Grandes mudanças

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Muitas estações haviam passado desde que o inverno cedeu lugar à primavera e ao verão.

No jardim da residência dos Sentiny's na capital, a jovem lady Sentiny desfrutava de um raro momento de tranquilidade, mergulhada na leitura de sua biografia favorita.

Sentada na grama, envolvida em sua camisola macia, ela compartilhava a companhia dos pássaros que povoavam o seu jardim.

- Karoll! Por que raios você está sentada no chão?! - A voz da Duquesa interrompeu bruscamente seu momento de paz. - Procurei por você a manhã toda, criatura. Você se esqueceu de que dia é hoje?!

A lady bufou, contrariada pela interrupção de sua manhã tranquila, e levantou-se irritada.

- Não me esqueci, mãe. Só estava aproveitando meu precioso tempo com este livro maravilhoso, do qual raramente consigo desfrutar por causa dessas tarefas tediosas!

- Quando se tornar imperatriz, terá todo o tempo do mundo. Agora, entre em casa e se arrume para receber o príncipe.

- Está bem, senhora...

Muitos anos se passaram desde a partida de Gilbert e Gustav. Todos estavam se preparando para recebê-los após longos seis anos de guerra.

Karoll, de certo modo, também estava ansiosa para ver o seu noivo, mas suas preocupações estavam principalmente voltadas para seu amigo Gustav, do qual não tinha notícias desde o último encontro deles.

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A capital pulsava com uma energia vibrante, reverberando a alegria de uma vitória conquistada com honra.

À medida que o sol se elevava no céu, anunciando o meio-dia, os cidadãos se reuniam em massa para saudar os heróis da guerra, formando uma imponente passagem para sua chegada.

Quando o sino do templo ecoou sua 12ª badalada, a multidão irrompeu em gritos ensurdecedores, celebrando a chegada dos campeões do Império.

Os cavaleiros plebeus foram calorosamente recebidos por suas famílias e amantes ao longo do trajeto, enquanto os nobres que haviam partido para a batalha dirigiam-se ao castelo, onde seriam recebidos pessoalmente pelo imperador e pela imperatriz, acompanhados por sua corte.

Karoll estava no pátio de entrada do grandioso palácio, ao lado do imperador e da imperatriz, o coração pulsando descompassado enquanto a ansiedade a corroía por dentro. O pátio era um espaço amplo, suas pedras antigas polidas pelo tempo, marcadas pelas pegadas de gerações de cavaleiros que partiram e retornaram da guerra. A brisa da tarde parecia incapaz de dissipar o peso sufocante da expectativa que a envolvia.

Seu olhar estava fixo nos portões. As mãos suadas estavam apertadas em punhos junto às laterais do vestido, os ombros tensos, a respiração superficial. Sentia-se presa em uma espiral de emoções conflitantes: alívio por saber que ele voltaria, medo do que encontraria, daquilo que a guerra poderia ter mudado nele. Gustav. Quanto tempo fazia desde que o vira pela última vez? Quantas vezes imaginara esse momento? Mas agora que estava prestes a acontecer, sentia como se estivesse sendo esmagada pelo próprio desejo de revê-lo.

O som de cascos ecoou pela entrada. O clamor da multidão anunciava a chegada dos guerreiros. Karoll estremeceu involuntariamente, cada batida do coração reverberando como um trovão dentro de seu peito.

Gilbert entrou primeiro, montado em seu cavalo branco. O aplauso dos nobres foi imediato, os elogios derramando-se sobre ele como uma chuva de louvores. Seus cabelos loiros curtos balçavam ao vento, os olhos azuis brilhando com a luz do sol. Sua armadura dourada reluzia, refletindo o status de um herdeiro que voltava vitorioso da guerra. Ele exibia um sorriso radiante, carregando consigo a imponência de um líder que havia provado seu valor no campo de batalha.

Karoll mal percebeu os suspiros das damas que se encantavam com a presença dele. Seu olhar se manteve fixo além de Gilbert, seu peito se comprimindo quando finalmente o viu.

Gustav.

Montado com a mesma firmeza e disciplina que sempre tivera, ele se destacava mesmo entre os mais experientes guerreiros. Seus cabelos castanhos escuros estavam um pouco mais curtos, desalinhados pelo capacete que agora repousava sob seu braço. Os olhos de um azul profundo eram sérios, intensos, como se ainda carregassem as sombras do campo de batalha. Sua presença era imponente, e os anos de guerra haviam apenas reforçado sua estrutura robusta e seus ombros largos. A armadura pesada parecia leve sobre ele, como se fizesse parte de sua própria pele.

