capítulo 5

Eu me peguei observando a minha própria imagem no espelho por longos minutos antes de sair. As olheiras profundas mal disfarçadas pela maquiagem, os lábios pálidos que eu forcei a colorir. O vestido simples que escolhi para a entrevista – um tom neutro, elegante, mas sem chamar atenção. Queria passar despercebida e, ao mesmo tempo, deixar uma marca. Uma contradição que me definia agora. O Sétimo Céu. O nome parecia sussurrar em minha mente, carregado de promessas e perigos. Minha mãe estava piorando, a respiração mais ruidosa. Não havia outro caminho. Eu tinha que cruzar o limiar.

Cheguei a um prédio discreto em uma das ruas mais sofisticadas da cidade. Nenhuma placa. Apenas um interfone com uma câmera minúscula. Hesitei por um segundo, meu coração batendo como um tambor. Digitei o código que me foi enviado, e a porta se abriu com um clique suave. O interior era um espetáculo. Não havia ostentação vulgar, mas uma elegância que gritava luxo em cada detalhe: mármore polido, iluminação indireta que criava sombras sedutoras, obras de arte abstratas nas paredes. O ar estava perfumado com algo exótico, que me lembrava jasmim e mistério.

Uma mulher alta e esguia, com cabelos cor de ébano e olhos penetrantes, surgiu de uma porta lateral. Élodie. Seu sorriso era um convite e um desafio.

“Seja bem-vinda, Ana. Estávamos à sua espera.” Sua voz era grave e aveludada, com um sotaque que não consegui identificar. Ela me analisou de cima a baixo, um olhar que não julgava, mas avaliava. “Sente-se, por favor.”

A sala onde entramos era ainda mais íntima, com poltronas de veludo, uma lareira crepitante e uma taça de cristal já posta sobre uma mesinha de centro. Sentei-me, e ela me ofereceu o que parecia ser um chá de ervas, cujo aroma amadeirado me acalmou um pouco.

“Você parece tensa, querida”, Élodie observou, sentando-se em frente a mim, seus olhos fixos nos meus. “Entendo. O primeiro passo é sempre o mais difícil. Mas veja, você já o deu.”

“Eu… eu não sei bem o que esperar, Damien ele me disse que conseguiria o que quero nesse lugar”, confessei, minha voz quase um sussurro.

Élodie sorriu, um sorriso antigo, que parecia conhecer todos os segredos do mundo. “Não precisa saber. Nós a guiaremos. Aqui, Ana, você não é apenas uma mulher bonita. Você é uma artista. Uma confidente. Uma musa. Nossos clientes são homens de poder, influência. Eles não buscam apenas um corpo, mas uma mente, uma companhia que os desafie e os encante.”

Seu olhar penetrou fundo na minha alma, e eu senti como se ela pudesse ler cada uma das minhas fraquezas, meus desejos mais secretos. “Eu vejo a dor em você, Ana. E vejo também uma chama. Você tem desejos reprimidos, não tem? Coisas que você nunca se permitiu sentir, experimentar.” Ela se inclinou ligeiramente. “Aqui, você pode explorar essa parte de si. Encontrar o poder na entrega seletiva. A liberdade de ser quem você realmente é, sem julgamentos.”

As palavras dela eram como mel e veneno, destravando algo dentro de mim que eu mantivera trancado por tanto tempo. Ela estava certa. Havia um desejo profundo de escapar, de sentir algo além da dor e do desespero.

“Podemos oferecer a você uma vida de conforto, segurança para sua família”, Élodie continuou, como se lesse meus pensamentos. “Mas exigimos dedicação. Discrição absoluta. E acima de tudo, que você se entregue à experiência. Não é sobre o que você faz, Ana, mas sobre o que você é para eles. Uma ilusão perfeita.”

Ela pegou uma pasta fina sobre a mesa. “Para começar, temos um convite para você. Um teste, digamos assim. Um jantar privado, sem compromisso sexual, com um de nossos clientes mais seletos. É uma oportunidade para você sentir a atmosfera, e para ele, de te conhecer. Sem pressão. Apenas uma noite de conversas, de conexão.”

Hesitei, as palavras dançando em minha mente. Um teste. Um jantar. Era um passo pequeno demais para ser perigoso, mas grande o suficiente para me puxar ainda mais para aquele mundo.

