Desentendimentos

Christian sai do prédio amarelo e azul-claro cerca de dez minutos depois, segurando uma caixa comprida como quem carrega uma criança. Ele caminha até mim, esboçando um sorriso de satisfação. A chuva está mais fraca e ele segue com o meu guarda-chuva, e eu com a capa transparente horrível.

— O que tem na caixa? — Pergunto curiosa.

— Uma bomba relógio. Melhor manter distância, pode estar armada. — Christian responde sério, então me encara, o olhar sombrio.

Mantenho distância, me afastando rapidamente, com certo medo dele. Eu poderia ter imaginado que Christian é o tipo de psicopata que anda por aí carregando bombas, não? Paro de segui-lo e ele percebe a minha ausência, porque dá meia volta e vem até mim, rindo com muito divertimento. Christian segura o meu braço e começa a andar, me arrastando consigo.

— Estou brincando, doçura — Ele fala, entre risadas roucas e baixas, e o rosto um pouco vermelho. Solta o meu braço. — Acha mesmo que eu andaria por aí carregando bombas? — Interroga com incredulidade, me dirigindo um olhar de frustração.

— Sim, eu acho. — Respondo, dando de ombros. — Não vou mentir, sei que estou errada em te julgar, mas você parece o tipo de pessoa que andaria por aí, carregando bombas. — Confesso, olhando-o com tamanha sinceridade.

Christian para de andar e me observa, bravo. Sustento seu olhar sério e frio até ele desviar e sorrir preguiçosamente.

— Se me acha perigoso, por qual motivo ainda está andando comigo?

— Você está com o meu guarda-chuva, esqueceu? — Sorrio. — E não te acho perigoso.

— Eu sou uma bomba, Beatrice, e não queira estar perto de mim quando eu explodir — Christian declara e seu tom soa ameaçador, assim, me causando arrepios.

— Nunca ouvi frase tão brega — Zombo, rindo. — pegou do Google, Christian? — Pergunto, ainda rindo.

Christian balança a cabeça, e esboça um sorriso repleto de divertimento. Seus olhos brilham quando ele me avalia, tira a franja do rosto e umedece os lábios. Logo em seguida, engole a saliva e o movimento que seu pomo-de-adão faz me deixa fascinada. Christian seria a definição de perfeição? Pisco, desviando o olhar.

— Você não tem senso de humor — Ele irrompe o silêncio entre nós.

— Tenho, Christian. — Falo, enquanto caminhamos lado a lado. — Senso de humor é o que mais tenho. Você, parece que não. — Falo brincando e ele me olha de esguelha, sorrindo com escárnio.

— Se continuar andando comigo, Beatrice... — Curva os lábios e dá uma risada baixa. — ficará amarga igual a mim, além de sem graça.

— Você não é amargo — Rebato, encarando-o profundamente. — E só estou com você por causa do meu guarda-chuva.

Desde o momento em que o conheci, não o achei em momento algum uma pessoa amarga, apenas... sensato demais e desprovido de escopo para a imaginação. Mas isso não é algo ruim, apenas sem graça, entretanto, é possível imaginar uma amizade saudável e aconchegante com Christian.

— Mas não deixo de ser sem graça. — Ele diz relutante, me olhando de canto.

— Exatamente.

Rimos juntos, e parece que estamos nos divertindo um com o outro. Depois trocamos olhares sérios, eu o admiro; a sua beleza, o seu jeitinho de ser, que me faz querer conhecê-lo mais e mais. Quero saber a sua história, saber os seus gostos e desgostos... quero ser amiga de Christian. É isso o que eu acho, estou encantada com a ideia de ser amiga dele, mas imagino que depois de hoje nunca mais o verei. Devo aceitar isso.

A chuva finalmente para. Christian devolve o meu guarda-chuva e agradece baixinho. Ele se aproxima e então caminhamos em silêncio por alguns minutos.

— Você está calada... — Ele quebra o silêncio e me olha.

— Quer que eu fale? — Indago, surpresa.

Ele ri baixinho. — Não desenfreadamente. — Brinca, e nós rimos.

— Infelizmente não faço milagres, Christian. Apesar de querer... Imagina que maravilhoso poder realizar milagres? Se eu tivesse essa oportunidade, sabe o que faria? — Pergunto entusiasmada.

— Removeria sua capacidade de falar muito, imagino? — Christian sugere, rindo.

Reviro os olhos.

— Não! Eu faria com que a minha língua não ficasse cansada de tanto falar. Imagina que incrível!

— Tenho certeza de que isso não seria um milagre. E tenho pena das pessoas que conversariam com você. — Christian fala, franzindo o cenho e me olhando com estranheza. — Se eu tivesse a oportunidade de realizar um milagre, curaria a minha irmã.

