Nico viu novamente a branquinha entrando no ônibus, ela parecia tão inocente e desprotegida. Já tinha visto ela no cursinho, mas ela entrava sem olhar ou falar com ninguém. Mas hoje ela parece diferente, parece arisca, como se sentisse medo de algo. Sentiu uma enorme vontade de protegê-la, afinal, ele bem conhecia os perigos desse mundo.
Desceram no mesmo ponto e ele percebeu que ela também estava de olho nele, deve ter percebido seu interesse, mas não havia nada de sentimental, embora ela fosse gatinha. Foi seguindo-a de perto e entraram na mesma sala e ele foi lá para a última fileira e ela sentou-se como sempre, na frente.
Ela não era alta, estava mais para baixa. Era magra sem ser esquelética, tinha cabelos e olhos castanhos. O cabelo por ser curto e bagunçado, dava-lhe um aspecto de moleca e embora não tenha visto muito ela sorrir, quando isso acontecia, a sala se iluminava. Hoje parece que finalmente ela me notou e durante as aulas, olhou para trás duas vezes.
Terminada a aula, seguimos para o ponto de ônibus, que ficava quase em frente ao cursinho. Ela andava rápido e eu a segui, mantendo um pouco a distância para não assustá-la e pegamos o mesmo ônibus. Essa era nossa rotina diária, desde que as aulas do cursinho começaram, mas só hoje ela me notou, o que aconteceu de diferente, para ela me notar e parecer temerosa?
Vi ela descer do ônibus, em um ponto anterior ao batalhão e fiquei prestando atenção para onde ia. Me tranquilizei ao perceber que ela morava em um lugar mais seguro. Desci dois pontos depois e fui subir a penitência para chegar em casa. A penitência é o nome da ladeira que precisamos subir, é uma rua até que larga, a primeira da comunidade, logo depois do hipermercado.
Era de barro, mas alguns moradores se reuniram e jogaram uma água de cimento nela, mas a chuva já levou vários pedaços dela. Mesmo assim, está melhor. Sobe reta e bem íngreme por uns trinta metros e termina em um pequeno platô, do lado direito de quem sobe, tem a parede alta do fundo de uma oficina de troca de pneus e balanceamento de rodas e do lado esquerdo, descendo uns degraus, chega-se ao quintal de várias casas de tijolos aparentes, construídas de qualquer maneira e com várias crianças brincando com uma bola e um cachorro.
Continuando a subida, agora fica bem acidentada e difícil, mas ali tinham casas maiores, embora construídas com diversos materiais. Haviam desde barracos de madeira, até alvenaria. Nico continuou subindo, passando por entre casas até chegar a escada de cimento que levava a sua casa, ou melhor, a casa do seu tio.
Chegou lá, dando graças a Deus, estaba cansado, ainda por causa do servicinho de ontem. A casa era de alvenaria, uma das primeiras a ser construída naquele lugar, quando não havia quase ninguém e nem tráfico. Foi construída pelo avô dele com as próprias mãos. Tinha uma varanda com mureta e colunas, que ocupava a frente toda da construção. Pena que depois que os avós morreram, nunca mais ela recebeu manutenção, então parecia que ia cair.
Entrou e deu boa noite para seu tio que assistia televisão.
— Foi lá?
— Sim. Seu dinheiro tá aqui. — passou algumas notas para Nico, que não reclamou.
O coitado trabalhava feito burro de carga para aquele Dono, não seria ele a lhe aumentar a carga, mesmo porquê Shirley ja fazia isso pelos dois.
Por falar na "cadela", ela entrou rebolativa, dentro de um shortinho mínimo e com o sutiã pequeno de um biquíni, que não cabia mais nela há muito tempo. Nico nem deu bola, foi até a cozinha ver se tinha comida e havia uma panela com macarrão e ele não se fez de rogado e comeu bem.
— Como tá lá no estudo? — gritou seu tio da sala.
— Tô bem.
— Cê acha que Shirley conségui?
— Nem dá ideia. Ela num precisa agora, espera eu terminar, daí ela vai.
Tinha certeza que aquela galinha só queria fazer cursinho, pra ciscar o terreiro dele. Lavou o prato, colocou no escorredor e foi para o quarto descansar a carcaça, finalmente. Trancou a porta e colocou uma cadeira para ajudar a deter a safada e não ser perturbado. Deitou de costas, olhando para o forro de madeira comido de cupim, mas sem enchergar.
Só conseguia pensar na branquinha e seu rostinho de anjo moleca. Riu sozinho sde si mesmo. Porque cargas d'água estava pensando nela? Seus mundos eram muito diferentes. A começar pela cor, ela era o leite, ele o café; ela morava no plano e ele no ingrime; ela parecia toda certinha e ele era todo torto para poder sobreviver.
— Tô lascado.
Acabou dormindo pelo cansaço.
**
Leticia chegou em casa naquela noite e sua mãe a esperava com o jantar na mesa.
— Puxa mãe, a senhora é demais. Obrigada.
As duas sentaram para comer, feijão, arroz, bife a milanesa, purê de batatas e salada de alface. Leticia comeu com gosto, era sua comida preferida e ficou feliz e satisfeita.
— A senhora é a melhor mãe do mundo! — falou ela com os braços abertos indo abraçar sua mãe.
— Você é minha alegria, filha. Tudo que me restou nessa vida e quero o melhor pra você.
— Vou ser uma grande médica, mãe e você terá muito orgulho de mim.
— Eu tenho certeza que sim.
— Vou tomar um banho, para depois dormir, mas antes, quero lhe contar algo.
Letícia contou tudo que soube através de sua colega e sua mãe deu risada.
— Você acreditou, filha. Isso é fofoca maledicente de quem não tem o que fazer. Não deixe as pessoas te amedrontarem, você é inteligente o suficiente para saber que não se deve acreditar em tudo que se ouve.
Sua mae foi até ela e a abraçou mais uma vez e sentiu que ela se acalmou. Só então Letícia foi tomar seu banho. Enquanto a água caia sobre seu corpo, lembrou o quanto foi tola ao ficar desconfiada daquele rapaz. Ele só estava fazendo o mesmo que ela, indo para o cursinho, se preparando para um futuro melhor.
Tomou uma decisão, se no dia seguinte encontrasse com ele novamente, sorriria. Era o melhor que podia fazer como pedido de desculpa por ter sido tão medrosa e desconfiada. Vê se pode? Acreditar em um coveiro do tráfico, que anda com uma carroça cheia de corpos sobre o topo do morro, indo para um cemitério clandestino, na frente de quem quisesse ver.
Só na minha cabeça mesmo.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
como dizem "quando o povo fala ou foi ou é ou será" vigiar e ficar atento não faz mal a ninguém e evita aborrecimento no futuro...
nem tudo que parece ser é de fato com o que parece, assim como nem tudo que é de fato , parece ser🤔 só sabemos quem é quem se ele nos permiti o conhecer e o que nos permitir conhecer...
2024-08-30
0
Celia Chagas
Eita que esses dois são sei não 😳😳
2024-05-11
1
maria eva
vai saber se não é verdade kkkk
2024-01-24
2