só se arrume — Nina me empurrou para o banheiro. — E tente não irritá-lo.

Escolhi um vestido confortável, preto, simples, e um tênis. Meu cabelo curto ficou preso com um laço. Uma guerra silenciosa mora no espelho quando você tenta se arrumar pra jantar com seu sequestrador. Mas eu fui.

A sala de jantar era enorme. Mesa para trinta pessoas. Luz baixa. Parecia casa de vampiro rico e emocionalmente carente. A comida era tanta que meu estômago gritou. Breu apareceu em silêncio, sentou sem olhar pra mim e apenas fez um gesto para que eu sentasse também.

Empregadas serviam tudo. Eu me senti… não sei. Um objeto? Um prêmio? Uma marionete que tenta fingir que é humana.

E mesmo assim, parte de mim pensou:

Se eu tiver paciência, talvez eu consiga virar o jogo.

Mais populares

Comments

Lima escritor

Lima escritor

muito boa tomara que ela consiga ele muito bravo

2024-10-24

1

antonia geralda

antonia geralda

começando a ler com muita expectativa.

2024-08-19

2

Marina lopes

Marina lopes

Linda ela ,será que vai chegar no coração de gelo

2024-08-18

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!