Eu o olho, mais encantada do que nunca. Em toda a minha vida, nunca ouvi nada tão drástico e emocionante! Ponho a mão no peito e o olho maravilhada. Christian pisca, aparentemente tentando entender a minha reação.

— Isso foi lindo, Christian! — Exclamo, extasiada.

— Lindo sou eu. — Christian responde com convencimento, me fazendo rir. É, ele nunca soou tão verdadeiro como agora. — E eu falei sério, sobre curar a minha irmã.

— O que a sua irmã tem? — Pergunto, meio sem jeito.

— Câncer — Ele responde, desviando o olhar.

— Eu sinto muito, Christian... — Falo, segurando o seu braço. Ele desvia do meu toque e tira o pigarro da garganta. — Eu tenho uma amiga com câncer, às vezes eu não consigo ser forte por ela, sabe? É de partir o coração vê-la em dias ruins e não poder fazer nada para ajudá-la. Mas por ela, eu sou forte e faço o possível e impossível para ver seu rostinho pálido brilhar de felicidade. No fundo, eu acredito que fazê-la feliz é a minha missão aqui na terra, não acha?

— Allie tem câncer? — Christian pergunta, interessado.

— Não, a minha outra amiga do peito.

— Saiba que estou dizendo um "sinto muito" melancólico na mente, e que não falarei isso, pois não acredito que essas duas palavras irão mudar algo. Então, podemos fingir que não tivemos essa conversa e mudar de assunto? — Christian dispara, cada palavra transparecendo a dor que o destrói a cada dia. Então ele acrescenta, me olhando com sinceridade. — Acabei de te conhecer, é estranho falar sobre coisas tão profundas, assim como é bizarro eu me sentir confortável em falar essas coisas para você.

— Tudo bem, Christian... — Eu o olho com empatia, depois acrescento, dando um sorriso sarcástico. — Não vou contar para o mundo sobre a sua dor, afinal, não vou te ver nunca mais.

— Fico até emocionado... — Ele fala brincando e finge estar abatido.

Continuamos andando sem rumo, claramente estamos fazendo isso para que possamos passar mais tempo um com o outro, mas também não queremos admitir isso. Ter a companhia de Christian é mágico.

Depois de um tempo em silêncio, ele respira fundo e me olha com um sorriso de canto.

— Um dia de cada vez, Beatrice — Fala, sorrindo de forma triste.

— Um dia de cada vez, Christian... — Sussurro, e reprimo a vontade imensa de abraçá-lo. Não posso simplesmente abraçar um estranho.

Christian tem o seu jeitinho e, apesar de tudo, me cativa a cada palavra que diz, sendo grosseira ou não. Sinto que terei ele em minha vida como um grande amigo do peito. Mas também não quero me iludir com essa possibilidade, pois seria muita sorte conhecer alguém como ele.

Viramos uma esquina e passamos em frente a uma floricultura. Eu paro dramaticamente, ponho a mão no peito e avalio as diversas espécies de plantas na vitrine da loja.

— Plantas! — Grito, animada.

Christian me olha, um pouco assustado com a minha reação inesperada.

— Estou vendo — Ele responde com certa insignificância.

— Preciso tê-las em minha casa! — Exclamo, enlouquecida.

Encosto o rosto na vitrine e admiro as orquídeas — as quais nunca estiveram tão lindas como agora —, as rosas do deserto, os girassóis e as espécies de cactos e suculentas que ainda não possuo.

— É só comprá-las, Beatrice. — Christian fala com desdém.

Afasto o rosto da vitrine e respiro fundo, cabisbaixa. A emoção se esvai e eu o olho, tristonha.

— Eu não tenho dinheiro — Lamento.

— É mesmo? — Christian indaga, num tom de deboche. — O que você quer que eu faça? Quer que eu lhe dê dinheiro?

— Sim. — Respondo, esboçando um sorriso esperançoso.

— Como é? — Sua voz sai alterada e o olhar é cético.

— Me empreste dinheiro — Sugiro, ainda sorrindo.

— E porque eu faria isso? — Ergue uma sobrancelha.

— Por que eu sou uma pessoa legal...— Arrisco, esboçando um sorriso amarelo.

— Sua mãe lhe disse isso? — Christian pergunta, sendo sarcástico. Reviro os olhos, já estou me acostumando com as suas brincadeiras irrelevantes. — Me dê um motivo para que eu possa confiar o meu dinheiro em suas mãos.

— Eu lhe emprestei o meu guarda-chuva, isso não basta?

— Não é a mesma coisa. — Me olha, os lábios finos feito uma linha.

— E quem diz que não?

— Eu?

— O ladrão de guarda-chuva? — Zombo e ele revira os olhos.

— Engraçadinha — Christian murmura, num tom entediado. Ele para de me olhar e responde, o peitoral estufado: — Christian Dominique.

