Juntos Por Um (A)Caso

Juntos Por Um (A)Caso

Sem papas na língua

A chuva está muito forte. Pessoas desprovidas de guarda-chuvas correm apressadamente por todo o lado, estão agoniadas, procurando por abrigos temporários.

O meu guarda-chuva está sendo dominado pelo vento enfurecido, e logo percebo que não demorará muito até que o mesmo seja quebrado ou carregado pelo vento. Recorro a uma pequena cobertura na frente de uma loja de produtos naturais.

Subo a escadinha rapidamente e fecho o meu guarda-chuva.

— Que falta de sorte! — Ouço um homem aparentemente muito jovem dizer, após sair da loja.

Eu olho-o atentamente e esboço um sorriso tímido quando ele me olha de volta. Ele é muito alto, o corpo esguio é musculoso, mas não de forma exagerada. Os braços têm veias saltadas e uma pequena tatuagem de pássaro descansa plenamente no seu punho esquerdo. O seu estilo é um tanto sofisticado e sombrio; os dedos estão enfeitados com anéis prateados; as roupas, uma combinação perfeita de camisa gola-alta, sobreposição cor creme — a qual desce até o meio das pernas — de couro sintético, calça preta e coturno de cano alto, também preto. Ele parece ter saído de uma revista onde os homens posam ousadamente, vestindo roupas escandalosamente carregadas de estilo. A verdade é que esse jovem não combina com o ambiente da minha cidadezinha alegre e colorida; e, com toda certeza, ele é um destaque sombrio entre essas pessoas.

O homem não vai embora, fica parado a certa distância de mim, esperando a chuva passar. E isso é bom, porque eu posso avaliar o seu rosto. Eu gosto de avaliar as pessoas e ele é o tipo que te deixa curioso, sem conseguir desviar os olhos.

O seu rosto é belo, parece um sonho. Sua pele é clara e as bochechas estão levemente ruborizadas, devido ao frio, imagino. Sua beleza é intensa e, ao mesmo tempo, moderada. Ele não tem barba, mas isso não o deixa com o rosto infantil. Os cabelos são negros feito um corvo, um topete já crescido forma sua cabeleira lisa e brilhosa. Uma franja o incomoda muito, pois o mesmo a tira do rosto, incansáveis vezes.

Dispersa em meus pensamentos, ainda estou encarando o homem, porque ele tem um jeito que te prende, te deixa hipnotizada - ou eu que sou muito curiosa. Desvio o olhar quando ele me encara de volta, uma sobrancelha erguida e os lábios — rosados e moderadamente carnudos — crispados.

Sinto uma rajada de vento agredir meu corpo lentamente, cruzo os braços, numa tentativa falha de me aquecer.

— Frio aterrorizante, não? — O homem pergunta, me olhando de relance. Sua voz é calma e, ao mesmo tempo, carregada de frieza.

— Eu não diria "aterrorizante" — Asseguro distraída, enquanto observo atentamente uma goteira que nos separa.— Demasiado, para ser mais exata.  — Complemento, e nossos olhares se encontram novamente. Seus olhos verde-água parecem enxergar a minha alma de forma profunda e intimidante.

— Pensei que o odiasse — Ele comenta, o tom um tanto desdenhoso.

— Odiar o vento? Nunca! Eu não odeio nada que provém da natureza, muito menos as pessoas. O ódio é uma palavra que carrega um significado aterrorizante, não acha? Causa-me arrepios só de pensar... Veja, estou arrepiada! — Aponto para o meu braço direito e o homem me olha com ar de desentendimento.

— Só está com frio, garota. — Diz com incredulidade. Examina-me cautelosamente e depois sorri de canto. 

— Estou pagando pelos meus erros, afinal — Dou de ombros, esboçando um sorriso torto e melancólico.

— É mesmo? — Indaga com certo desdém.

— Sim. Minha mãe bem que me avisou, sabe... Eu não a ouvi e optei em vestir este macacão curto e essa blusa de mangas curtas. “Parece que vai chover, Tris. Melhor levar o guarda-chuva e um casaco”, foi o que ela gritou quando saí de casa. Você pensa que diferiria se eu tivesse obedecido a minha mãe? — Pergunto, animada demais.

Ele me examina surpreso, depois dá de ombros.

— Eu penso que choveria de qualquer jeito, você pegando o seu casaco ou não. Não acredito que uma ação sua poderia, sei lá... mudar algo no dia dessas pessoas. É isso o que é. — Argumenta, sendo totalmente descrente.

— Que amargo pensar assim! Não soou nada romântico. — Falo pensativa. Como alguém pode ser tão desprovido de escopo para a imaginação?

— Minha intenção foi ser apenas sensato. Não vejo nada de errado com isso, certo?

— Errado! — Exclamo, horrorizada com sua frieza e falta de imaginação.

— Como é? — Pergunta surpreso.

— Você não tem escopo para a imaginação e isso é terrível.

