Nico foi acordado por seu tio, quando eram cinco horas da manhã. Ficou por conta, pois como prendeu a porta com a cadeira, o tio estava esmurrando a porta.
— Já vou, já vou.
Assim que conseguiu abrir a porta, o tio reclamou.
— Precisava disso tudo? — perguntou se referindo a porta trancada.
— Eu que sei, o que foi?
— Confusão no morro.
— E daí, dexa eles se entender.
— Não, Nico. A Shirley tá lá…
— Lá onde? — perguntou Nico, sonolento.
— Tá lá com o Dono. O Tilápia passou aqui rapidinho pra me contá.
— Caralho! Isso que dá ter tanto fogo no rabo.
— Eu sei a filha que tenho, mas não desejo isso pra ela.
— Tá, dexa eu pô uma rôpa.
Os dois saíram em direção ao "palácio" do chefão do tráfico do morro, o famoso dono. Estava amanhecendo e conseguiam ver bem o caminho. A tal casa não era tão próxima a deles, precisaram andar uns 500 metros até chegar, Os olheiros, ocultos pelos telhados e atrás de árvores, não perdiam o coveiro e seu sobrinho de vista, sabiam que podia haver confusão.
Chegaram próximo a casa e foram barrados, mais pelos fuzis do que pelos rapazes que os seguravam. Aqueles dois não tinham muito porte, mas eram tidos como bandidos sanguinários.
— E aí, cova?
— Vim buscar Shirley e falá com o Hebreu — que era o verdadeiro nome do dono e poucos conheciam.
Um dos caras pegou um aparelho de rádio e falou com alguém na casa e autorizaram a entrada, mas só do coveiro.
— Tu é parcero, cova, pode entrá, mas tu, cara de bunda, fica.
Nico foi barrado pelo tio, pois quase meteu um soco na cara do falador.
— Eu vô lá, tenho umas conta pá acertá.
O Coveiro foi, não era qualquer pessoa, era respeitado pelo serviço que realizava e ninguém queria ocupar aquela função. Entrou na casa e logo avistou Shirley largada em um sofá. Pela posição em que estava, jogaram ela ali desacordada.
— E aí, cova, qual é? — perguntou o Dono.
— Vim pegá essa coisa que ainda é minha filha.
— Foi ela que veio atrás. — justificou-se o marginal.
— Não terá próxima…
— Tá curtindo com minha cara ou tá afim de capotar? — Levantou-se o Dono, colocando o cano da pistola na cara do coveiro.
O coveiro achou a cena engraçada e riu, ofendendo mais o Dono.
— Tá curtino co'a minha cara?
— Se aquiete, home. É que imaginei quem ia enterrá meu corpo.
Aí até o Dono riu também.
— Tá certo — se afastou e apontou com a pistola, uma poltrona —, sentaí.
O coveiro se sentou e começaram a entabular uma conversa amigável.
— A pessoa que mais confio aqui é você, cova. Tua filha tá só drogada, foi o único jeito de pará ela, saco?
— Agradecido. Mas quero te passá a real. Só eu sei onde é o cemitério, só eu tenho o maps, na minha cabeça. Preciso ir agora, levar essa cadela pra casa. É igualzinho a mãe.
— Tendi o recado. Valeu. Tu tá seguro.
— Vê se não conta prá ninguém e fica tudo certo.
— Tá com medinho, cova?
— Tú que tem que tê medo, não eu.
O Dono olhou para ele de cara amarrada, mas não falou nada, sabia que o velho tinha razão. O que mais tinha era concorrente querendo tomar o morro dele, sem contar a polícia, que tava cada vez mais exigente. Ficou olhando o pai colocar a filha no ombro, como um dos defuntos que costuma carregar e sair.
Ninguém sabia da tramas do Dono, só o coveiro. Quando as drogas e armas chegavam, passava pelos olheiros e até chegar ao dono, diminuíam os seguranças, ficando só os dois que carregavam. Esses dois eram, normalmente, moradores do morro ou adjacências e eram calados logo depois de colocarem a carga na carroça. Isso era feito em um platô, no alto do morro, onde ninguém conseguia ver.
Só o Dono e o coveiro seguiam com os peões, como eram chamados pelo dono e ao terminarem o serviço, o próprio Dono os despachava e eram enrolados em panos de sacos e postos na carroça, sobre a lona que cobria as drogas. Na madrugada, pois tudo era feito a noite, a carroça seguia pela rua, que antigamente era só uma trilha, até o local do cemitério que só ele conhecia. Ali ficavam todos os segredos do Dono.
Chegando com Shirley, no local onde Nico esperava, passou a filha para ele e foram embora.
— Tá só drogada.
— Tá. E aí?
— Dei o recado.
Não precisavam falar mais nada, se entendiam sem palavras. Quando foi para descer o morto até a casa, cada um segurou uma ponta do corpo desmaiado, dividindo o peso e após deitarem ela, o tio amarrou a filha à própria cama.
— Vai sê difícil quando ela acordá, mas é melhor assim.
— Tá certo, tio. Vou tomar banho e me arrumar para o trabalho.
— E eu vô descansá, mereço.
Nico sabia que o carregamento chegou na noite anterior e era duro para seu tio fazer tudo sozinho, por isso o Dono queria tanto que eu entrasse para seu bando, queria treinar alguem para ajudar o coveiro e depois ficar em seu lugar. Mas Nico tinha um sonho, o de ser médico e sair daquela vida.
— Então chegou e deu tudo certo?
— Claro, com aquele louco, sempre é dá ou morre. — responde o tio, se arrastando para seu quarto.
— Vai descansá, tio.
Nico estava tentando falar corretamente, mas quando estava com seu tio, acabava falando igual. Seu tio o criou desde que seus pais morreram atropelados por um doido, que fugiu do local sem socorrer ou ser identificado. Ele tinha só cinco anos e absorveu a fala do tio, que come o r do final das palavras.
Ele tomou banho, se arrumou e saiu. Desceu o morro e passou pela casa da tia Candoca, irmã do tio, pata filar o café.
— Oi, querido, veio tomar café, né?
— Bença, tia. A senhora é minha heroína.
— Deus te abençoe, garoto. Senta aqui, vai. Como tá tudo por lá?
— Sabe como é, o tio com aquele trabalho, é parada dura.
— Sinceramente, não sei o que é mais pesado pra ele, o trabalho ou aquela filha destrambelhada. Sinto pena do meu irmão.
Nico ficou calado, era melhor assim. Comeu, beijou a tia e foi para o trabalho no posto.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
ledo engano , vcs não sabem mas tem um mocinha do asfalto que observa o morro da sua janela, só não sabe o que levam mas já os viu empurrando a carraço e a última vez viu a carroça descendo morro abaixo por causa da chuva...🤦
2024-08-30
0
Celia Chagas
Tadinho eu tenho peninha dele 😢😢
2024-05-11
1
maria eva
rapaz,a estória da carroça é verdade
2024-01-24
2