O estômago de Karoll se contraiu, a garganta seca. Sentia-se incapaz de se mover, como se um peso invisível a mantivesse enraizada no chão. E então, ele olhou para ela.

Por um breve instante, a dureza de sua expressão cedeu. Um pequeno sorriso tocou seus lábios, e o olhar intenso encontrou o dela com uma familiaridade que a fez esquecer como se respirava. O mundo ao redor se dissipou, os gritos de aclamação e o burburinho dos nobres se tornaram nada. Existia apenas ele, apenas aquele instante em que tudo o que sentia se transformava em uma onda esmagadora de emoções.

Karoll fechou os olhos por um segundo, absorvendo o momento. Ele voltou. Estava ali. E, apesar da guerra, apesar da distância, aquele olhar dizia que ele ainda a reconhecia.

- Sejam bem-vindos, meus bravos heróis de Quátez! - exclamou o imperador, sua voz profunda ecoando pelos muros do palácio enquanto observava os cavaleiros se aproximarem. - Estava preocupado com vocês, não tivemos notícias há um ano!

O vento refrescante do meio dia soprava suavemente pelo pátio do palácio, agitando o dia imperial enquanto Gilbert desmontava de seu cavalo. Seus olhos azuis faiscaram ao encontrar os de seu pai, e ele esboçou um sorriso confiante.

- Queríamos fazer uma surpresa, vossa majestade. - Sua voz carregava o peso das batalhas recentes. - Vencemos a guerra antes do esperado e decidi voltar para casa. Estava com saudades da família e do povo. Queria celebrar essa vitória aqui, com todos reunidos.

O imperador observou o filho por um instante, uma expressão de orgulho velado cruzando seu rosto severo. Gilbert havia mudado. O jovem príncipe que antes demonstrava uma sensibilidade exacerbada, agora parecia firme, forjado pelo campo de batalha.

- Vejo que amadureceu bastante, meu filho. Antes, chorava por qualquer coisa. - comentou o imperador, com um leve sorriso de aprovação nos lábios, seu tom carregado de um orgulho paternal raramente expresso.

Gilbert, satisfeito com o elogio, desviou o olhar para Karoll, que se mantinha um pouco afastada, esperando sua vez de ser notada. Seus olhos a percorreram com carinho, e ele não pôde evitar um sorriso suave, repleto de afeto.

- Também estava com saudades de você, minha preciosa noiva... - disse ele, aproximando-se de Karoll com passos firmes, ignorando completamente a presença da imperatriz. Sua voz era grave, carregada de um calor inesperado. - Você está mais bela do que nunca.

Karoll sentiu o coração dar um salto dentro do peito. A voz dele, mais profunda e confiante, fazia sua garganta secar. Os anos de ausência pareciam se condensar naquele instante, tornando cada detalhe do rosto de Gilbert mais intenso. O sorriso, os olhos que a fitavam com um brilho de satisfação, a postura que exalava uma maturidade antes inexistente.

Ela tentou sorrir, mas o gesto surgiu hesitante, como se seu corpo ainda estivesse processando o impacto daquele reencontro. Seu olhar vacilou por um segundo, descendo para as mãos enluvadas dele, antes de voltar a encará-lo.

- Também estava preocupada com sua alteza... - sua voz saiu mais baixa do que pretendia, e ela precisou umedecer os lábios antes de continuar. - Mas agora vejo que não há motivo para preocupação. Você está... diferente. Mais maduro e encantador.

O elogio saiu sincero, porém carregado de um nervosismo que ela não soube esconder.

Os olhos de Gilbert brilharam ao ouvi-la, um sorriso satisfeito surgindo em seus lábios. Com um gesto cuidadoso, pegou a mão de Karoll, seus dedos firmes envolvendo os dela. Ela estremeceu levemente ao sentir o toque quente contra sua pele fria, uma corrente de tensão se espalhando por seu corpo.

Ele trouxe sua mão até os lábios, roçando-os suavemente contra seus dedos. O beijo foi reverente, mas íntimo. Karoll segurou a respiração por um momento, a sensação queimando em sua pele como um lembrete do que estava por vir.

