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Juntos Por Um (A)Caso

Sem papas na língua

A chuva está muito forte. Pessoas desprovidas de guarda-chuvas correm apressadamente por todo o lado, estão agoniadas, procurando por abrigos temporários.

O meu guarda-chuva está sendo dominado pelo vento enfurecido, e logo percebo que não demorará muito até que o mesmo seja quebrado ou carregado pelo vento. Recorro a uma pequena cobertura na frente de uma loja de produtos naturais.

Subo a escadinha rapidamente e fecho o meu guarda-chuva.

— Que falta de sorte! — Ouço um homem aparentemente muito jovem dizer, após sair da loja.

Eu olho-o atentamente e esboço um sorriso tímido quando ele me olha de volta. Ele é muito alto, o corpo esguio é musculoso, mas não de forma exagerada. Os braços têm veias saltadas e uma pequena tatuagem de pássaro descansa plenamente no seu punho esquerdo. O seu estilo é um tanto sofisticado e sombrio; os dedos estão enfeitados com anéis prateados; as roupas, uma combinação perfeita de camisa gola-alta, sobreposição cor creme — a qual desce até o meio das pernas — de couro sintético, calça preta e coturno de cano alto, também preto. Ele parece ter saído de uma revista onde os homens posam ousadamente, vestindo roupas escandalosamente carregadas de estilo. A verdade é que esse jovem não combina com o ambiente da minha cidadezinha alegre e colorida; e, com toda certeza, ele é um destaque sombrio entre essas pessoas.

O homem não vai embora, fica parado a certa distância de mim, esperando a chuva passar. E isso é bom, porque eu posso avaliar o seu rosto. Eu gosto de avaliar as pessoas e ele é o tipo que te deixa curioso, sem conseguir desviar os olhos.

O seu rosto é belo, parece um sonho. Sua pele é clara e as bochechas estão levemente ruborizadas, devido ao frio, imagino. Sua beleza é intensa e, ao mesmo tempo, moderada. Ele não tem barba, mas isso não o deixa com o rosto infantil. Os cabelos são negros feito um corvo, um topete já crescido forma sua cabeleira lisa e brilhosa. Uma franja o incomoda muito, pois o mesmo a tira do rosto, incansáveis vezes.

Dispersa em meus pensamentos, ainda estou encarando o homem, porque ele tem um jeito que te prende, te deixa hipnotizada - ou eu que sou muito curiosa. Desvio o olhar quando ele me encara de volta, uma sobrancelha erguida e os lábios — rosados e moderadamente carnudos — crispados.

Sinto uma rajada de vento agredir meu corpo lentamente, cruzo os braços, numa tentativa falha de me aquecer.

— Frio aterrorizante, não? — O homem pergunta, me olhando de relance. Sua voz é calma e, ao mesmo tempo, carregada de frieza.

— Eu não diria "aterrorizante" — Asseguro distraída, enquanto observo atentamente uma goteira que nos separa.— Demasiado, para ser mais exata.  — Complemento, e nossos olhares se encontram novamente. Seus olhos verde-água parecem enxergar a minha alma de forma profunda e intimidante.

— Pensei que o odiasse — Ele comenta, o tom um tanto desdenhoso.

— Odiar o vento? Nunca! Eu não odeio nada que provém da natureza, muito menos as pessoas. O ódio é uma palavra que carrega um significado aterrorizante, não acha? Causa-me arrepios só de pensar... Veja, estou arrepiada! — Aponto para o meu braço direito e o homem me olha com ar de desentendimento.

— Só está com frio, garota. — Diz com incredulidade. Examina-me cautelosamente e depois sorri de canto. 

— Estou pagando pelos meus erros, afinal — Dou de ombros, esboçando um sorriso torto e melancólico.

— É mesmo? — Indaga com certo desdém.

— Sim. Minha mãe bem que me avisou, sabe... Eu não a ouvi e optei em vestir este macacão curto e essa blusa de mangas curtas. “Parece que vai chover, Tris. Melhor levar o guarda-chuva e um casaco”, foi o que ela gritou quando saí de casa. Você pensa que diferiria se eu tivesse obedecido a minha mãe? — Pergunto, animada demais.

