O som seco do vidro quebrando cortou o silêncio. O porta-retrato caíra no chão, estilhaçando-se, e a foto de Nicole e Vicente agora estava partida ao meio. Nicole cambaleou para trás com a força do golpe, seu corpo atingindo a pequena mesa de madeira da sala. Ela tentou se recompor, mas antes que pudesse reagir, outro tapa feroz a lançou ao chão. Vicente, com os olhos em chamas de fúria, a puxou pelos cabelos, forçando-a a encará-lo.
— Me explica agora mesmo que história é essa?! — ele berrou, sua voz reverberando pelas paredes.
Nicole tremia, mas reuniu forças para responder.
— Alguns meses antes de você sair da prisão... eu parei de tomar as pílulas. Na nossa última visita íntima, eu engravidei.
Vicente começou a andar de um lado para o outro, como uma fera enjaulada. Ele passou as mãos pelo rosto, bufando de raiva.
— Isso não pode estar acontecendo! Eu não quero ser pai!
Nicole respirou fundo, tentando manter a calma diante da tempestade.
— Eu sinto muito, Vicente. Foi um descuido... mas aconteceu. Eu engravidei.
Vicente parou abruptamente e cravou o olhar nela, cheio de desconfiança.
— Tá na cara que esse filho não é meu!
A acusação cortou Nicole como uma lâmina. Mas, em vez de recuar, ela se ergueu do chão, sua postura agora firme.
— A única pessoa com quem eu me deitei foi você. Mesmo preso, você sabe que foi o único. Esse filho é seu, sim!
Em seguida, Vicente se aproximou, sua respiração pesada.
— Onde tá esse moleque?
Nicole manteve o olhar firme.
— Em um lugar seguro. Longe de você.
Os lábios de Vicente se curvaram em um sorriso cruel.
— Se eu descobrir onde ele está… vai virar um anjinho do Senhor.
O coração de Nicole disparou, mas ela não demonstrou medo. Apenas observou Vicente se afastar, saindo da casa como uma sombra perigosa. Assim que a porta se fechou, suas forças desmoronaram. Ela caiu de joelhos, as lágrimas finalmente rompendo a barreira de sua resistência. Ela sabia que, dali em diante, precisaria lutar com todas as suas forças para proteger seu filho do homem que, um dia, ela havia amado.
O sol da manhã penetrava pelas cortinas do flat de Pedro e Isaacs, iluminando suavemente o ambiente. No quarto, Pedro balançava o bebê com ternura, cantarolando uma melodia baixa enquanto o pequeno se aconchegava em seus braços. A porta rangeu quando Isaacs entrou, seus olhos imediatamente pousando sobre a cena.
— Ei, o bebê já dormiu? — perguntou, a voz carregada de curiosidade e algo mais… uma hesitação.
Pedro sorriu de leve, colocando o bebê na cama com cuidado.
— Sim. Acabou de tomar uma mamadeira inteira. Está tranquilo.
Mas Isaacs não sorriu de volta. Deu alguns passos hesitantes e puxou um envelope dobrado do bolso.
— Eu fui comprar mais coisas para ele… e encontrei isso no carro. Uma carta.
Pedro franziu a testa.
— Que carta?
Isaacs respirou fundo antes de responder:
— A mãe dele escreveu. Ela diz que está passando por momentos difíceis… e que, em breve, quer o filho de volta.
O silêncio pesou no ambiente. Pedro olhou para o bebê, sentindo o ar esquentar ao seu redor.
— Então ela quer Pierre de volta… — murmurou, quase para si mesmo.
Isaacs piscou, confuso.
— Quem é Pierre?
Pedro virou-se para ele, um pequeno sorriso nos lábios.
— O bebê. Agora ele se chama Pierre.
A incredulidade tomou conta do rosto de Isaacs.
— Pelo amor de Deus, Pedro! Não dá nome a essa criança! Esse bebê não é nosso!