- Bem, vamos entrar. - A voz de Gilbert soou acolhedora, quase envolvente. - Preciso descansar antes do banquete de comemoração. Você me acompanha, minha querida noiva?

A proposta pairou no ar, carregada de significado. Karoll abriu a boca para responder, mas hesitou. Um misto de ansiedade e incerteza a prendeu por um instante, e ela desviou o olhar, os dedos ainda entre os dele.

Antes que ela pudesse dizer algo, Gilbert virou-se para o pai, sua expressão suavizando, como se sua mente já vagasse por algo não resolvido.

- Pai... onde está Danyel? - perguntou Gilbert, em um tom de expectativa, o semblante assumindo uma seriedade repentina. Ele havia imaginado o reencontro com o irmão, mas até então não o vira entre os presentes.

O sorriso do imperador se desfez lentamente, dando lugar a uma expressão de decepção e frustração que parecia já habitual. Ele suspirou pesadamente antes de responder.

- Danyel... - começou ele, o nome saindo de seus lábios como se estivesse impregnado de cansaço. - Preferiu se entreter com meretrizes do que receber seu próprio irmão, depois de seis anos sem se verem. - O tom áspero e frio de sua voz deixou claro o desprezo que sentia pela conduta do filho mais novo.

Gilbert abaixou o olhar, desapontado, mas não surpreso. Ele sabia que Danyel sempre fora rebelde, indiferente às responsabilidades e sempre envolvido em escândalos. Ainda assim, uma parte dele esperava que a guerra e os anos distantes pudessem ter mudado o irmão.

Enquanto o silêncio caía pesadamente sobre o grupo, a imperatriz, Anna, moveu-se discretamente, sua expressão fechando-se em um gesto de reprovação. Ela lançou um olhar severo para o imperador, seu descontentamento claramente refletido em seus olhos verdes. Anna sempre tivera um coração mais compassivo para com Danyel, diferente de seu marido. Talvez porque via muito de si mesma no segundo príncipe - ambos renegados em suas maneiras, incompreendidos e distantes da perfeição que Gilbert representava.

Ela respirou fundo, mas manteve-se em silêncio, embora sua postura rígida demonstrasse seu desagrado pela forma como o imperador falava de Danyel. Para ela, Danyel precisava de compreensão, de um olhar mais cuidadoso, como ela sempre lhe dera. E esse contraste entre ela e o marido só aumentava a distância que havia entre os dois.

Gilbert percebeu o desconforto no ar, e tentou mudar o clima, inclinando-se levemente para frente.

- Eu... entendo. Talvez eu possa falar com ele mais tarde.

O imperador apenas bufou em resposta, claramente desgostoso com a ideia de qualquer esforço em tentar trazer Danyel de volta ao redil.

- Façam como quiserem. - falou, antes de se virar e dar as costas para o grupo. - Vamos nos preparar para o banquete. Hoje é dia de celebrar a vitória.

A imperatriz permaneceu alguns segundos a mais, ainda com a expressão endurecida, antes de seguir o marido com um suspiro, seus passos suaves e graciosos, mas carregados de emoções que ela nunca demonstrava publicamente.

Gilbert lançou um último olhar para Karoll, como se buscasse um breve consolo na presença dela, e então gesticulou para que a acompanhasse para dentro.

- Vamos, minha lady... ainda temos muito a discutir antes do banquete.

Com um gesto gracioso, ela aceitou o convite, entrelaçando sua mão na dele e sentindo a calidez reconfortante de seu toque. Juntos, começaram a caminhar em direção ao imponente castelo.

À medida que avançavam, o ambiente ao redor deles começou a mudar. O pátio, onde há poucos instantes a agitação dos cavaleiros e nobres era intensa, agora começava a se acalmar.

O som de vozes animadas e risadas alegres lentamente se distanciava, deixando para trás apenas o eco suave da celebração.

Ao passarem pelas pesadas portas de madeira, Karoll sentiu uma mudança no ambiente. A grandiosidade do castelo os envolveu, com seus longos corredores ornamentados e ricos tapetes que abafavam os passos. O príncipe a guiou com uma elegância natural, seus olhos escaneando o caminho à frente, enquanto Karoll acompanhava, atenta ao ambiente que parecia ao mesmo tempo familiar e opressor.

