Capítulo 4. O Dono

Nico foi acordado por seu tio, quando eram cinco horas da manhã. Ficou por conta, pois como prendeu a porta com a cadeira, o tio estava esmurrando a porta.

— Já vou, já vou.

Assim que conseguiu abrir a porta, o tio reclamou.

— Precisava disso tudo? — perguntou se referindo a porta trancada.

— Eu que sei, o que foi?

— Confusão no morro.

— E daí, dexa eles se entender.

— Não, Nico. A Shirley tá lá…

— Lá onde? — perguntou Nico, sonolento.

— Tá lá com o Dono. O Tilápia passou aqui rapidinho pra me contá.

— Caralho! Isso que dá ter tanto fogo no rabo.

— Eu sei a filha que tenho, mas não desejo isso pra ela.

— Tá, dexa eu pô uma rôpa.

Os dois saíram em direção ao "palácio" do chefão do tráfico do morro, o famoso dono. Estava amanhecendo e conseguiam ver bem o caminho. A tal casa não era tão próxima a deles, precisaram andar uns 500 metros até chegar, Os olheiros, ocultos pelos telhados e atrás de árvores, não perdiam o coveiro e seu sobrinho de vista, sabiam que podia haver confusão.

Chegaram próximo a casa e foram barrados, mais pelos fuzis do que pelos rapazes que os seguravam. Aqueles dois não tinham muito porte, mas eram tidos como bandidos sanguinários. 

— E aí, cova?

— Vim buscar Shirley e falá com o Hebreu — que era o verdadeiro nome do dono e poucos conheciam.

Um dos caras pegou um aparelho de rádio e falou com alguém na casa e autorizaram a entrada, mas só do coveiro.

— Tu é parcero, cova, pode entrá, mas tu, cara de bunda, fica. 

Nico foi barrado pelo tio, pois quase meteu um soco na cara do falador. 

— Eu vô lá, tenho umas conta pá acertá.

O Coveiro foi, não era qualquer pessoa, era respeitado pelo serviço que realizava e ninguém queria ocupar aquela função. Entrou na casa e logo avistou Shirley largada em um sofá. Pela posição em que estava, jogaram ela ali desacordada.

— E aí, cova, qual é? — perguntou o Dono.

— Vim pegá essa coisa que ainda é minha filha.

— Foi ela que veio atrás. — justificou-se o marginal.

— Não terá próxima…

— Tá curtindo com minha cara ou tá afim de capotar? — Levantou-se o Dono, colocando o cano da pistola na cara do coveiro.

O coveiro achou a cena engraçada e riu, ofendendo mais o Dono.

— Tá curtino co'a minha cara?

— Se aquiete, home. É que imaginei quem ia enterrá meu corpo.

Aí até o Dono riu também.

— Tá certo — se afastou e apontou com a pistola, uma poltrona —, sentaí.

O coveiro se sentou e começaram a entabular uma conversa amigável.

— A pessoa que mais confio aqui é você, cova. Tua filha tá só drogada, foi o único jeito de pará ela, saco?

— Agradecido. Mas quero te passá a real. Só eu sei onde é o cemitério, só eu tenho o maps, na minha cabeça. Preciso ir agora, levar essa cadela pra casa. É igualzinho a mãe.

— Tendi o recado. Valeu. Tu tá seguro.

— Vê se não conta prá ninguém e fica tudo certo.

— Tá com medinho, cova?

— Tú que tem que tê medo, não eu.

O Dono olhou para ele de cara amarrada, mas não falou nada, sabia que o velho tinha razão. O que mais tinha era concorrente querendo tomar o morro dele, sem contar a polícia, que tava cada vez mais exigente. Ficou olhando o pai colocar a filha no ombro, como um dos defuntos que costuma carregar e sair.

Ninguém sabia da tramas do Dono, só o coveiro. Quando as drogas e armas chegavam, passava pelos olheiros e até chegar ao dono, diminuíam os seguranças, ficando só os dois que carregavam. Esses dois eram, normalmente, moradores do morro ou adjacências e eram calados logo depois de colocarem a carga na carroça. Isso era feito em um platô, no alto do morro, onde ninguém conseguia ver.

