Atreus Drumber

O movimento do café hoje estava bem fraco. Estava cuidando do balcão, enquanto Vanessa decorava os bolos de vitrine junto com o padeiro - esqueci de mencionar que aqui também trabalha um padeiro.

Ouço a porta abrir. Arrumo minha postura e largo o celular que estava em uma partida de paciência. Olho, é um rapaz, muito bonito. Seus cabelos eram tão cacheados quanto os meus, sua pele escura, muito bonito.

- Bom dia. - Diz ele, ao me cumprimentar, de maneira muito bem educada.

- Bom dia, qual o seu pedido?

- Eu queria conversar com a Vanessa. Ela está?

Uou. Um cara perguntando pela Nessa? Espero um pouco antes de chamar. Tentei ao máximo ver se já o conhecia. Mas nenhum rosto igual veio a minha mente.

- Nessa! Chamando!

Ela veio andando pela porta da cozinha. Seu rosto cora em susto e vergonha ao ver o rapaz. As bochechas sujas de glacê branco.

- Alek ...

Alek? Ele é o Alek? Meu Odin, Vanessa, você teve a sorte grande.

- Eu vim porque fiquei preocupado com você. Podemos conversar?

Vanessa olha para mim, em um olhar de " Posso te deixar sozinha? " Afirmo com a cabeça. O café já estava sem movimento, daria conta se aparecesse alguém. Eles foram conversar no armazém. Se Vanessa tivesse a mesma mente que eu, teria batizado os armários. Ainda bem que ela é inocente.

Voltei a minha partida de paciência quando a porta abre outra vez. Que inferno. Nunca vão me deixar concluir esse jogo? Era um homem, ele se aproxima do balcão e me cumprimenta.

- Bom dia.

- Bom dia... Darwin? - Respondo olhando para ele.

Me assustei. Aquele homem era muito parecido ao Darwin! Ou não totalmente, já que seus cabelos eram negros e compridos, seu olho também eram pretos e usava óculos. Mas na hora deixava parecer. Ponho as mãos cobrindo a boca depois de exclamar o nome.

- Ham.. Desculpa, acho que está me confundindo com alguém. - Ele responde, um pouco relutante e desconfiado.

- S-sinto muito. Qual...o seu pedido? - Tentei parar de encarar antes que eu falasse mais alguma merda.

- Acho que um Mocha.

- Certo. Eh...qual o seu nome para anotar aqui no copo?

- Atreus.

Tentei agir normalmente após ouvir esse nome. Não que eu achasse engraçado, mas, esse era o nome do gato de estimação que Darwin tinha. E eu adorava esse nome.

- É para levar?

- Quero beber aqui mesmo. Uma fatia de bolo também. Chocolate.

- Levarei já a sua mesa.

Isso me mata. Por que agora vejo ele em todos os cantos? Depois de tantos anos! O homem termina seu Mocha e paga. Eu não conseguia parar de olhar para ele. Percebeu que eu o encarava e deu um pequeno sorriso, quando pagou, suas dedos tocaram minha mão. Levemente. Ele vai embora e sinto um peso saindo de mim. Não muito tempo depois. Vanessa sai do armazém com o Alek. Pareceu estarem resolvidos.

- O que foi Katarina?

- Como assim o que foi?

- Sei lá, tá parecendo que te atropelaram ou te pisotearam.

A única coisa que me atropelou foi a minha vergonha.

- Eu já vou indo. Até mais. - Diz Alek.

- Até. - Respondeu Vanessa.

Eles dão um leve beijo e se despedem. Pareceu um casal de dorama muito fofo e romântico. Um tipo de romance que sei que nunca vou ter. Tenho um mal histórico com o amor.

- O que conversaram?

- Muita coisa. Ele veio falar sobre a nossa noite, aquele dia.

- Isso já faz quatro dias. Por que veio falar disso agora?

- Eu estava fugindo dele. De tanta vergonha. Ele conversou comigo e disse que estava tudo bem. E que se eu tivesse conversado com ele teríamos resolvido tudo. Ele estava preocupado.

- É tão romântico que dá enjôo.

- Para de estragar as coisas!

- Não tô estragando nada. Mas, quando ele vai te pedir em namoro?

- Esse final de semana ele vai lá em casa. Pedir para o meu pai.

- Você achou um namorado brega igualzinho a você.

- Isso é cavalheirismo. Ele e um bom rapaz.

- Na segunda você me conta como foi então.

Terminamos nosso turno e eu fui direto para casa. No caminho, vi um galpão para alugar. Salvei o telefone para contato e ver quanto ficaria. Já queria procurar onde seria a minha escola de artes marciais. Tinha ideias mirabolantes na minha cabeça, mas ainda não queria contar a ninguém. Tinha uma grande sacola na porta do meu apartamento. Um bilhete:

" Coma bem "

Minha mãe e meu pai. Eram tão fofos. Comida suficiente para uma duas semanas - do jeito que eu ando estressada até menos que isso -. Tomei um banho quente que fez cada parte do meu corpo se descolar aos poucos. Não queria sair daquele chuveiro. Mas lembrei que quem paga a conta de água sou eu.

Já estava de frente ao meu computador. Com um pratinho de pães de queijo que a mamãe mandou para mim. Iria procurar algum vídeo no Youtube para assistir, quando vi a pasta do meu diário. Mordi meu lábio. Clico ou não? Respirei fundo e cliquei. Vou ler apenas um e depois deletar isso!

Diário

Oi diário. Eu ganhei meu quarto campeonato de Taekwondo. Ultimamente estou tendo mais sorte nele no que o karatê. Meus últimos prêmios foram prata ou bronze. E no box, um colega meu bateu em mim na maldade. Na malícia. Fingiu que era na esportiva. Me irritei e o derrubei em um soco. Resultado? Tô de castigo, sem box por uma semana. Isso atrasa meu cronograma de torneios, mas não me arrependo.

