Jessica
As luzes dos carros de polícia incomodavam cada vez mais os meus olhos. Tudo estava muito confuso, mas de uma coisa eu tinha certeza: eu estava encrencada. Não, encrencada é pouco — eu estava realmente fodida.
Assim que desci do carro, parecia que minha mãe me fuzilava com o olhar. Eu, no entanto, tentava evitar qualquer tipo de contato visual. Um dos policiais entendeu a situação e soltou um sorriso de deboche, como quem já estava ali há tempo demais ouvindo todos os tipos de desaforo, apenas para descobrir que se tratava de uma garota que quis curtir um pouco a noite sem a permissão dos pais.
— Quando chamar a polícia, lembre-se de que nosso trabalho é muito sério. Sua filha está aí, sã e salva. Ela desapareceu por menos de vinte e quatro horas e a senhora já queria uma busca. Talvez todo esse mal-entendido se resolvesse com uma simples ligação.
Madelyn — Peço desculpas pelo transtorno. Entrei em desespero porque não é da natureza da minha filha passar a noite fora sem avisar... pelo menos era o que eu pensava.
Os policiais entraram nas viaturas sem dar muita importância ao que minha mãe sentia. Para eles, tudo aquilo não passava de uma perda de tempo causada por uma mãe paranoica que não conseguia parar de controlar a filha. Mesmo eu sendo maior de idade, ela insistia em querer saber todos os meus passos — e isso já estava me sufocando.
Madelyn — Jessica, entre. Precisamos ter uma boa conversa e estabelecer limites...
Eu não concordava em levar uma bronca por conta de uma única noite fora, mas também não queria desobedecê-la bem no meio da rua. Tinha certeza de que ela faria um escândalo ali mesmo. Entramos juntas para esclarecer o ocorrido da noite anterior.
Sentei-me na pequena poltrona ao lado do sofá grande. Minha mãe permanecia de pé, andando de um lado para o outro, como se nem soubesse o que dizer. Mais uma vez, tudo o que eu conseguia pensar era em como ela estava complicando uma situação tão simples de resolver. Eu estava em casa — isso era tudo o que deveria importar.
— O que você quer saber? — perguntei. — Fala logo.
— O que eu quero saber? Que tal começar me contando onde você estava até agora?
— Eu fui para um bar e não queria dirigir depois de ter bebido.
— Não se faça de desentendida. Eu sei que você não dormiu no bar. Onde você passou a noite?
— Eu fui para a casa da Alyssa.
— Sabe o que é bem estranho? A Alyssa ligou esta manhã perguntando sobre você...
— Ela ligou? Eu também estava procurando por ela na hora de voltar para casa.
— Não fuja do assunto e pare de mentir. Ou você quer que eu conte para o seu pai que passou a noite fora e nem a sua melhor amiga sabia do seu paradeiro?
— Sabe algo realmente interessante para ele saber?
— Eu já disse para me contar a verdade.
— Por que você não conta a verdade também?
— Sobre o que você está falando?
— Joel Miller te lembra alguma coisa?
— De onde você tirou isso? O que está insinuando?
— Agora você vai se fazer de desentendida? Ou eu vou precisar falar com o papai para refrescar sua memória?
— Como você descobriu? Quem te contou?
— Você deveria se perguntar como eu não descobri antes. Você deixa tudo de fácil acesso para qualquer um ver.
— E agora você se acha no direito de contar para todo mundo? Depois de tudo o que fiz por você como mãe? É isso, Jessica? Vai destruir toda a nossa família por conta de um erro? Pense bem.
— VOCÊ É QUEM ESTRAGOU TUDO!
Nesse momento, senti a mão da minha mãe bater contra o meu rosto — um sinal claro de que eu deveria me calar. Mas algo dentro de mim já não aguentava mais todas aquelas farsas. Como eles conseguiram viver juntos como uma família feliz durante todos esses anos?
— Quer saber por que eu passei a noite fora? Tudo isso é culpa sua! Depois de ler aquelas cartas nojentas, eu simplesmente não consegui voltar pra casa e olhar na sua cara.
— VÁ PARA O SEU QUARTO AGORA! E não saia até eu decidir o que vou fazer!
