CAPÍTULO 4 - FABRICIO

Seria ótimo que a água que lava meu corpo nesse momento pudesse lavar

minha mente. Não seria necessário levar para o ralo todas as minhas memórias,

apenas as de como da noite passada. Termino meu banho e me encaminho aos

armários para me vestir. Procuro minhas roupas entre cabides e gavetas tentando

fazer o mínimo de barulho possível para não acordar a mulher que está em minha

cama. Encontro algo bem leve pois com o calor que faz só mesmo ar condicionado

para suportar terno e gravata. Sento no pequeno banco almofadado para calçar

meias e sapatos e presto atenção aos ruídos que vem do quarto, são suspiros

entrecortados por soluços; ela chorou demais em meus braços.

Vem em minha mente que agora de manhã tem uma reunião na faculdade

Pinheiro, onde ela precisa comparecer. Duvido muito que os meninos fiquem

chateados se eu desmarcar, eles a conhecem e sabem como é pontual em seus

compromissos. Talvez seja melhor chamar todos para um jantar hoje à noite,

afinal ela ama estar com eles.

A tempos atrás eu a condenaria e ignoraria a situação como revolta. Não

tenho orgulho em lembrar que durante a adolescência fiz isso. Mas a fase adulta

para mim veio com muitas obrigações e o peso de um passado marcado pela

ganância.

Depois de perfeitamente vestido, confiro minha imagem no espelho e estou

péssimo. Lembro que meu pai falava isso desde sempre. Já minha mãe, doce e

carente como sempre me elogiaria dizendo “lindo” e correria seus polegares para

os cantos de meus lábios fazendo cócegas até eu sorrir e completaria “agora

perfeitamente lindo” e beijaria minha bochecha.

Volto para o quarto e fito a cama, onde a mulher está enrolada na

posição fetal. Sua respiração ainda é pesada de soluços. Como disse, ela chorou

muito em meus braços. Consegui a acalmar por volta das três da manhã,

prometendo que ele não me machucaria. Não desta vez, e se depender de mim a

mais ninguém. Em especial ela, suas lágrimas de desilusão fazem meu coração

sangrar e é por isso que não dou motivos a ela para se decepcionar comigo.

Checo as cortinas para nenhuma fenda de luz atrapalhar seu sono e pego

meu aparelho celular de cima do criado mudo. Jogo um beijo no ar, evitando que

nosso contato se desperte e saio o mais silencioso que posso.

Vou até a cozinha e vejo a empregada da família fazendo o café da manhã.

— Bom dia Rose. — Mesmo querendo ser gentil, meu tom de voz sai ríspido.

Vou até o armário e pego uma xícara. Limpo a garganta e tento mais uma vez

falar sem ser rude. — Obrigada por vir ficar com ela mesmo que tão cedo.

— Bom dia Doutor Fabricio. — Cumprimenta com um sorriso doce mesmo

diante do meu tom e vem me servir café. — Não precisa me agradecer por nada,

ela é um anjo e merece ser tratada como tal.

Assinto com a cabeça e ela se afasta.

— Rose! — A chamo e ela volta a me olhar. — Por favor não a deixe

sozinha. Não dou a mínima para os afazeres do apartamento. Se precisar, chame o

serviço de limpeza e peça comida. Os telefones estão todos marcados no mural da

área de serviço. E peça para Anselmo passar na casa dela e pegar algumas

roupas. Quero ela aqui comigo por alguns dias.

— Claro! Anselmo tem alguns exames agora pela manhã, mas logo estará

aqui. Como das outras vezes não a deixamos sozinha e qualquer coisa, te aviso.

— Perfeito! — Levantando para ir trabalhar, mas antes vou até meu

escritório e pego minhas chaves.

Saio mais cedo porque quero evitar conversas por hoje. Em especial com

meu primo Leonardo que é sempre tão comunicativo. Desisto até mesmo de colocar

meu carro no estacionamento da empresa, na esperança de acharem que não vou

trabalhar. Assim, estaciono uma quadra antes e caminho até a empresa. A rua é

muito bem arborizada, o que me deixa mais calmo.