Élodie percebeu minha dúvida. “Não há obrigações, Ana. Mas há oportunidades. Pense nisso como uma degustação da vida que podemos lhe oferecer. Uma chance de ver se este céu… é para você.”

Meus dedos tamborilaram na poltrona de veludo. A imagem da minha mãe em seu leito de dor se impôs. Eu não tinha escolha.

“Eu aceito”, eu disse, minha voz soando estranha para mim mesma.

Élodie sorriu, um sorriso que expressava tanto aprovação quanto um conhecimento sombrio. “Excelente. Nosso motorista a buscará amanhã à noite. Esteja pronta.”

Nos dias que se seguiram, a tensão no escritório era quase palpável. Eu tentava agir com normalidade, mas algo em mim havia mudado. A entrevista no Sétimo Céu, a conversa com Élodie, o “teste” iminente, tudo isso me dava uma nova, perigosa, confiança. Fernando sentiu. Ele sempre sente.

Ele me chamou em sua sala no final do expediente, a porta fechada com um clique seco. A luz estava baixa, como sempre, e o ar pesado com a expectativa.

“Sente-se, Ana”, ele disse, seu tom mais sombrio que o normal. Ele não estava na sua mesa; estava perto da janela, observando a cidade abaixo, as costas para mim.

Sentei-me na cadeira de couro à sua frente, tentando manter a compostura.

“Você está diferente”, ele começou, sua voz baixa, quase um rosnado. “Há um brilho novo em seus olhos. Uma… ousadia.” Ele se virou lentamente, e seu olhar me perfurou. “O que você está escondendo, Ana?”

Meu coração disparou. Ele não podia saber. Não podia. “Não estou escondendo nada, Fernando. Estou apenas… mais focada no trabalho.”

Ele riu, um som seco e desprovido de humor. “Foco? Ou distração? Você pensa que não percebo? Sua mente está em outro lugar. E isso… me irrita.” Ele deu um passo em minha direção, seu corpo imponente. “Você é minha assistente, Ana. Sua atenção deve ser para mim. Para o meu trabalho. Para o que eu exijo.”

Ele parou bem na minha frente, as mãos apoiadas nos braços da cadeira, me encurralando. Eu podia sentir o calor de seu corpo, o cheiro amadeirado e terroso que agora parecia me sufocar.

“Você está se tornando… imprudente”, ele sussurrou, seus olhos fixos nos meus, procurando algo, tentando decifrar o enigma que eu havia me tornado. “Não me obrigue a retomar o controle, Ana. Você não vai gostar.”

Seu olhar desceu para meus lábios, e eu senti um arrepio. A raiva em seus olhos se misturava com um desejo incontrolável. Ele se inclinou, e eu soube o que viria. Mas, desta vez, eu não me encolhi. Havia uma força nova em mim, uma aceitação sombria do que eu estava me tornando.

Seus lábios se pressionaram contra os meus, um beijo de posse, de advertência. Sua mão agarrou meu queixo com força, me forçando a aceitar sua dominação. Eu não resisti, mas também não cedi completamente. Eu o beijei de volta, um beijo que carregava a frustração e o medo de ambos, mas que também era um ato de desafio silencioso. Eu não era mais a mesma Ana, e ele podia sentir isso. A tensão entre nós era uma corda esticada, prestes a romper.

A noite do jantar chegou. Eu me olhei no espelho. O vestido preto de seda que Élodie havia me enviado deslizava sobre minha pele, revelando e escondendo na medida certa. Os saltos altos me davam uma altura e uma postura que eu nunca tive. Os cabelos soltos caíam em ondas sobre meus ombros. Eu tinha maquiado meus olhos de uma forma mais dramática, com um delineado que os tornava maiores, mais misteriosos.

A mulher no espelho não era a Ana que limpava a casa da mãe, que se preocupava com contas, que tremia diante de Fernando. Essa era uma mulher nova. Uma mulher que estava prestes a cruzar um limite irreversível. Eu respirei fundo, sentindo o perfume do vestido, o cheiro de uma vida que me esperava do outro lado daquela porta. O motorista de Élodie me esperava lá fora. A linha entre a salvação e a perdição se tornava cada vez mais tênue, e eu estava prestes a pular.

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