Ele me examina surpreso, depois dá de ombros.

— Eu penso que choveria de qualquer jeito, você pegando o seu casaco ou não. Não acredito que uma ação sua poderia, sei lá... mudar algo no dia dessas pessoas. É isso o que é. — Argumenta, sendo totalmente descrente.

— Que amargo pensar assim! Não soou nada romântico. — Falo pensativa. Como alguém pode ser tão desprovido de escopo para a imaginação?

— Minha intenção foi ser apenas sensato. Não vejo nada de errado com isso, certo?

— Errado! — Exclamo, horrorizada com sua frieza e falta de imaginação.

— Como é? — Pergunta surpreso.

— Você não tem escopo para a imaginação e isso é terrível.

— Não tenho tempo para imaginar, vivo apenas no presente e a realidade apenas importa. — O homem confabula, com elegância e formalidade entediantes.

— “Viver apenas na realidade torna a vida um pouco entediante”, certa vez me disseram, há alguns anos. “Dê uma oportunidade para a imaginação, Tris, será mais feliz...” — Declaro, sendo tomada pela nostalgia ao lembrar do meu amigo enfermeiro, que provia de sábias palavras.

— Estou totalmente feliz com a vida que tenho. Não preciso ficar imaginando disparates. — Sua voz soa extremamente rude, me faz estremecer e logo em seguida encolher os ombros. Vendo a minha reação, ele pergunta, após pigarrear: — Seu nome é Tris?

— Beatrice, na verdade. Meus amigos me chamam de Tris. — Explico, esboçando um sorriso exagerado. 

Ele me olha, o semblante sério.

— Seus amigos são iguais a você, eu suponho — Me avalia cuidadosamente dos pés à cabeça.

— “Iguais” como?

— Prolixos, como você.  Tagarelas, sabe. — Conspira, me olhando como se eu fosse uma pessoa patética.

Não me sinto atingida com seu comentário de mau gosto, então esboço um sorriso largo e digo:

— A Allie, minha melhor amiga. Ela tem a língua desenfreada tanto quanto eu.

— Posso imaginar — Insinua com um sorriso travesso.

A chuva aumenta e o frio também. Encolho o meu corpo, tentando me aquecer e falhando drasticamente, novamente. O que eu fiz para merecer tanto frio assim? Se a chuva não parar antes de escurecer, tenho certeza que virarei um cubinho de gelo!

— Você não é muito de falar... — Comento, quebrando o "silêncio" entre nós.

— Falo muito apenas quando é necessário — Responde, tranquilo, mas não deixando de ser seco.

— Qual é o seu nome? Quantos anos tem? — Interrogo, interessada.

— Christian, e tenho vinte anos.— Me olha e crispa os lábios. — Por que está me perguntando? — Ele ri com deboche. — Não me diga que realmente está interessada em saber sobre alguém que acabou de conhecer...

— Para que seja necessário que você fale. Não vai me custar nada fazer perguntas sobre você. — Dou de ombros e sorrio timidamente.

Ele me olha com certa surpresa e crispa os lábios, em seguida umedece-os.

— Por quê?

— O tempo passa mais rápido quando conversamos, pelo menos é o que dizem. E sua voz é tranquila, apesar de ser grave e estar carregada de grosseria. Mas é muito bonita. Eu gosto de ouvir você falando. — Confesso, um pouco exultante.

Christian me olha impressionado. Pisca, ainda cético, até perguntar com seriedade, enquanto me olha profundamente:

— Estou sendo grosseiro com você?

— Bem, um pouco... — Confesso, o tom vacilante.

— Não foi a minha intenção. É o meu jeito se expressar. — Ele me direciona um olhar de desculpas e eu acho super fofo de sua parte, apesar de querer ouvi-lo pedindo desculpas.

— Presumi — Digo, sorrindo de canto. Prossigo: — Você parece ser uma pessoa bacana, Christian. Gostei de você.

Ele ergue uma sobrancelha e deixa escapar um riso breve e sarcástico.