Repasso mentalmente a agenda de hoje e lembro da reunião marcada no

Pinheiro. Vou ligar para Antônio, reitor da Pinheiro, e desmarcar, e claro,

pedir para Rose avisar ela que não precisa se preocupar com isso. Me recordo

que, depois que liguei para a Rose, pedindo que viesse até meu apartamento

hoje, desliguei o aparelho para evitar qualquer barulho desnecessário. Mesmo caminhando,

o pego do bolso da calça e pressiono o botão para que ligue. Meus problemas me

distraíram de tal forma que só percebi que começava a chover por conta das

gotas que caíram na tela. Fico em dúvida se é melhor guardar no bolso ou não,

tudo o que eu não preciso é ficar sem aparelho celular, não hoje que quero

muito receber uma mensagem de Rose dizendo que está tudo bem.

Resolvo não guardar e continuo com os olhos fixos na tela que começa a

ligar quando sinto um impacto e meu celular vai para o chão.

— Droga, mil vezes droga!

Uma garota atravessa minha frente e consegue arruinar mais ainda o meu

dia. No começo suas palavras pareciam meigas, mas quando exponho que sei do seu

joguinho, sai da minha frente sem pensar duas vezes. Olho para o chão e meu estresse

vai às alturas vendo meu telefone móvel encharcado. Pego ele do chão por pura

educação, já que não admito lixo no chão, mas minha vontade era o deixar lá.

Entro no prédio onde sou o presidente, sem olhar em volta, os poucos

funcionários que já chegaram, percebem meu estado de espírito e se afastam o

máximo. Desconfio até que alguns pararam de respirar. De elevador chego até meu

andar, constato que minha secretária não está em seu posto e isso também

aumenta meu aborrecimento. Entro em meu escritório, e encontro ela terminando

de encher um recipiente de vidro com suspiros. Ela se vira com o pote na mão e

me cumprimenta da mesma maneira que Rose me cumprimentou em casa: com um largo

sorriso, isso me destrói por dentro. Não quero ficar igual “ele”, mas parece

que quanto mais tento, menos consigo. A senhora caminha até mim:

— Bom dia, doutor Fabricio! Os suspiros acabaram de chegar, prove como

estão ótimos! — Tira a tampa e não resisto aos doces, que quando coloco em

minha boca molhada, desmancha a casca crocante, me deixando apenas com a goma

adocicada que tem dentro para mascar. — Logo o café chega, se tivesse me

avisado que viria mais cedo eu já o teria trazido.

Engulo o que tenho na boca e seguro entre os dedos mais um dos doces.

— Bom dia Silvia. — Pigarreio para diminuir o doce de minha garganta. —

Não se preocupe com o café, tem coisas bem urgentes para você resolver. — Ela

me olha curiosa. — Meu celular estragou e preciso de outro com urgência. E como

estou sem telefone perdi o contato com a empregada da família e de Antônio

Pinheiro. Os consiga para mim e ligue, preciso falar com eles nessa ordem.

— Farei o que me pediu. — Fecha o pote de doces e leva para seu lugar.

Pede licença, mas antes dela sair caminho até ela e entrego o celular quebrado.

— Silvia, se livre disso. — Assente mais uma vez e sai para lhe fazer o

que pedi.

Minha atenção se volta para o doce em meus dedos, que em poucos segundos

enche minha boca com seu delicioso sabor. Penso em comer mais alguns antes de

me ocupar com meus afazeres, mas o telefone em cima da minha mesa de madeira

maciça toca, é preciso atender. Silvia sempre é eficiente, já tem Rose na linha

e assim posso saber como ela está. Em seguida quem está na linha é Antônio:

— Fabricio, a que devo a honra de sua ligação? Confesso que esperava sua

presença, não sua ligação! — Fala meu amigo de longa data.

— Eu sei Antônio, mas na noite passada houve um imprevisto e, embora eu

saiba que a reunião que temos é muito importante, não poderemos estar

presentes. — Ele solta um longo suspiro.

— Assim você me preocupa, algo que eu precise saber?

— Ele entrou em contato ontem para avisar de sua volta. — Falo bufando.

— Isso não é bom... — Antônio considera.

— É péssimo! — Descanso meu rosto em minha mão e prossigo. — Ela entrou

em colapso.