Só o Dono e o coveiro seguiam com os peões, como eram chamados pelo dono e ao terminarem o serviço, o próprio Dono os despachava e eram enrolados em panos de sacos e postos na carroça, sobre a lona que cobria as drogas. Na madrugada, pois tudo era feito a noite, a carroça seguia pela rua, que antigamente era só uma trilha, até o local do cemitério que só ele conhecia. Ali ficavam todos os segredos do Dono.

Chegando com Shirley, no local onde Nico esperava, passou a filha para ele e foram embora.

— Tá só drogada.

— Tá. E aí?

— Dei o recado.

Não precisavam falar mais nada, se entendiam sem palavras. Quando foi para descer o morto até a casa, cada um segurou uma ponta do corpo desmaiado, dividindo o peso e após deitarem ela, o tio amarrou a filha à própria cama.

— Vai sê difícil quando ela acordá, mas é melhor assim.

— Tá certo, tio. Vou tomar banho e me arrumar para o trabalho.

— E eu vô descansá, mereço.

Nico sabia que o carregamento chegou na noite anterior e era duro para seu tio fazer tudo sozinho, por isso o Dono queria tanto que eu entrasse para seu bando, queria treinar alguem para ajudar o coveiro e depois ficar em seu lugar. Mas Nico tinha um sonho, o de ser médico e sair daquela vida.

— Então chegou e deu tudo certo?

— Claro, com aquele louco, sempre é dá ou morre. — responde o tio, se arrastando para seu quarto.

— Vai descansá, tio. 

Nico estava tentando falar corretamente, mas quando estava com seu tio, acabava falando igual. Seu tio o criou desde que seus pais morreram atropelados por um doido, que fugiu do local sem socorrer ou ser identificado. Ele tinha só cinco anos e absorveu a fala do tio, que come o r do final das palavras.

Ele tomou banho, se arrumou e saiu. Desceu o morro e passou pela casa da tia Candoca, irmã do tio, pata filar o café.

— Oi, querido, veio tomar café, né?

— Bença, tia. A senhora é minha heroína.

— Deus te abençoe, garoto. Senta aqui, vai. Como tá tudo por lá?

— Sabe como é, o tio com aquele trabalho, é parada dura.

— Sinceramente, não sei o que é mais pesado pra ele, o trabalho ou aquela filha destrambelhada. Sinto pena do meu irmão.

Nico ficou calado, era melhor assim. Comeu, beijou a tia e foi para o trabalho no posto.

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Comments

Maria Helena Macedo e Silva

Maria Helena Macedo e Silva

ledo engano , vcs não sabem mas tem um mocinha do asfalto que observa o morro da sua janela, só não sabe o que levam mas já os viu empurrando a carraço e a última vez viu a carroça descendo morro abaixo por causa da chuva...🤦

2024-08-30

0

Celia Chagas

Celia Chagas

Tadinho eu tenho peninha dele 😢😢

2024-05-11

1

maria eva

maria eva

rapaz,a estória da carroça é verdade

2024-01-24

2

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1. Tempestade
2 Capítulo 2. Verdade ou Fofoca
3 Capítulo 3. Dois Mundos
4 Capítulo 4. O Dono
5 Capítulo 5. Sorriso
6 Capítulo 6. Assanhada
7 Capitulo 7. Surra
8 Capítulo 8. Tentativa
9 Capítulo 9. Morro Fechado
10 Capítulo 10. Suspeita
11 Capítulo 11. Amizade
12 Capítulo 12. Bem Próximo
13 Capítulo 13. Interrogatório
14 Capítulo 14. Escape
15 Capítulo 15. Patrulha
16 Capítulo 16. Espiadinha
17 Capítulo 17. Normalidade
18 Capítulo 18. Permissão
19 Capítulo 19. Coisa Estranha
20 Capítulo 20. Estudo
21 Capítulo 21. Invasão
22 Capítulo 22. Palavra de Ordem
23 Capítulo 23. Segredos
24 Capítulo 24. Informações
25 Capítulo 25. Fuzuê
26 Capítulo 26. Encontro
27 Capítulo 27. Faculdade
28 Capítulo 28. Pediatria
29 Capítulo 29. Pai
30 Capítulo 30. O Dono
31 Capítulo 31. Negociação
32 Capítulo 32. Espião
33 Capítulo 33. Retorno
34 Capítulo 34. Tempo
35 Capítulo 35. Correria
36 Capítulo 36. Noite de Núpcias
37 Capítulo 37. De Novo?
38 Capítulo 38. Decisões
39 Capítulo 39. A Firma
40 Capítulo 40. Amor
41 Capítulo 41. Dia Seguinte
42 Capítulo 42. Doce Letícia
43 Capítulo 43. Nova Tentativa
44 Capítulo 44. Sogra
45 Capítulo 45. Revelação
46 Capítulo 46. Doces ou Travessuras
47 capítulo 47. Revide
48 Capítulo 48. Surgiu
49 Capítulo 49. Luto
50 Capítulo 50. Espera
51 Capítulo 51. Perseguição
52 Capítulo 52. Nova Dona
53 Capítulo 53. Segurança
54 Capítulo 54. Resultado
55 Capítulo 55. Invasão
56 Capítulo 56. Insinuações
57 Capítulo 57. Gravidez
58 Capítulo 58. Vovó
59 Capítulo 59. Nova Moradia
60 Capítulo 60. Retribuição
61 Capítulo 61. Armadilhas
62 Capítulo 62. Canarinho
63 Capítulo 63. Martírio
64 Capítulo 64. O Bicho
65 Capítulo 65. Perseguição
66 Capítulo 66. Fechando o Cerco
67 Capítulo 67. A Carta
68 Capítulo 68. Comoção
69 Capítulo 69. Novo Infiltrado
70 Capítulo 70. Infelizmente
71 Capítulo 71. Final
72 Capítulo 72. Epílogo
73 Doce Amor e Ação
Capítulos