— Você está me paquerando, criança?

— Tenho quase a sua idade, Christian. E não, não estou paquerando você. — Nego, olhando-o plenamente.

— Que seja — Christian resmunga, friamente.

O tempo passa e a chuva não. O céu está dando início a uma noite fria e chuvosa. 

Christian está impaciente, bate um pé no chão simultaneamente e a cada minuto, confisca a hora no celular.

— Essa chuva está me dando nos nervos. É uma verdadeira falta de sorte ter que encarar uma chuva incessante! — Christian reclama, todo irritado.

— Eu acho a chuva romântica. — Digo, sorrindo de forma exagerada e com ar pensativo. — A natureza em si, é provida de um romantismo sensacional. Fico totalmente maravilhada quando penso nessas coisas. Você não?

— Não. — Christian responde, secamente. — Você não consegue, sei lá... ficar com a boca fechada por mais que dois minutos? — Indaga, aborrecido e eu me encolho. — Não estou sendo grosseiro, só para deixar claro. — Acrescenta, calmo.

— Eu poderia iludir você, dizendo que sim, mas não farei isso. De forma alguma.

— Duvido que consiga conversar sozinha — Provoca, sorrindo de forma travessa.

— Você vai embora na chuva? — Pergunto, preocupada.

— Vou — Christian diz e se aproxima de mim tranquilamente. De forma audaciosa, põe o braço em meus ombros. — E com o seu guarda-chuva. 

O ladrão de guarda-chuva

Os eventos seguintes acontecem rápido demais. Christian, o ladrão de guarda-chuva, desce a escada a passos largos, e atravessa a rua sem olhar para trás. Ainda estou surpresa com o que ele acabou de fazer e demoro um pouco para voltar à realidade.

Decidida a recuperar o meu guarda-chuva — e quem sabe, esbofetear Christian —, corro atrás do sujeito que já anda normalmente pela rua pouco movimentada, usufruindo meu belo guarda-chuva transparente que muda de cor no escuro. É um grande insulto ele estar com o meu guarda-chuva e não consigo controlar a onda de raiva que me invade. Ele não tinha esse direito!

Há algumas pessoas que me olham desentendidas e outras, assustadas, quando esbarro em Christian e me agarro em sua perna direita, acabo me sujando de lama e solto um xingamento baixinho. Ele para de andar e me olha confuso, embora esteja esboçando um sorriso de divertimento. Como ele ainda tem a cara de pau em me olhar assim?!

— O que está fazendo? — Pergunta, friamente.

— Devolve o meu guarda-chuva!

— Não. — Nega secamente. — Eu preciso dele, Beatrice. — Christian fala, entediado.  — Pode, por favor, soltar a minha perna?— indaga pacientemente.

— Não. Devolva o meu guarda-chuva, agora! — Esbravejo, impaciente.

— Não. Preciso dele. — Christian tira as minhas mãos de sua perna com uma paciência surpreendente.

Ele sai andando e me deixa sozinha na rua. Não me movo, fico  esperando por ele. Sei que vai voltar, sei que vai... não seria tão cruel.  Fico parada na rua, deixando nítido que estou magoada e me questiono porque fui tão ingênua, se Christian é um desconhecido...

Ele volta, demora uns dez minutos, mas volta. Está segurando uma capa de chuva transparente, tamanho médio e quando se aproxima de mim, coloca a capa em meus ombros e diz:

— Resolvi o seu problema. — Me olha, esboçando um sorriso cínico. — é sua.

— Eu não quero vestir isso, — Devolvo a capa, fazendo uma cara de reprovação. — use você.

— Pensa que cabe em mim? — Pergunta, num tom de indignação. Respira fundo e continua, dizendo calmamente: — Se tivesse alguma capa de chuva para a minha altura, não pegaria o seu guarda-chuva emprestado, Beatrice.

— Você roubou — Corrijo, num tom de afronta, o que é uma novidade até para mim.

— Me emprestaria se eu pedisse? — Ergue uma sobrancelha e me encara.

Cruzo os braços e o olho de cima a baixo.

— Provavelmente não.

