Capítulo 3. Dois Mundos

Nico viu novamente a branquinha entrando no ônibus, ela parecia tão inocente e desprotegida. Já tinha visto ela no cursinho, mas ela entrava sem olhar ou falar com ninguém. Mas hoje ela parece diferente, parece arisca, como se sentisse medo de algo. Sentiu uma enorme vontade de protegê-la, afinal, ele bem conhecia os perigos desse mundo.

Desceram no mesmo ponto e ele percebeu que ela também estava de olho nele, deve ter percebido seu interesse, mas não havia nada de sentimental, embora ela fosse gatinha. Foi seguindo-a de perto e entraram na mesma sala e ele foi lá para a última fileira e ela sentou-se como sempre, na frente.

Ela não era alta, estava mais para baixa. Era magra sem ser esquelética, tinha cabelos e olhos castanhos. O cabelo por ser curto e bagunçado, dava-lhe um aspecto de moleca e embora não tenha visto muito ela sorrir, quando isso acontecia, a sala se iluminava. Hoje parece que finalmente ela me notou e durante as aulas, olhou para trás duas vezes.

Terminada a aula, seguimos para o ponto de ônibus, que ficava quase em frente ao cursinho. Ela andava rápido e eu a segui, mantendo um pouco a distância para não assustá-la e pegamos o mesmo ônibus. Essa era nossa rotina diária, desde que as aulas do cursinho começaram, mas só hoje ela me notou, o que aconteceu de diferente, para ela me notar e parecer temerosa?

Vi ela descer do ônibus, em um ponto anterior ao batalhão e fiquei prestando atenção para onde ia. Me tranquilizei ao perceber que ela morava em um lugar mais seguro. Desci dois pontos depois e fui subir a penitência para chegar em casa. A penitência é o nome da ladeira que precisamos subir, é uma rua até que larga, a primeira da comunidade, logo depois do hipermercado.

Era de barro, mas alguns moradores se reuniram e jogaram uma água de cimento nela, mas a chuva já levou vários pedaços dela. Mesmo assim, está melhor. Sobe reta e bem íngreme por uns trinta metros e termina em um pequeno platô, do lado direito de quem sobe, tem a parede alta do fundo de uma oficina de troca de pneus e balanceamento de rodas e do lado esquerdo, descendo uns degraus, chega-se ao quintal de várias casas de tijolos aparentes, construídas de qualquer maneira e com várias crianças brincando com uma bola e um cachorro.

Continuando a subida, agora fica bem acidentada e difícil, mas ali tinham casas maiores, embora construídas com diversos materiais. Haviam desde barracos de madeira, até alvenaria. Nico continuou subindo, passando por entre casas até chegar a escada de cimento que levava a sua casa, ou melhor, a casa do seu tio.

Chegou lá, dando graças a Deus, estaba cansado, ainda por causa do servicinho de ontem. A casa era de alvenaria, uma das primeiras a ser construída naquele lugar, quando não havia quase ninguém e nem tráfico. Foi construída pelo avô dele com as próprias mãos. Tinha uma varanda com mureta e colunas, que ocupava a frente toda da construção. Pena que depois que os avós morreram, nunca mais ela recebeu manutenção, então parecia que ia cair.

Entrou e deu boa noite para seu tio que assistia televisão.

— Foi lá?

— Sim. Seu dinheiro tá aqui. —  passou algumas notas para Nico, que não reclamou.

O coitado trabalhava feito burro de carga para aquele Dono, não seria ele a lhe aumentar a carga, mesmo porquê Shirley ja fazia isso pelos dois.

Por falar na "cadela", ela entrou rebolativa, dentro de um shortinho mínimo e com o sutiã pequeno de um biquíni, que não cabia mais nela há muito tempo.  Nico nem deu bola, foi até a cozinha ver se tinha comida e havia uma panela com macarrão e ele não se fez de rogado e comeu bem.

— Como tá lá no estudo? — gritou seu tio da sala.

— Tô bem.

— Cê acha que Shirley conségui?

— Nem dá ideia. Ela num precisa agora, espera eu terminar, daí ela vai.

Tinha certeza que aquela galinha só queria fazer cursinho, pra ciscar o terreiro dele. Lavou o prato, colocou no escorredor e foi para o quarto descansar a carcaça, finalmente. Trancou a porta e colocou uma cadeira para ajudar a deter a safada e não ser perturbado. Deitou de costas, olhando para o forro de madeira comido de cupim, mas sem enchergar.

Só conseguia pensar na branquinha e seu rostinho de anjo moleca. Riu sozinho sde si mesmo. Porque cargas d'água estava pensando nela? Seus mundos eram muito diferentes. A começar pela cor, ela era o leite, ele o café; ela morava no plano e ele no ingrime; ela parecia toda certinha e ele era todo torto para poder sobreviver. 

— Tô lascado.

Acabou dormindo pelo cansaço.

**

Leticia chegou em casa naquela noite e sua mãe a esperava com o jantar na mesa.

— Puxa mãe, a senhora é demais. Obrigada.

As duas sentaram para comer, feijão, arroz, bife a milanesa, purê de batatas e salada de alface. Leticia comeu com gosto, era sua comida preferida e ficou feliz e satisfeita.

— A senhora é a melhor mãe do mundo! — falou ela com os braços abertos indo abraçar sua mãe.

— Você é minha alegria, filha. Tudo que me restou nessa vida e quero o melhor pra você. 

— Vou ser uma grande médica, mãe e você terá muito orgulho de mim.

— Eu tenho certeza que sim.

— Vou tomar um banho, para depois dormir, mas antes, quero lhe contar algo.

Letícia contou tudo que soube através de sua colega e sua mãe deu risada.