— Era de se esperar, já que só de mencionar ele as coisas já saem dos

trilhos. Foi com ela no hospital?

— Não, ela me implorou para manter sua lucidez, está até com medo de

tomar um Doril. — Estalo a língua. — Minha próxima tarefa é avisar seu psiquiatra

do ocorrido e pedir que intensifique as sessões. — Procuro uma caneta e anoto

num papel em branco para não esquecer.

— Isso já é um começo! Bárbara está chegando hoje, sei que sua agenda é

apertada, pois casa lazer com trabalho sempre, mas vou pedir que passe um tempo

com ela, para não ficar sozinha e se distrair um pouco.

— O casal de empregados está com ela, mas a companhia de Bárbara sempre

é bem-vinda. E dependendo como ela reagir durante o dia, gostaria que nos

reuníssemos no apartamento para um jantar. Sabe como ela ama a companhia de

vocês.

— Fico no aguardo do seu convite então meu amigo. E quanto a reunião,

vou avisar os outros. Já falou com Leonardo? — Ouço ele estalar os dedos.

— Não, sabe como ela é em relação a ele. Por isso gostaria que o avisasse,

mas não contasse o real motivo. Nem para ele, nem para ninguém.

— Está cometendo um erro, precisa avisar a todos. Esqueceu? Somos uma

família! — Pondero minhas próximas palavras, ele está certo, mas no momento não

quero os envolver. — Sabe que de uma forma ou de outra estamos correndo o mesmo

perigo. Arthur e Sérgio podem ser muito úteis se avisados antes.

— Entre em contato com Silvia para remarcar a reunião. — Desconverso.

— Fabricio... — Sua voz sai em tom de alerta. — Sei que acha que esse

problema é seu, mas não pense que está sozinho.

— Antonio, preciso de um tempo para pensar. — Esfrego minhas têmporas já

doloridas.

— Tempo é uma coisa que você não tem. — Ficamos em silêncio. — Pelo que

me lembro da minha agenda, sexta de manhã tenho tempo para a reunião. Vou

confirmar com todos e se ela for realizada, seu tempo acaba no momento que a

reunião encerrar. Se você não falar, eu falo.

— Foi um erro te contar. — Falo quase gritando. — Além disso ela vai

estar presente.

Como se estivéssemos conversando calmamente, ele continua:

— Vai me agradecer por isso e você sabe, nunca falaria na frente dela.

Vocês vão estar no meu espaço, também sei do que ela gosta, e de tantos

funcionários, impossível que eu não consiga um para a distrair por míseros

cinco minutos!

— Faça como quiser. — Respondo com desdenho. — Tenho que trabalhar. Boa

semana para você.

— Boa semana Fabricio. Não se esqueça que estou à sua disposição.

Bufo desapontado e desligo o telefone. Meu olhar volta para os doces.

Definitivamente ele consegue estragar tudo em mim. Até meu dia.Silvia entra com

o café e avisa que um vendedor de aparelho celulares está na recepção

aguardando meu consentimento para subir. Eu autorizo, mas que antes de permitir

sua entrada em meu escritório, entre em contato com o Doutor Torres,

psiquiatra, pois preciso muito falar com ele.

Mais dois detalhes e realmente começo a trabalhar no que sou bom.