— Então! — Christian ri, vitorioso. Fica sério e me olha dramaticamente. — O que você quer que eu faça? — Indaga, passando a mão nos cabelos escuros e brilhosos, colocando, mais uma vez a sua franja para trás.

— Quero que devolva o meu guarda-chuva — Respondo, com calma e simplicidade.

— Isso não será possível. — Ele respira fundo, pacientemente. Continua, falando com tranquilidade. Sujeito cínico. — Preciso ir aos Correios buscar uma encomenda, antes que o prédio feche. Depois, devolvo o seu guarda-chuva.

— Fica a seu critério, doçura — Christian dá de ombros e esboça um sorriso travesso.

— Não me chame assim.

— Como quiser, Beatrice... — Fala o meu nome enfaticamente e me olha com divertimento.

Reviro os olhos e faço uma careta. — Enquanto busca a sua encomenda, o que eu faço?

— Venha comigo, se desejar. — Christian sugere com desinteresse.

— Não te conheço, como posso confiar que não vai me sequestrar?

Questiono baixinho, mas ele escuta e me olha de relance.

— Não vou te sequestrar, doçura... a única coisa que me interessa nesse momento é a minha encomenda e o seu guarda-chuva para não molhá-la.

Rio com ceticismo.

— Isso é o tipo de coisa que um sequestrador diria.

Ele ri, sem jeito.

— E eu pareço um sequestrador? — Indaga, a indignação aparente.

Fico em silêncio, apenas afirmo com a cabeça. Não sou de julgar as pessoas pela aparência, mas Christian tem um ar misterioso, poderia muito bem ser um sequestrador. Vendo que estou um pouco tensa, ele suspira, está impaciente.

— A escolha é sua, doçura.

Christian está andando a passos largos, provavelmente decidido a me deixar para trás. O que devo fazer? Eu amo o meu guarda-chuva e as memórias que o acompanham... não posso deixá-lo na mão de um estranho. Mas você também não pode seguir um estranho! Minha consciência está lutando para ter a razão, mas eu a ignoro. Respiro fundo.

Dou de ombros, visto a capa de chuva e o sigo. 

Desentendimentos

Christian sai do prédio amarelo e azul-claro cerca de dez minutos depois, segurando uma caixa comprida como quem carrega uma criança. Ele caminha até mim, esboçando um sorriso de satisfação. A chuva está mais fraca e ele segue com o meu guarda-chuva, e eu com a capa transparente horrível.

— O que tem na caixa? — Pergunto curiosa.

— Uma bomba relógio. Melhor manter distância, pode estar armada. — Christian responde sério, então me encara, o olhar sombrio.

Mantenho distância, me afastando rapidamente, com certo medo dele. Eu poderia ter imaginado que Christian é o tipo de psicopata que anda por aí carregando bombas, não? Paro de segui-lo e ele percebe a minha ausência, porque dá meia volta e vem até mim, rindo com muito divertimento. Christian segura o meu braço e começa a andar, me arrastando consigo.

— Estou brincando, doçura — Ele fala, entre risadas roucas e baixas, e o rosto um pouco vermelho. Solta o meu braço. — Acha mesmo que eu andaria por aí carregando bombas? — Interroga com incredulidade, me dirigindo um olhar de frustração.

— Sim, eu acho. — Respondo, dando de ombros. — Não vou mentir, sei que estou errada em te julgar, mas você parece o tipo de pessoa que andaria por aí, carregando bombas. — Confesso, olhando-o com tamanha sinceridade.

Christian para de andar e me observa, bravo. Sustento seu olhar sério e frio até ele desviar e sorrir preguiçosamente.

— Se me acha perigoso, por qual motivo ainda está andando comigo?

— Você está com o meu guarda-chuva, esqueceu? — Sorrio. — E não te acho perigoso.

— Eu sou uma bomba, Beatrice, e não queira estar perto de mim quando eu explodir — Christian declara e seu tom soa ameaçador, assim, me causando arrepios.

— Nunca ouvi frase tão brega — Zombo, rindo. — pegou do Google, Christian? — Pergunto, ainda rindo.