A voz dele soou mais alta do que pretendia. Pedro desviou o olhar, como se a frase tivesse lhe acertado em cheio. Isaacs avançou um passo e estendeu a carta.
— Toma. Eu quero que você leia. Veja com seus próprios olhos.
Pedro hesitou antes de pegar o papel. Seus dedos tremiam levemente enquanto desfazia a dobra. Seu coração martelava no peito. A verdade estava ali, nas palavras rabiscadas naquele pedaço de papel. E, naquele momento, ele soube: nada jamais voltaria a ser como antes.
A manhã ensolarada iluminava a Mansão Linhares, situada em um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro. O aroma do café fresco pairava no ar, mas a atmosfera na mesa de café da manhã estava longe de ser tranquila. Vitória observava o marido, Tomás, sentado ao seu lado. Havia algo em seu olhar cansado que a incomodava — uma distância que ela não conseguia ignorar.
— Querido, tenho sentido sua falta na cama... — Vitória disse, tentando esconder a frustração sob um tom doce. — Por que você não está mais dormindo em casa?
Tomás pousou a xícara de café sobre o pires, soltando um suspiro pesado.
— Os imprevistos na fábrica não param. Quando surge um problema, preciso ficar até tarde resolvendo.
Vitória arqueou uma sobrancelha, claramente insatisfeita com a resposta.
— Toda vez acontece um imprevisto? Tomás, você tem que parar de dormir na fábrica e começar a dormir na sua casa.
Ele esfregou a têmpora, sentindo a pressão crescer.
— Você sabe como é a Dona Tereza. Fiz um acordo financeiro com ela e preciso cumprir o que prometi.
Vitória cruzou os braços, refletindo sobre as palavras do marido. Mas antes que pudesse continuar a discussão, a voz animada de João Victor quebrou o clima tenso.
— Bom dia, mãe. Bom dia, pai.
Vitória imediatamente se levantou, indo ao encontro do filho. Seu rosto se iluminou com um sorriso genuíno ao abraçá-lo.
— Meu filho! Que surpresa boa. Como foi seu aniversário?
João Victor hesitou por um instante antes de responder, seu olhar fugindo do da mãe.
— Foi bom... mas resolvi voltar pra casa mais cedo este ano.
Tomás, que levava a xícara de café aos lábios, parou no meio do movimento. Arquear as sobrancelhas foi automático.
— João Victor voltando pra casa cedo? — Ele pousou a xícara devagar sobre a mesa. — O que houve? Não vai querer passar as duas semanas na Califórnia, não?
João Victor forçou um sorriso.
— Eu só senti saudade de casa, pai. Deixei um amigo no chalé e voltei antes.
Vitória, feliz pela volta do filho, ignorou qualquer sinal de estranheza e segurou sua mão.
— Que bom que voltou. Estava com saudades.
— Eu também, mãe — disse ele, sorrindo antes de se afastar para o quarto.
Vitória o seguiu, querendo aproveitar a presença do filho. Tomás, por outro lado, ficou para trás, observando a cena com um olhar cético. Coçou a cabeça, murmurando para si mesmo antes de dar outro gole no café.
— Está na cara que ele aprontou mais uma...
E ali, entre a fumaça quente do café e os raios de sol entrando pelas janelas da mansão, pairava a certeza de que segredos estavam prestes a vir à tona.
O sol da manhã iluminava a tranquila cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, enquanto a Casa da Joana, em Cerro Corá, despertava com a movimentação na cozinha. O cheiro do café fresco se misturava ao som das panelas, mas o clima no ambiente era diferente naquele dia. Joana, com a expressão carregada de preocupação, arrumava a mesa quando Miguel e Marina entraram. O semblante cansado dos irmãos denunciava a noite difícil que haviam passado.
— Finalmente acordaram... — Joana quebrou o silêncio, pousando uma xícara sobre a mesa. — Sei que ontem foi um dia difícil para todos nós, mas preciso conversar com vocês sobre algo importante.
