Acordo de forma plena no dia seguinte. É sábado, e isso significa que não irei trabalhar — o que é uma calamidade, pois eu amo ser uma das cuidadoras do abrigo de animais que tem no bairro onde moro. Allie também trabalha no Dogs&Cats, e não tem coisa melhor que trabalhar com o que gosta, ao lado de uma amiga do peito.
Considero-me uma faz-tudo; trabalho de segunda a sexta no abrigo, pela manhã; à tarde, cuido do jardim do Condomínio Summerside — sendo a jardineira principal —; nos finais de semana, faço as minhas encenações — teatro amador — com Allie, minha alma gêmea; e passeio com os cachorros e gatos da vizinhança pelo parquinho que tem no condomínio, revezando entre manhãs e tardes.
Levanto da cama e me espreguiço. Tomo um banho relaxante, lavo meu cabelo cacheado e preparo uma máscara para hidratar o rosto. Ainda usando-a, desço a escada e vou para a cozinha preparar o meu café da manhã.
“Estamos de plantão. Voltaremos em dois dias... Não ponha fogo na casa e não fique até tarde na rua. Se não quiser dormir sozinha, vá
para a casa de Allie ou Hellen.
P.S: amamos você. Preparei as suas panquecas preferidas, tem creme de
amendoim na geladeira.
^^^Ass. Mamãe Papai.”^^^
Esboço um sorriso bobo quando termino de ler o bilhete escrito num papel adesivo amarelo, que até então estava preso na porta da geladeira.
Lisa, a minha mãe, é uma Endocrinologista e seu único passatempo é cozinhar enquanto assiste a dramas asiáticos. Bianco, meu pai, é um cardiologista aclamado em nossa cidade, em seus dias de folga, ama se juntar com os amigos da vizinhança e do trabalho para jogar vôlei. Meus pais residem no mesmo hospital há sete anos, desde quando nos mudamos para o Litoral, e quase sempre eles têm o plantão no mesmo período.
Pego as panquecas no microondas e o creme de amendoim na geladeira, tomo meu café sem pressa, aproveitando e saboreando com determinação as melhores panquecas do mundo. Quando termino meu café da manhã, subo para o quarto, retiro a máscara facial e faço uma sessão de meditação durante dez minutos.
Visto uma combinação de roupas confortáveis; um macacão curto na cor vinho; uma blusa preta com mangas compridas, devido à frieza matinal. Desmancho alguns cachos definidos até meu cabelo ficar bem volumoso, do jeito que sempre gostei.
Quando estou quase saindo do quarto para ir ver a Allie, meu celular vibra. Leio de relance as notificações na tela do meu celular.
Christian: Beatrice?
Christian: Bea?
Christian: Doçura?
Não gosto que me chame assim, então resolvo respondê-lo, mas meu coração gela e eu hesito um pouco. Respiro fundo e começo a digitar.
Beatrice: Achei que não quisesse conta comigo.
Ele não demora para visualizar e responder:
Christian: Você me deve dinheiro, é óbvio que eu quero conta contigo.
Reviro os olhos. Por um segundo eu supus que ele estivesse arrependido por ter me tratado tão mal. Desligo meu Wi-Fi e coloco o celular no bolso do macacão. Não posso deixar que esse insensível estrague meu dia.
Penso que estou liberta das mensagens dele, mas não demora muito para meu celular começar a tocar. Christian está me ligando. Nervosa, atendo a ligação e não digo nada, pelo menos, pelos próximos dez segundos.
— Por que está calada? — Christian pergunta.
— Você me emprestou dinheiro para que eu calasse a boca, esqueceu? — Alfineto, em tom de desprezo. — E eu sou uma pedra em seu sapato.
— Não me leve tão a sério, Bea... Eu falei brincando. — Sua voz parece carregada de arrependimento. — Viu só? Eu disse que você não tem senso de humor.
— Pareceu muito real — Rebato, com firmeza.
— Mas não foi. Me desculpe. — Christian respira fundo.
— Não — Respondo secamente.
— Qual é o seu problema, Bea?! — Ele explode e eu afasto o celular do ouvido, pois ele fala muito alto. — Você quer que eu a ponha no colo? — Soa debochado, além de grosseiro. Não gosto do seu tom. — Fiz uma brincadeira, agora sei que não gostou, então estou pedindo desculpas.
— Não.
— Por favor, Bea... me desculpe. — Christian insiste, dessa vez, calmo.
— Você não foi sincero comigo. — Falo, relutante.
— E porque eu não seria? — Pergunta, o tom confuso e sereno.