Christian balança a cabeça, e esboça um sorriso repleto de divertimento. Seus olhos brilham quando ele me avalia, tira a franja do rosto e umedece os lábios. Logo em seguida, engole a saliva e o movimento que seu pomo-de-adão faz me deixa fascinada. Christian seria a definição de perfeição? Pisco, desviando o olhar.

— Você não tem senso de humor — Ele irrompe o silêncio entre nós.

— Tenho, Christian. — Falo, enquanto caminhamos lado a lado. — Senso de humor é o que mais tenho. Você, parece que não. — Falo brincando e ele me olha de esguelha, sorrindo com escárnio.

— Se continuar andando comigo, Beatrice... — Curva os lábios e dá uma risada baixa. — ficará amarga igual a mim, além de sem graça.

— Você não é amargo — Rebato, encarando-o profundamente. — E só estou com você por causa do meu guarda-chuva.

Desde o momento em que o conheci, não o achei em momento algum uma pessoa amarga, apenas... sensato demais e desprovido de escopo para a imaginação. Mas isso não é algo ruim, apenas sem graça, entretanto, é possível imaginar uma amizade saudável e aconchegante com Christian.

— Mas não deixo de ser sem graça. — Ele diz relutante, me olhando de canto.

— Exatamente.

Rimos juntos, e parece que estamos nos divertindo um com o outro. Depois trocamos olhares sérios, eu o admiro; a sua beleza, o seu jeitinho de ser, que me faz querer conhecê-lo mais e mais. Quero saber a sua história, saber os seus gostos e desgostos... quero ser amiga de Christian. É isso o que eu acho, estou encantada com a ideia de ser amiga dele, mas imagino que depois de hoje nunca mais o verei. Devo aceitar isso.

A chuva finalmente para. Christian devolve o meu guarda-chuva e agradece baixinho. Ele se aproxima e então caminhamos em silêncio por alguns minutos.

— Você está calada... — Ele quebra o silêncio e me olha.

— Quer que eu fale? — Indago, surpresa.

Ele ri baixinho. — Não desenfreadamente. — Brinca, e nós rimos.

— Infelizmente não faço milagres, Christian. Apesar de querer... Imagina que maravilhoso poder realizar milagres? Se eu tivesse essa oportunidade, sabe o que faria? — Pergunto entusiasmada.

— Removeria sua capacidade de falar muito, imagino? — Christian sugere, rindo.

Reviro os olhos.

— Não! Eu faria com que a minha língua não ficasse cansada de tanto falar. Imagina que incrível!

— Tenho certeza de que isso não seria um milagre. E tenho pena das pessoas que conversariam com você. — Christian fala, franzindo o cenho e me olhando com estranheza. — Se eu tivesse a oportunidade de realizar um milagre, curaria a minha irmã.

Eu o olho, mais encantada do que nunca. Em toda a minha vida, nunca ouvi nada tão drástico e emocionante! Ponho a mão no peito e o olho maravilhada. Christian pisca, aparentemente tentando entender a minha reação.

— Isso foi lindo, Christian! — Exclamo, extasiada.

— Lindo sou eu. — Christian responde com convencimento, me fazendo rir. É, ele nunca soou tão verdadeiro como agora. — E eu falei sério, sobre curar a minha irmã.

— O que a sua irmã tem? — Pergunto, meio sem jeito.

— Câncer — Ele responde, desviando o olhar.

— Eu sinto muito, Christian... — Falo, segurando o seu braço. Ele desvia do meu toque e tira o pigarro da garganta. — Eu tenho uma amiga com câncer, às vezes eu não consigo ser forte por ela, sabe? É de partir o coração vê-la em dias ruins e não poder fazer nada para ajudá-la. Mas por ela, eu sou forte e faço o possível e impossível para ver seu rostinho pálido brilhar de felicidade. No fundo, eu acredito que fazê-la feliz é a minha missão aqui na terra, não acha?

— Allie tem câncer? — Christian pergunta, interessado.

— Não, a minha outra amiga do peito.