Miguel e Marina se entreolharam, sentindo o peso nas palavras da mãe.
— O que foi, mãe? — Marina perguntou, cruzando os braços, apreensiva.
Joana respirou fundo antes de responder.
— A vó de vocês me pediu um favor. E espero que entendam... — Ela fez uma pausa, observando os filhos. — A sua mãe está muito doente, e quer que a gente vá morar com ela no Rio de Janeiro.
O silêncio preencheu o ambiente por um instante, até Miguel se manifestar abruptamente.
— Eu topo ir! Vamos embora agora mesmo!
— Miguel —, Marina o olhou, surpresa. — Você tem certeza? O velório da Júlia vai ser daqui a pouco...
Os olhos de Miguel se fecharam por um momento, como se tentasse afastar uma dor sufocante.
— Eu tenho certeza absoluta! Não quero ver a Júlia dentro de um caixão. A única lembrança que quero ter dela é viva!
— Meu filho —, Joana franziu a testa, hesitante. — Sair assim de casa tão rápido... não sei se é a melhor escolha.
Mas Marina percebeu que a decisão do irmão ia além do impulso.
— Mãe, acho que essa mudança vai ser boa, principalmente para o Miguel. Ele precisa de um tempo longe daqui.
Foi então que Tereza entrou na cozinha, seu olhar firme carregado de decisão.
— O que vocês estão esperando? Arrumem logo as malas. Quanto mais cedo sairmos, melhor.
Miguel e Marina se entreolharam, e sem mais questionamentos, saíram do cômodo para preparar suas coisas. Quando ficaram sozinhas, Tereza se aproximou de Joana, seu tom mais suave.
— E você? Está pronta para voltar para o Rio?
Joana abaixou a cabeça por um instante, sentindo o peso da pergunta. Então, ergueu o olhar, agora firme.
— Eu sabia que, cedo ou tarde, esse dia ia chegar. Agora, vou encarar os meus medos de frente.
Tereza assentiu, como se já soubesse dessa resposta. Elas trocaram um olhar significativo, conscientes de que aquele momento marcava o início de uma nova fase — cheia de desafios, mas também de oportunidades para recomeçar.
...(...)...
A cidade californiana amanhecia sob um céu pálido, pintando o hospital com uma aura fria e silenciosa. Na sala de espera, a tensão pairava no ar, interrompida apenas pelo som dos passos apressados dos profissionais de saúde. Erick, sentado em uma das cadeiras de plástico azul, tinha as mãos entrelaçadas e os olhos fixos no chão. Seu coração batia descompassado, alimentando uma esperança frágil diante da incerteza. O tempo parecia se arrastar, cada segundo uma tortura. Então, um médico se aproximou. Seu jaleco impecável e expressão compenetrada denunciavam a gravidade da situação.
— Você fala português? — perguntou ele, sua voz grave, mas cuidadosa.
Erick ergueu o olhar num sobressalto, seu corpo enrijecendo.
— Sim, falo. O que aconteceu? — Sua voz carregava o peso do medo.
O médico respirou fundo, medindo as palavras antes de soltá-las.
— A equipe médica fez tudo que pôde... Mas sua esposa já chegou sem vida ao hospital.
O mundo de Erick desabou.
— Não... não... não pode ser! — balbuciou, sua voz vacilante, até que um grito de dor rasgou a sala.
Ele se levantou bruscamente, como se quisesse correr, fugir daquela realidade insuportável. Mas suas pernas fraquejaram, e ele caiu de joelhos, o peito arfando, os olhos ardendo com lágrimas quentes.
O médico, compreensivo, tentou se aproximar.
— Eu sinto muito...
Mas Erick mal ouviu. Seu corpo tremia. Seu peito doía como se tivesse sido partido ao meio. Ele apoiou as mãos no chão frio do hospital e, sem forças para se conter, deixou-se afundar no pranto. Aquele chão testemunhava sua dor. A dor de quem viu seus sonhos se despedaçarem, sua família ruir, seu coração ser esmagado pela perda irreparável de sua amada esposa.