— Você me odeia e deveria ter sido sincero quanto a isso. — Declaro, sem esconder o que sinto.
— E por que diabos eu odiaria você? Isso não faz sentido.
— Me diz você. — Respondo, num tom seco.
— Bea, preste atenção. — Christian respira lenta e profundamente, como se estivesse ansiando por paciência. — Eu não odeio você, certo? Te acho uma coisinha fofa e adorável e prolixa, apenas. O problema sou eu, que sempre me expresso da forma mais errada possível, na tentativa de ser engraçado. — Ele confessa com muita calma.
— Não me chame de Bea. — Ordeno friamente, ignorando seus elogios esquisitos e sua ladainha desnecessária.
— Não te chamarei de Tris, prefiro Bea. — Ele diz, enfaticamente.
— Não gosto de Bea. — Rebato, irritada.
— Não tem que gostar, doçura... — Ele ri.
— Também não gosto que me chame de Doçura.
Christian vai falar mais alguma coisa, e tenho certeza de que seria um insulto, então não perco tempo e cancelo a ligação imediatamente. Não passa um minuto até ele ligar novamente.
Atendo e disparo, já impaciente:
— Christian, meu bem, escute com atenção: hoje é sábado e ainda são sete da manhã! Meu dia precisa ser perfeito, entendeu? Então, por favor, seja legal e não leve embora a minha plenitude. É a única coisa que te peço. E não se preocupe, vou transferir seu dinheiro assim que me enviar os dados de sua conta bancária, depois, seguiremos nossas vidas distantes e plenamente, certo?
— Achei que quisesse ser a minha amiga — Ele fala, a voz distante, ignorando meu pedido por paz.
— Vale a pena investir o meu tempo e interesse para ser considerada uma pedra em seu sapato? — Pergunto, a voz afiada, e sendo totalmente sincera.
— Eu já disse que não fui sincero quanto a isso. Você não é uma pedra em meu sapato. — Christian rebate, parecendo desajeitado. — Todo mundo erra, certo? Me desculpe, Bea. De verdade.
— Por que você se importa? Não precisa fingir ser legal comigo, Christian. Você deixou bem claro que não simpatiza com gente do meu tipo. — As palavras saem abruptamente de minha boca e eu não tenho controle sobre elas.
Estou com raiva e isso é assustador. Ser uma pessoa intensa às vezes é um defeito, pois é quase impossível controlar sua intensidade, você sente demais quando na verdade não deveria levar tão a sério certas emoções.
— Não precisa ficar tão brava... — Christian resmunga, o tom baixo e decepcionado. Ouço sua respiração pesada e tensa.
Penso em aceitar as suas desculpas, mas antes, preciso lhe dizer tudo que está entalado em minha garganta. Não posso simplesmente deixar para lá e pensar em mil respostas que deveria dizer a Christian, enquanto choro no banho.
— Você não foi legal comigo. Me humilhou na frente daquela funcionária da floricultura, que abriria as pernas facilmente para você. Eu te acho adorável, Chris, mas a sua falta de caráter é um defeito vergonhoso, não pode me tratar mal só porque viu uma mulher mais bonita que eu, isso é baixo. — Disparo, só paro quando termino de falar tudo e só então, respiro, retomando o fôlego.
Christian fica calado por alguns segundos e eu, também. Talvez eu me arrependa de ter sido tão dura — coisa que não sou acostumada a fazer. Eu fui rude e quem sabe... amarga.
— Será que pode... sei lá... — Chris hesita, a voz trêmula. — voltar a ser a doce Beatrice que conheci ontem? E você é muito mais bonita que ela.
— Às vezes é necessário ser verdadeira. — Confabulo, duramente. — E eu desculpo você.
— Depois ter me esculachado duramente? — Pergunta rindo, surpreso. — Você é uma criaturinha interessante...
— Eu só não queria ter que surtar no banheiro, arrependida por não ter esculachado você. — Confesso, rindo. — E você pode parar de se referir à minha pessoa no diminutivo? Isso é irritante.
— Você precisa ser estudada por algum cientista louco — Ele brinca, rindo. — Vou continuar com o diminutivo, jamais falaria com você da mesma forma que falo com as pessoas altas. — Provoca, descaradamente.
— Adeus, Chris...
Cancelo a ligação, com um sorriso bobo. Ele não demora para me mandar o número de sua conta bancária e eu imediatamente transfiro o seu dinheiro. Quando termino, respiro profundamente. É isso, ele não tem mais motivos para falar comigo.
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Atualizado até capítulo 36
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