Se lembra do Darwin? O meu novo vizinho? Por alguma ironia, a janela do seu quarto e de frente a minha janela. Então podemos nos ver por ela. Já tem duas ou três semanas que ele mora aqui, e estamos próximos.

Ontem a professora pediu um trabalho em grupo. Era de biologia. Tínhamos que plantar feijões em diferentes ambientes e situações para ver como ele se adaptaria. Bem divertido. A professora separou as duplas, então a Vanessa ficou com outra menina, e eu com o Darwin. Não foi de tão ruim. Ele me convidou para ir na sua casa hoje e ver como montaremos. Fiquei um pouco nervosa.

A casa era muito bem decorada e chique. O pai dele é arquiteto e sua mãe trabalha com imóveis. E por algum motivo se mudam com frequência. Vi um quadro, ele, seus pais e mais duas pessoas.

- São meus irmãos. Marie é a mais velha, já é uma advogada. E esse é o Nikola, ele está na faculdade de engenharia.

- Marie e Nikola? Isso foi de propósito?

- Sim. Meus pais acharam que seria muito legal se seus filhos tivesse nomes de figuras importantes. Marie Curie, uma grande física; Nikola Tesla, grande inventor e por fim Charles Darwin, um grande naturalista, geólogo e biólogo.

- E eu reclamava do meu nome.

- Nunca parei para reparar. Como ele é?

- Katarina Vanklaus. São nomes nórdicos. Katarina significa pura. Eu só tenho o nome da minha mãe, meu pai nunca foi registrado. E o seu?

- Darwin Cliford. Já sabe o porquê.

- Sr. Cliford.

- Sra. Vanklaus.

Rimos dos nossos sobrenomes. Foi tranquilo iniciar o trabalho, e também foi estranho. Talvez por que sempre estivesse acostumada com a casa da Nessa. E também por que a casa estava vazia. Seus pais não estavam lá, nem seus irmãos, apenas uma mulher apareceu para fazer as tarefas domésticas mas logo se foi. Nunca tinha me sentindo tão confortável assim. O jeito do Darwin me acalma, talvez por ele ser bem quieto em comparação a mim.

Na hora de ir embora, meu peito apertou um pouco. Queria passar um tempo mais com ele. Gostava de tê-lo como um novo amigo. Pensei em convidá-lo algum dia para ir lá em casa. Até que eu vi sua mãe chegar, e como ela me olhou. Não gostei daquele olhar, nem um pouco.

Será que ela é uma boa mãe para o Darwin? Ele agiu de forma estranha quando ela chegou, estranha de tipo medo. Aquilo não parecia normal. Sei que algo estranho aconteceu a noite. Ouvir gritos da sua casa, sua mãe falava coisas horríveis em voz alta. Olhei pela janela do meu quarto, apenas por curiosidade. A luz do seu quarto estava acesa, e a janela estava aberta. Acho que sua mãe estava brigando com ele. Pela janela, percebi que sua mãe tinha saído do quarto. Estava preocupada, mas não sabia o que fazer.

Escrevi um bilhete em uma folha de papel e a dobrei para formar um avião. Ele entrou certinho na janela. Era um bilhete simples, escritório um " Você está bem? " Minha resposta foi o seu polegar subindo até a janela, fazendo um sinal de jóia. Não acreditei plenamente, mas amanhã converso com ele. Agora vou dormir.

...

Eu amo pensar no Darwin. Amo lembrar como nós conhecemos e como eu o amava. E estranho falar sobre estar apaixonado quando se era adolescente. Por mais que eu o amasse, odiei quando ele foi embora sem se despedir de mim Sendo essa a fase que vamos criando cicatriz sobre a paixão. A ferida que Darwin me deixou foram as mais doces e também mais tristes. Lembrar dele sempre me passa aquela música do Baco no Exu Blues:

" Relações ruins são bem mais fáceis de esquecer, sei que vai doer, já que foi tão bom. "

Quanta melancólica. Não posso culpar nada ou ninguém além de mim mesmo por insistir em abrir esse diário. A nossa história não tinha sido posta um ponto por nós mesmo. Aquele adeus não dito era o que deixará o buraco do meu peito aberto todos esses anos.

Olho para o lado direito da mesa. Abro o celular para ver se tem mensagens ou alguma coisa de interessante. O celular vibra, um novo seguidor no Instagram, Atreus Drumber. Fiquei curiosa. Apertei no perfil e era o mesmo homem que vi hoje. Apenas a foto de perfil mostrava seu rosto, o resto eram apenas seis fotos de paisagens. Como ele lembrou meu nome? Ah, meu crachá. Merda.

Penso um pouco nas palavras da Vanessa. Viver minha vida. Não que eu não tenha feito isso nos últimos anos. Mais ou menos. Confesso que vivi meio largada sem saber o próximo passo dar a vida adulta. Ele apenas me seguiu, poderia ser coincidência. O segui de volta. Acho que nada aconteceria. Nunca me vi como uma mulher tão atraente por conta dos meus gostos, minha personalidade e meus músculos serem bem desenvolvidos. Até minhas redes sociais só se baseava em fotos de torneios, em festas, flamengo ganhando e frases idiotas. Por mais que eu sempre fosse elogiada e todas as formas humanamente possíveis. Desliguei o computador e deitei na cama. Logo iria adormecer. Fico inquieta e procuro na gaveta. Uma pulseira de cordas brancas e um coração azul. O acariciou e o beijo, meigamente. Encolho no colchão abraçando ele contra o meu peito. Então adormeci, tão rápido quanto imaginei.

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