— Você está esbanjando autoridade, mas, no fundo, sabe que toda essa conversa se resume a uma troca: você não abre a boca e eu também não.
Fui para o meu quarto. Não aguentava mais olhar para ela, como se ainda tivesse o direito de me cobrar algo depois de tudo o que fez.
Joguei-me na cama, afundando o rosto nos travesseiros. Por um momento, eu só queria sentir paz — mas logo o celular começou a vibrar sem parar. Talvez antes estivesse sem sinal, e por isso achei que ninguém tivesse se importado com o meu sumiço.
Estiquei a mão dentro da bolsa, sem olhar, e senti o volume de uma papelada que não lembrava de ter colocado ali. Deixei a preguiça de lado e me levantei para verificar o que era. Mais um envelope. Já estava farta dessas surpresas aparecendo do nada, mas decidi abrir mesmo assim.
Eu não podia acreditar que ele realmente tivesse feito aquilo. Era uma quantidade absurda de dinheiro junto com uma carta. Eu nem sabia como justificaria tudo aquilo se meus pais descobrissem. O melhor seria devolver. Aquelas coisas que eu disse não passaram de uma brincadeira de mau gosto — nunca imaginei que ele levaria tão a sério.
Abri a carta:
— Faça o que quiser com o dinheiro. Não tente devolvê-lo — ele faz parte do acordo. Não quero ter a sensação de que fiquei em dívida com você, então aumentei o valor pelo transtorno da noite passada. Espero, sinceramente, que você fique bem.
Como eu poderia ficar com aquele dinheiro? De certa forma, seria como aceitar tudo o que aconteceu. Eu sei que dei minha palavra e quis ir até o fim, mas a maneira como tudo ocorreu...
Peguei o celular e vi várias mensagens da Alyssa, todas me alertando pra não me envolver com o Sr. Parker. A forma como ela se referia a ele me fez pensar que ele era alguém importante na cidade — mas ela não explicou exatamente o porquê. Eu precisava falar com ela pessoalmente para entender o que havia de tão sério naquele homem misterioso.
Apressei-me e escondi o dinheiro no fundo falso do meu guarda-roupa. Eu sei que é estranho alguém tão “certinha” ter um fundo falso, mas eu não suportava a ideia de alguém mexendo nas minhas coisas.
Liguei pra Alyssa:
— Por que você não foi me buscar se sabia que era uma situação de merda?
— Bom dia para você também, Jessica!
— Que bom dia o quê? Bom dia, pra quem?
— Me diz você! Afinal, foi você quem passou a noite com o dono da University of Art.
— Não acredito... Por que você não me impediu?
— Você parecia tão decidida que eu só deixei você fazer o que queria. A noite foi tão ruim assim?
— Ruim é pouco. Para completar, ainda tive que aturar minha mãe com um questionário enorme logo cedo.
— Sinto muito...
— Não sente nada! Você podia, ao menos, ter me acobertado quando ela te ligou, mas me deixou na mão.
— E você queria que eu dissesse o quê? Ele é um homem muito poderoso aqui na cidade. Se ele decidisse sumir com a garota com quem teve um caso, o que eu ia dizer para os seus pais? Que você saiu daqui de manhã e nunca mais apareceu?
— Mais uma vez, você reforça que ele pode ser alguém perigoso, mesmo assim me deixou lá!
— Você é adulta, Jessica. Eu não posso ficar te impedindo de tomar decisões amorosas.
— Amor é o caralho! Eu só queria descontar o meu ódio naquele babaca!
— Já se vingou, não é? Então está tudo certo. Você está viva, e daqui a alguns dias sua mãe esquece tudo isso.
— Não é assim que funciona, e você sabe disso.
— JÁ CHEGA! Eu não vou estragar o meu dia só porque a sua reputação de “santinha” foi para o ralo.
— Você não foi minha amiga, Alyssa. Está sendo babaca igual a ele. Eu é que não quero mais falar com você!
Desliguei a ligação sem dar a ela chance de responder. Como ela pôde me deixar naquela situação, sabendo que eu poderia sair machucada? Com que cara eu ia aparecer na faculdade amanhã?
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Atualizado até capítulo 24
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