Eles avançaram pelos corredores até chegarem à porta do quarto dela, onde se hospedava. Com um gesto gentil, Gilbert abriu a porta e a conduziu para dentro. O clique sutil da porta se fechando atrás deles ecoou no silêncio do aposento, um som quase imperceptível, mas carregado de significado. O quarto estava iluminado apenas pela luz suave do dia, que filtrava pelas cortinas, lançando sombras longas e delicadas nas paredes.

Karoll sentiu um desconforto crescente ao se ver sozinha com o príncipe naquele espaço íntimo. A atmosfera, antes acolhedora, agora parecia carregada de tensão.

Embora soubesse que Gilbert não tinha más intenções, a consciência dos possíveis comentários maldosos que poderiam surgir da presença dele em seu aposento a deixava inquieta. Ela respirou fundo, tentando afastar os pensamentos preocupantes, enquanto seus olhos encontravam os dele, buscando um sinal de que ele compreendia a delicadeza da situação.

- Está entregue, minha lady - o jovem anunciou, um sorriso malicioso se formando em seus lábios enquanto seus olhos azuis brilhavam com uma diversão travessa. Ele observava atentamente cada reação de Karoll, saboreando o constrangimento dela.

Karoll desviou o olhar, seus cachos caindo sobre o rosto enquanto ela tentava controlar a ansiedade.

- Você realmente não precisava vir até o meu quarto, vossa alteza. As pessoas poderão falar coisas inapropriadas... - murmurou, sua voz quase um sussurro, enquanto seus dedos nervosos apertavam seu vestido.

Gilbert deu um passo à frente, fechando a distância entre eles. Ele inclinou a cabeça, seu sorriso alargando-se.

- Que tipo de coisas? - indagou, com um brilho travesso nos olhos. Ele adorava provocá-la, gostava de ver como ela reagia às suas insinuações. - Você deveria me explicar mais detalhadamente o que um jovem e uma jovem poderiam fazer de inapropriado em uma sala de quatro paredes, sozinhos...

Karoll sentiu o calor subir ao rosto, seus olhos ainda evitando os de Gilbert. Ela pressionou as mãos contra o peito, tentando acalmar o coração acelerado.

- Vossa alteza, está me deixando envergonhada... - murmurou, os olhos baixos em constrangimento. - ...Você sabe que tipo de coisas... Um cavalheiro dentro de um quarto com uma dama e ambos não são casados...

Gilbert deu uma risada baixa, sua voz carregada de insinuação.

- Não somos casados, mas adoraria fazer esses tipos de coisas com a minha noiva - respondeu, com um sorriso travesso. Ele deu mais um passo à frente, tão próximo agora que Karoll podia sentir a respiração dele em seu rosto. Gilbert inclinou-se e depositou um beijo suave em sua bochecha, quase tocando seus lábios, antes de se afastar com um sorriso satisfeito.

Karoll ficou parada por um momento, atordoada pelo encontro. Sua mente girava, tentando processar o que havia acontecido ali. Gilbert saía do quarto com uma expressão de triunfo, deixando a jovem Sentiny com uma mistura de emoções.

Depois que ele se foi, a garota sentou-se na beirada da cama, suas mãos tremendo ligeiramente enquanto passava os dedos pelo rosto.

- Pelo amor de todos os deuses, que situação é essa? Desde quando o príncipe se tornou tão intrometido? - murmurou para si mesma, ainda sentindo a marca quente do beijo em sua bochecha. - Bem, pelo menos não é mais aquele menino que chorava por qualquer coisa. Fico feliz que ele tenha evoluído...

Enquanto Karoll tentava processar o encontro, uma batida na porta a tirou de seus pensamentos. Ela ergueu a cabeça, tentando recompor-se.

- Quem é? - perguntou, sua voz ainda um pouco vacilante.

- Lorde Gustav deseja encontrar-se com você no lago Twilight, daqui a uma hora. Apenas a senhorita, sem mais ninguém - a voz de um criado veio através da porta.

Karoll franziu o cenho, surpresa com o pedido repentino de Gustav.

- Gustav quer me encontrar em segredo? - murmurou para si mesma, levantando-se com determinação.

Ela chamou sua empregada de confiança, ordenando que preparasse um cavalo e garantisse que ninguém mais se aproximasse do quarto. Enquanto se arrumava, seu coração batia rápido, uma mistura de inquietação e curiosidade a dominando.

Havia algo no pedido de Gustav que a deixava intrigada, mas ela estava determinada a descobrir o que era.

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