— Saiba que estou dizendo um "sinto muito" melancólico na mente, e que não falarei isso, pois não acredito que essas duas palavras irão mudar algo. Então, podemos fingir que não tivemos essa conversa e mudar de assunto? — Christian dispara, cada palavra transparecendo a dor que o destrói a cada dia. Então ele acrescenta, me olhando com sinceridade. — Acabei de te conhecer, é estranho falar sobre coisas tão profundas, assim como é bizarro eu me sentir confortável em falar essas coisas para você.

— Tudo bem, Christian... — Eu o olho com empatia, depois acrescento, dando um sorriso sarcástico. — Não vou contar para o mundo sobre a sua dor, afinal, não vou te ver nunca mais.

— Fico até emocionado... — Ele fala brincando e finge estar abatido.

Continuamos andando sem rumo, claramente estamos fazendo isso para que possamos passar mais tempo um com o outro, mas também não queremos admitir isso. Ter a companhia de Christian é mágico.

Depois de um tempo em silêncio, ele respira fundo e me olha com um sorriso de canto.

— Um dia de cada vez, Beatrice — Fala, sorrindo de forma triste.

— Um dia de cada vez, Christian... — Sussurro, e reprimo a vontade imensa de abraçá-lo. Não posso simplesmente abraçar um estranho.

Christian tem o seu jeitinho e, apesar de tudo, me cativa a cada palavra que diz, sendo grosseira ou não. Sinto que terei ele em minha vida como um grande amigo do peito. Mas também não quero me iludir com essa possibilidade, pois seria muita sorte conhecer alguém como ele.

Viramos uma esquina e passamos em frente a uma floricultura. Eu paro dramaticamente, ponho a mão no peito e avalio as diversas espécies de plantas na vitrine da loja.

— Plantas! — Grito, animada.

Christian me olha, um pouco assustado com a minha reação inesperada.

— Estou vendo — Ele responde com certa insignificância.

— Preciso tê-las em minha casa! — Exclamo, enlouquecida.

Encosto o rosto na vitrine e admiro as orquídeas — as quais nunca estiveram tão lindas como agora —, as rosas do deserto, os girassóis e as espécies de cactos e suculentas que ainda não possuo.

— É só comprá-las, Beatrice. — Christian fala com desdém.

Afasto o rosto da vitrine e respiro fundo, cabisbaixa. A emoção se esvai e eu o olho, tristonha.

— Eu não tenho dinheiro — Lamento.

— É mesmo? — Christian indaga, num tom de deboche. — O que você quer que eu faça? Quer que eu lhe dê dinheiro?

— Sim. — Respondo, esboçando um sorriso esperançoso.

— Como é? — Sua voz sai alterada e o olhar é cético.

— Me empreste dinheiro — Sugiro, ainda sorrindo.

— E porque eu faria isso? — Ergue uma sobrancelha.

— Por que eu sou uma pessoa legal...— Arrisco, esboçando um sorriso amarelo.

— Sua mãe lhe disse isso? — Christian pergunta, sendo sarcástico. Reviro os olhos, já estou me acostumando com as suas brincadeiras irrelevantes. — Me dê um motivo para que eu possa confiar o meu dinheiro em suas mãos.

— Eu lhe emprestei o meu guarda-chuva, isso não basta?

— Não é a mesma coisa. — Me olha, os lábios finos feito uma linha.

— E quem diz que não?

— Eu?

— O ladrão de guarda-chuva? — Zombo e ele revira os olhos.

— Engraçadinha — Christian murmura, num tom entediado. Ele para de me olhar e responde, o peitoral estufado: — Christian Dominique.

Solto um riso carregado de zombaria, diante de seu convencimento. Cruzo os braços e pergunto séria, na última tentativa:

— Vai me emprestar?

— Você vai me deixar em paz? — Rebate, parecendo estar impaciente.

— Talvez... — Provoco, com um sorriso de canto.

— Quero certeza.

— Sim, eu deixo você em paz. — Respondo, revirando os olhos, cedendo ao seu charme quando ele mexe na franja.

— Perfeito.

Christian estende uma mão. Eu o olho com desentendimento.

— O quê? — Pergunto, confusa.