Atualizado até capítulo 73

1
Capítulo 1. Tempestade
2
Capítulo 2. Verdade ou Fofoca
3
Capítulo 3. Dois Mundos
4
Capítulo 4. O Dono
5
Capítulo 5. Sorriso
6
Capítulo 6. Assanhada
7
Capitulo 7. Surra
8
Capítulo 8. Tentativa
9
Capítulo 9. Morro Fechado
10
Capítulo 10. Suspeita
11
Capítulo 11. Amizade
12
Capítulo 12. Bem Próximo
13
Capítulo 13. Interrogatório
14
Capítulo 14. Escape
15
Capítulo 15. Patrulha
16
Capítulo 16. Espiadinha
17
Capítulo 17. Normalidade
18
Capítulo 18. Permissão
19
Capítulo 19. Coisa Estranha
20
Capítulo 20. Estudo
21
Capítulo 21. Invasão
22
Capítulo 22. Palavra de Ordem
23
Capítulo 23. Segredos
24
Capítulo 24. Informações
25
Capítulo 25. Fuzuê
26
Capítulo 26. Encontro
27
Capítulo 27. Faculdade
28
Capítulo 28. Pediatria
29
Capítulo 29. Pai
30
Capítulo 30. O Dono
31
Capítulo 31. Negociação
32
Capítulo 32. Espião
33
Capítulo 33. Retorno
34
Capítulo 34. Tempo
35
Capítulo 35. Correria
36
Capítulo 36. Noite de Núpcias
37
Capítulo 37. De Novo?
38
Capítulo 38. Decisões
39
Capítulo 39. A Firma
40
Capítulo 40. Amor
41
Capítulo 41. Dia Seguinte
42
Capítulo 42. Doce Letícia
43
Capítulo 43. Nova Tentativa
44
Capítulo 44. Sogra
45
Capítulo 45. Revelação
46
Capítulo 46. Doces ou Travessuras
47
capítulo 47. Revide
48
Capítulo 48. Surgiu
49
Capítulo 49. Luto
50
Capítulo 50. Espera
51
Capítulo 51. Perseguição
52
Capítulo 52. Nova Dona
53
Capítulo 53. Segurança
54
Capítulo 54. Resultado
55
Capítulo 55. Invasão
56
Capítulo 56. Insinuações
57
Capítulo 57. Gravidez
58
Capítulo 58. Vovó
59
Capítulo 59. Nova Moradia
60
Capítulo 60. Retribuição
61
Capítulo 61. Armadilhas
62
Capítulo 62. Canarinho
63
Capítulo 63. Martírio
64
Capítulo 64. O Bicho
65
Capítulo 65. Perseguição
66
Capítulo 66. Fechando o Cerco
67
Capítulo 67. A Carta
68
Capítulo 68. Comoção
69
Capítulo 69. Novo Infiltrado
70
Capítulo 70. Infelizmente
71
Capítulo 71. Final
72
Capítulo 72. Epílogo
73
Doce Amor e Ação

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