A floresta californiana se estendia ao redor de Eloy como um santuário silencioso. O sol filtrava-se entre as árvores altas, lançando sombras inquietantes no asfalto deserto. O ronco de um motor quebrou o silêncio. Um carro negro parou ao seu lado, e Analú desceu com passos hesitantes. Seu olhar percorria o ambiente com desconfiança.
— Por que me chamou aqui no meio do nada? — perguntou, cruzando os braços.
Eloy sorriu, um sorriso sem pressa, sem presságio.
— Porque este lugar é perfeito! — disse ele, a voz carregada de um significado oculto.
Analú sentiu um arrepio. Algo estava errado.
— O que você quer, Eloy? — sua voz endureceu.
Ele não respondeu de imediato. Apenas estendeu a mão.
— Você trouxe o que eu pedi?
Analú hesitou, mas assentiu.
— Trouxe. O galão de gasolina está no porta-malas... Agora me devolve a chave do meu carro.
O sorriso de Eloy alargou-se, mas seus olhos permaneceram frios.
— Não!
Antes que Analú reagisse, ele se virou, abriu o porta-malas e puxou o galão. Sem hesitar, começou a despejar o líquido inflamável sobre o veículo.
— O que está fazendo?! — gritou ela, alarmada.
Eloy não respondeu. Sacou um isqueiro e, com um estalo seco, lançou a chama sobre a lataria ensopada. O fogo explodiu com violência, engolindo o carro em segundos.
— Não! Meu carro! — Analú avançou, mas o calor intenso a fez recuar.
Eloy apenas observava as chamas dançantes.
— O carro era uma prova do crime. Agora, não é mais.
Analú olhou para ele, pálida.
— Você é louco! Não precisava fazer isso!
Eloy virou-se para ela, a expressão agora sombria.
— Precisava, sim. E agora você vai sumir.
Antes que Analú pudesse correr, ele agarrou seu braço com força.
— Você vai voltar para o Brasil. Agora!
Ela tentou protestar, mas a mão de Eloy abafou seu grito. Num movimento rápido, ele a empurrou para dentro de seu carro. A fumaça subia atrás deles quando Eloy arrancou na estrada deserta, deixando para trás apenas cinzas e um silêncio sombrio que a floresta jamais esqueceria.
...(...)...
O quarto de Vitória, na imponente Mansão Linhares, sempre fora um refúgio. Mas, naquele dia, tornava-se palco de algo muito maior. Ao entrar, Vitória parou ao ver Stella sentada na beira da cama, tranquila, como se já esperasse por ela. Seus olhos se estreitaram.
— Não é nenhuma surpresa ver você aqui... diga logo o que quer! — disparou, a voz cortante.
Stella cruzou as pernas, um leve sorriso brincando nos lábios.
— Até o momento? Nada. Mas tem alguém que quer falar com você.
Vitória franziu a testa, prestes a perguntar, quando a porta se abriu abruptamente. Seu coração deu um salto. "Vicente." A presença dele no quarto roubou-lhe o ar. Seu grito ecoou pelos corredores da mansão, mas ninguém veio. O choque estava estampado em seus olhos, uma tempestade de lembranças e medos rodopiando dentro dela. Vicente caminhou lentamente até ela, o olhar fixo, sério, carregado de intenções não ditas.
— Vitória — sua voz era firme, inabalável —, precisamos conversar.
Vitória deu um passo para trás, o peito subindo e descendo rapidamente. Stella observava em silêncio, os olhos atentos ao embate prestes a acontecer. O quarto já não era um refúgio. Tornara-se um campo de batalha, onde o passado e o presente colidiam. E Vitória sabia: nada seria como antes depois daquela conversa.
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Atualizado até capítulo 27
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