Capítulos
1 CAPÍTULO 1 - LUIZA - HÁ SEIS ANOS ATRÁS
2 CAPÍTULO 2 - Luiza - DIAS ATUAIS
3 CAPÍTULO 3 - Luiza
4 CAPÍTULO 4 - FABRICIO
5 CAPÍTULO 5 - LUIZA
6 CAPITULO 6 - LUIZA
7 CAPITULO 7 - LUIZA
8 CAPÍTULO 8 - FABRICIO
9 CAPÍTULO 9 - FABRICIO
10 CAPÍTULO 10 - LUIZA
11 CAPÍTULO 11 - LUIZA
12 CAPÍTULO 12 FABRICIO
13 CAPÍTULO 13 - FABRICIO
14 CAPÍTULO 14 -LUIZA
15 CAPÍTULO 15 - LUIZA
16 CAPÍTULO 16 - FABRICIO
17 CAPÍTULO 17 LUIZA
18 CAPÍTULO 18 - LUIZA
19 CAPÍTULO 19 - LUIZA
20 CAPÍTULO 20 - LUIZA
21 CAPÍTULO 22 - LUIZA
22 CAPÍTULO 22 - LUIZA
23 CAPÍTULO 23 - LUIZA
24 CAPÍTULO 24 - LUIZA
25 CAPÍTULO 25 - LUIZA
26 CAPÍTULO 26 - LUIZA
27 CAPÍTULO 27 - LUIZA
28 CAPÍTULO 28 - FABRICIO
29 CAPÍTULO 29 - FABRICIO
30 CAPÍTULO 30 - LUIZA
31 CAPITULO 31 - LUIZA
32 CAPÍTULO 32 - LUIZA
33 CAPITULO 33 - LUIZA
34 CAPÍTULO 34 - FABRICIO
35 CAPÍTULO 35 - FABRICIO
36 CAPÍTULO 36 - LUIZA
37 CAPÍTULO 37 - FABRICIO
38 CAPÍTULO 38 - LUIZA
39 CAPÍTULO 39 - LUIZA
40 CAPITULO 40 - LUIZA
41 CAPITULO 41 - LUIZA
42 CAPITULO 42 - FABRICIO
43 CAPÍTULO 43 - LUIZA
44 CAPÍTULO 44 - LUIZA
45 CAPÍTULO 45 - FABRICIO
46 CAPÍTULO 46 - LUIZA
47 CAPÍTULO 47 - FABRÍCIO
48 CAPÍTULO 48 - LUIZA
49 CAPITULO 49 – LUIZA
50 CAPÍTULO 50 - LUIZA
51 CAPÍTULO 51 - LUIZA
52 CAPÍTULO 52 - LUIZA
53 CAPÍTULO 53 - LUIZA
54 CAPÍTULO 54 - LUIZA
55 CAPÍTULO 55 - FABRICIO
56 CAPÍTULO 55 - FABRICIO
57 CAPÍTULO 56 - FABRICIO
58 CAPÍTULO 57 - LUIZA
59 EPÍLOGO - FABRICIO
Capítulos

Atualizado até capítulo 59

1
CAPÍTULO 1 - LUIZA - HÁ SEIS ANOS ATRÁS
2
CAPÍTULO 2 - Luiza - DIAS ATUAIS
3
CAPÍTULO 3 - Luiza
4
CAPÍTULO 4 - FABRICIO
5
CAPÍTULO 5 - LUIZA
6
CAPITULO 6 - LUIZA
7
CAPITULO 7 - LUIZA
8
CAPÍTULO 8 - FABRICIO
9
CAPÍTULO 9 - FABRICIO
10
CAPÍTULO 10 - LUIZA
11
CAPÍTULO 11 - LUIZA
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CAPÍTULO 12 FABRICIO
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CAPÍTULO 13 - FABRICIO
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CAPÍTULO 14 -LUIZA
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CAPÍTULO 15 - LUIZA
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CAPÍTULO 16 - FABRICIO
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CAPÍTULO 22 - LUIZA
22
CAPÍTULO 22 - LUIZA
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CAPÍTULO 24 - LUIZA
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CAPÍTULO 25 - LUIZA
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CAPÍTULO 26 - LUIZA
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CAPÍTULO 27 - LUIZA
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CAPÍTULO 28 - FABRICIO
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CAPÍTULO 29 - FABRICIO
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CAPÍTULO 30 - LUIZA
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CAPITULO 31 - LUIZA
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CAPÍTULO 32 - LUIZA
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CAPITULO 33 - LUIZA
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CAPÍTULO 35 - FABRICIO
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CAPÍTULO 36 - LUIZA
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CAPÍTULO 48 - LUIZA
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CAPITULO 49 – LUIZA
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CAPÍTULO 50 - LUIZA
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CAPÍTULO 54 - LUIZA
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CAPÍTULO 55 - FABRICIO
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CAPÍTULO 55 - FABRICIO
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CAPÍTULO 57 - LUIZA
59
EPÍLOGO - FABRICIO

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