— Não tenho tempo para imaginar, vivo apenas no presente e a realidade apenas importa. — O homem confabula, com elegância e formalidade entediantes.

— “Viver apenas na realidade torna a vida um pouco entediante”, certa vez me disseram, há alguns anos. “Dê uma oportunidade para a imaginação, Tris, será mais feliz...” — Declaro, sendo tomada pela nostalgia ao lembrar do meu amigo enfermeiro, que provia de sábias palavras.

— Estou totalmente feliz com a vida que tenho. Não preciso ficar imaginando disparates. — Sua voz soa extremamente rude, me faz estremecer e logo em seguida encolher os ombros. Vendo a minha reação, ele pergunta, após pigarrear: — Seu nome é Tris?

— Beatrice, na verdade. Meus amigos me chamam de Tris. — Explico, esboçando um sorriso exagerado. 

Ele me olha, o semblante sério.

— Seus amigos são iguais a você, eu suponho — Me avalia cuidadosamente dos pés à cabeça.

— “Iguais” como?

— Prolixos, como você.  Tagarelas, sabe. — Conspira, me olhando como se eu fosse uma pessoa patética.

Não me sinto atingida com seu comentário de mau gosto, então esboço um sorriso largo e digo:

— A Allie, minha melhor amiga. Ela tem a língua desenfreada tanto quanto eu.

— Posso imaginar — Insinua com um sorriso travesso.

A chuva aumenta e o frio também. Encolho o meu corpo, tentando me aquecer e falhando drasticamente, novamente. O que eu fiz para merecer tanto frio assim? Se a chuva não parar antes de escurecer, tenho certeza que virarei um cubinho de gelo!

— Você não é muito de falar... — Comento, quebrando o "silêncio" entre nós.

— Falo muito apenas quando é necessário — Responde, tranquilo, mas não deixando de ser seco.

— Qual é o seu nome? Quantos anos tem? — Interrogo, interessada.

— Christian, e tenho vinte anos.— Me olha e crispa os lábios. — Por que está me perguntando? — Ele ri com deboche. — Não me diga que realmente está interessada em saber sobre alguém que acabou de conhecer...

— Para que seja necessário que você fale. Não vai me custar nada fazer perguntas sobre você. — Dou de ombros e sorrio timidamente.

Ele me olha com certa surpresa e crispa os lábios, em seguida umedece-os.

— Por quê?

— O tempo passa mais rápido quando conversamos, pelo menos é o que dizem. E sua voz é tranquila, apesar de ser grave e estar carregada de grosseria. Mas é muito bonita. Eu gosto de ouvir você falando. — Confesso, um pouco exultante.

Christian me olha impressionado. Pisca, ainda cético, até perguntar com seriedade, enquanto me olha profundamente:

— Estou sendo grosseiro com você?

— Bem, um pouco... — Confesso, o tom vacilante.

— Não foi a minha intenção. É o meu jeito se expressar. — Ele me direciona um olhar de desculpas e eu acho super fofo de sua parte, apesar de querer ouvi-lo pedindo desculpas.

— Presumi — Digo, sorrindo de canto. Prossigo: — Você parece ser uma pessoa bacana, Christian. Gostei de você.

Ele ergue uma sobrancelha e deixa escapar um riso breve e sarcástico.

— Você está me paquerando, criança?

— Tenho quase a sua idade, Christian. E não, não estou paquerando você. — Nego, olhando-o plenamente.

— Que seja — Christian resmunga, friamente.

O tempo passa e a chuva não. O céu está dando início a uma noite fria e chuvosa. 

Christian está impaciente, bate um pé no chão simultaneamente e a cada minuto, confisca a hora no celular.

— Essa chuva está me dando nos nervos. É uma verdadeira falta de sorte ter que encarar uma chuva incessante! — Christian reclama, todo irritado.

— Eu acho a chuva romântica. — Digo, sorrindo de forma exagerada e com ar pensativo. — A natureza em si, é provida de um romantismo sensacional. Fico totalmente maravilhada quando penso nessas coisas. Você não?

— Não. — Christian responde, secamente. — Você não consegue, sei lá... ficar com a boca fechada por mais que dois minutos? — Indaga, aborrecido e eu me encolho. — Não estou sendo grosseiro, só para deixar claro. — Acrescenta, calmo.

— Eu poderia iludir você, dizendo que sim, mas não farei isso. De forma alguma.

— Duvido que consiga conversar sozinha — Provoca, sorrindo de forma travessa.

— Você vai embora na chuva? — Pergunto, preocupada.

— Vou — Christian diz e se aproxima de mim tranquilamente. De forma audaciosa, põe o braço em meus ombros. — E com o seu guarda-chuva. 

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Comments

Nayra Reis

Nayra Reis

já amei esse capítulo e vou gostar bastante de ler❤️

2023-04-12

1

Nayra Reis

Nayra Reis

vi muito do meu ex nessa frase😂

2023-04-12

1

Graciete Barbosa Silva

Graciete Barbosa Silva

me parece bem interessante essa história

2023-03-07

1

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