— Quero o seu número.

— Para? — Estreito os olhos, desconfiada.

— Para você me pagar, é óbvio, Beatrice! — Exclama, todo irritado.

— Ah! Claro... — Solto uma risada constrangida.

Christian me olha impaciente, pega o celular no bolso, me entrega, e eu digito o meu número. Devolvo o celular, um tanto sem jeito. Christian me manda uma mensagem na mesma hora, então pego meu celular no bolso do macacão e leio; é um "oi".

— Só para ter certeza de que não me deu o número errado. — Explica, fingindo um sorriso amistoso.

— Você tem uma imagem muito ruim de mim — resmungo, pensativa. Sinto-me ofendida, admito.

Christian ri, descaradamente.

— Eu só não confio em você — Diz, secamente.

— Porque não? — Indago surpresa.

— Talvez porque eu tenha acabado de conhecer você... — Sua voz soa cínica, mas sincera.

Reviro os olhos, entediada. — Eu confio em você. — Confesso e logo me arrependo, me lembrarei mais tarde de uma autocrítica por ser tão ingênua. Porém, não estou mentindo e é completamente estranho confiar em um desconhecido.

Ele ri com deboche e balança a cabeça negativamente.

— Sua bondade é preocupante.

#

— Quanto ficou? — Christian pergunta para a atendente, parando atrás de mim. 

— Noventa e três — A bela e jovem responde, sorrindo. 

Tenho certeza de que está se sentindo atraída pela beleza de Christian. Parece que ele percebe, pois, sua voz fica mais grave e atraente.

— Tudo isso? Quem gasta tanto dinheiro com plantas? — Ele pergunta cochichando, está espantado.

 — Eu. 

— Alguém, além de você. — Acrescenta, parecendo entediado, enquanto a atendente coloca as minhas plantinhas numa caixa pequena. 

— Muita gente, tenho certeza. 

— Do seu tipo, eu imagino. — Christian fala, num tom de zombaria. 

— Você parece ter pavor de gente do meu tipo — Disparo, fuzilando-o com um olhar de reprovação.

— Eu não diria pavor... — Ele ri.

— O que, então? 

— Você disse que me deixaria em paz. — Rebate, me olhando com desprezo. 

— Se é o que deseja... — Resmungo, respirando fundo, enquanto acaricio uma flor-de-lótus. 

— É o que eu mais desejo — Christian fala entre dentes. 

— Certo — Respondo com tranquilidade, dando de ombros. 

O clima entre nós dois — que já não era bom —, parece piorar a cada segundo. A atendente me entrega a caixa com os brotos de cactos e suculentas, e Christian pega a sua carteira e exibe três cartões de débito.  Acho o seu gesto um tanto desnecessário.

— É tão bom fazer a namorada feliz... — A atendente comenta, fingindo estar interessada no suposto "casal", quando, na verdade, ela só quer saber se Christian está solteiro.

— Eu, namorada do Christian? Não. — Fico sem jeito para responder, na tentativa de não ofender o Christian. 

— Beatrice é uma pedra em meu sapato, apenas. — Christian fala duramente, me olhando com frieza, depois lança um sorriso galanteador para a atendente. — Não tenho nada a ver com ela, e não tenho interesse por gente desse tipo. 

Como ele ousa falar assim de mim? Até uns minutos atrás, ele estava sendo legal comigo, reconheço a minha antipatia sobre ser muito tagarela e ingênua, mas ele não precisava me tratar assim só porque está vendo uma mulher bonita. Pensando bem, talvez eu não queira ser amiga desse babaca.

— Vá em frente e seduza-o. Christian não namora, pelo menos não comigo. — Começo a falar, engolindo a raiva em seco. — Aproveite, seu merda.

Como Christian está atrás de mim, passo por ele, empurrando-o de forma brusca. Saio da floricultura batendo os pés, chamo um táxi e entro rapidamente. 

— Condomínio Summerside, por favor. — Falo para a motorista. 

Ela dá partida em silêncio. Posso ver pela janela, um Christian parado no meio da rua, confuso e sem entender o que acabou de acontecer entre nós.  

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