Solto um riso carregado de zombaria, diante de seu convencimento. Cruzo os braços e pergunto séria, na última tentativa:

— Vai me emprestar?

— Você vai me deixar em paz? — Rebate, parecendo estar impaciente.

— Talvez... — Provoco, com um sorriso de canto.

— Quero certeza.

— Sim, eu deixo você em paz. — Respondo, revirando os olhos, cedendo ao seu charme quando ele mexe na franja.

— Perfeito.

Christian estende uma mão. Eu o olho com desentendimento.

— O quê? — Pergunto, confusa.

— Quero o seu número.

— Para? — Estreito os olhos, desconfiada.

— Para você me pagar, é óbvio, Beatrice! — Exclama, todo irritado.

— Ah! Claro... — Solto uma risada constrangida.

Christian me olha impaciente, pega o celular no bolso, me entrega, e eu digito o meu número. Devolvo o celular, um tanto sem jeito. Christian me manda uma mensagem na mesma hora, então pego meu celular no bolso do macacão e leio; é um "oi".

— Só para ter certeza de que não me deu o número errado. — Explica, fingindo um sorriso amistoso.

— Você tem uma imagem muito ruim de mim — resmungo, pensativa. Sinto-me ofendida, admito.

Christian ri, descaradamente.

— Eu só não confio em você — Diz, secamente.

— Porque não? — Indago surpresa.

— Talvez porque eu tenha acabado de conhecer você... — Sua voz soa cínica, mas sincera.

Reviro os olhos, entediada. — Eu confio em você. — Confesso e logo me arrependo, me lembrarei mais tarde de uma autocrítica por ser tão ingênua. Porém, não estou mentindo e é completamente estranho confiar em um desconhecido.

Ele ri com deboche e balança a cabeça negativamente.

— Sua bondade é preocupante.

#

— Quanto ficou? — Christian pergunta para a atendente, parando atrás de mim. 

— Noventa e três — A bela e jovem responde, sorrindo. 

Tenho certeza de que está se sentindo atraída pela beleza de Christian. Parece que ele percebe, pois, sua voz fica mais grave e atraente.

— Tudo isso? Quem gasta tanto dinheiro com plantas? — Ele pergunta cochichando, está espantado.

 — Eu. 

— Alguém, além de você. — Acrescenta, parecendo entediado, enquanto a atendente coloca as minhas plantinhas numa caixa pequena. 

— Muita gente, tenho certeza. 

— Do seu tipo, eu imagino. — Christian fala, num tom de zombaria. 

— Você parece ter pavor de gente do meu tipo — Disparo, fuzilando-o com um olhar de reprovação.

— Eu não diria pavor... — Ele ri.

— O que, então? 

— Você disse que me deixaria em paz. — Rebate, me olhando com desprezo. 

— Se é o que deseja... — Resmungo, respirando fundo, enquanto acaricio uma flor-de-lótus. 

— É o que eu mais desejo — Christian fala entre dentes. 

— Certo — Respondo com tranquilidade, dando de ombros. 

O clima entre nós dois — que já não era bom —, parece piorar a cada segundo. A atendente me entrega a caixa com os brotos de cactos e suculentas, e Christian pega a sua carteira e exibe três cartões de débito.  Acho o seu gesto um tanto desnecessário.

— É tão bom fazer a namorada feliz... — A atendente comenta, fingindo estar interessada no suposto "casal", quando, na verdade, ela só quer saber se Christian está solteiro.

— Eu, namorada do Christian? Não. — Fico sem jeito para responder, na tentativa de não ofender o Christian. 

— Beatrice é uma pedra em meu sapato, apenas. — Christian fala duramente, me olhando com frieza, depois lança um sorriso galanteador para a atendente. — Não tenho nada a ver com ela, e não tenho interesse por gente desse tipo. 

Como ele ousa falar assim de mim? Até uns minutos atrás, ele estava sendo legal comigo, reconheço a minha antipatia sobre ser muito tagarela e ingênua, mas ele não precisava me tratar assim só porque está vendo uma mulher bonita. Pensando bem, talvez eu não queira ser amiga desse babaca.

— Vá em frente e seduza-o. Christian não namora, pelo menos não comigo. — Começo a falar, engolindo a raiva em seco. — Aproveite, seu merda.

Como Christian está atrás de mim, passo por ele, empurrando-o de forma brusca. Saio da floricultura batendo os pés, chamo um táxi e entro rapidamente. 

— Condomínio Summerside, por favor. — Falo para a motorista. 

Ela dá partida em silêncio. Posso ver pela janela, um Christian parado no meio da rua, confuso e sem entender o que acabou de acontecer entre nós.  

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Comments

Graciete Barbosa Silva

Graciete Barbosa Silva

agora ele vai sentir falta da tagarela kkk

2023-03-08

2

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