— Você acreditou, filha. Isso é fofoca maledicente de quem não tem o que fazer. Não deixe as pessoas te amedrontarem, você é inteligente o suficiente para saber que não se deve acreditar em tudo que se ouve.

Sua mae foi até ela e a abraçou mais uma vez e sentiu que ela se acalmou. Só então Letícia foi tomar seu banho. Enquanto a água caia sobre seu corpo, lembrou o quanto foi tola ao ficar desconfiada daquele rapaz. Ele só estava fazendo o mesmo que ela, indo para o cursinho, se preparando para um futuro melhor.

Tomou uma decisão, se no dia seguinte encontrasse com ele novamente, sorriria. Era o melhor que podia fazer como pedido de desculpa por ter sido tão medrosa e desconfiada. Vê se pode? Acreditar em um coveiro do tráfico, que anda com uma carroça cheia de corpos sobre o topo do morro, indo para um cemitério clandestino, na frente de quem quisesse ver.

Só na minha cabeça mesmo.

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Comments

Maria Helena Macedo e Silva

Maria Helena Macedo e Silva

como dizem "quando o povo fala ou foi ou é ou será" vigiar e ficar atento não faz mal a ninguém e evita aborrecimento no futuro...
nem tudo que parece ser é de fato com o que parece, assim como nem tudo que é de fato , parece ser🤔 só sabemos quem é quem se ele nos permiti o conhecer e o que nos permitir conhecer...

2024-08-30

0

Celia Chagas

Celia Chagas

Eita que esses dois são sei não 😳😳

2024-05-11

1

maria eva

maria eva

vai saber se não é verdade kkkk

2024-01-24

2

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1. Tempestade
2 Capítulo 2. Verdade ou Fofoca
3 Capítulo 3. Dois Mundos
4 Capítulo 4. O Dono
5 Capítulo 5. Sorriso
6 Capítulo 6. Assanhada
7 Capitulo 7. Surra
8 Capítulo 8. Tentativa
9 Capítulo 9. Morro Fechado
10 Capítulo 10. Suspeita
11 Capítulo 11. Amizade
12 Capítulo 12. Bem Próximo
13 Capítulo 13. Interrogatório
14 Capítulo 14. Escape
15 Capítulo 15. Patrulha
16 Capítulo 16. Espiadinha
17 Capítulo 17. Normalidade
18 Capítulo 18. Permissão
19 Capítulo 19. Coisa Estranha
20 Capítulo 20. Estudo
21 Capítulo 21. Invasão
22 Capítulo 22. Palavra de Ordem
23 Capítulo 23. Segredos
24 Capítulo 24. Informações
25 Capítulo 25. Fuzuê
26 Capítulo 26. Encontro
27 Capítulo 27. Faculdade
28 Capítulo 28. Pediatria
29 Capítulo 29. Pai
30 Capítulo 30. O Dono
31 Capítulo 31. Negociação
32 Capítulo 32. Espião
33 Capítulo 33. Retorno
34 Capítulo 34. Tempo
35 Capítulo 35. Correria
36 Capítulo 36. Noite de Núpcias
37 Capítulo 37. De Novo?
38 Capítulo 38. Decisões
39 Capítulo 39. A Firma
40 Capítulo 40. Amor
41 Capítulo 41. Dia Seguinte
42 Capítulo 42. Doce Letícia
43 Capítulo 43. Nova Tentativa
44 Capítulo 44. Sogra
45 Capítulo 45. Revelação
46 Capítulo 46. Doces ou Travessuras
47 capítulo 47. Revide
48 Capítulo 48. Surgiu
49 Capítulo 49. Luto
50 Capítulo 50. Espera
51 Capítulo 51. Perseguição
52 Capítulo 52. Nova Dona
53 Capítulo 53. Segurança
54 Capítulo 54. Resultado
55 Capítulo 55. Invasão
56 Capítulo 56. Insinuações
57 Capítulo 57. Gravidez
58 Capítulo 58. Vovó
59 Capítulo 59. Nova Moradia
60 Capítulo 60. Retribuição
61 Capítulo 61. Armadilhas
62 Capítulo 62. Canarinho
63 Capítulo 63. Martírio
64 Capítulo 64. O Bicho
65 Capítulo 65. Perseguição
66 Capítulo 66. Fechando o Cerco
67 Capítulo 67. A Carta
68 Capítulo 68. Comoção
69 Capítulo 69. Novo Infiltrado
70 Capítulo 70. Infelizmente
71 Capítulo 71. Final
72 Capítulo 72. Epílogo
73 Doce Amor e Ação
Capítulos

Atualizado até capítulo 73

1
Capítulo 1. Tempestade
2
Capítulo 2. Verdade ou Fofoca
3
Capítulo 3. Dois Mundos
4
Capítulo 4. O Dono
5
Capítulo 5. Sorriso
6
Capítulo 6. Assanhada
7
Capitulo 7. Surra
8
Capítulo 8. Tentativa
9
Capítulo 9. Morro Fechado
10
Capítulo 10. Suspeita
11
Capítulo 11. Amizade
12
Capítulo 12. Bem Próximo
13
Capítulo 13. Interrogatório
14
Capítulo 14. Escape
15
Capítulo 15. Patrulha
16
Capítulo 16. Espiadinha
17
Capítulo 17. Normalidade
18
Capítulo 18. Permissão
19
Capítulo 19. Coisa Estranha
20
Capítulo 20. Estudo
21
Capítulo 21. Invasão
22
Capítulo 22. Palavra de Ordem
23
Capítulo 23. Segredos
24
Capítulo 24. Informações
25
Capítulo 25. Fuzuê
26
Capítulo 26. Encontro
27
Capítulo 27. Faculdade
28
Capítulo 28. Pediatria
29
Capítulo 29. Pai
30
Capítulo 30. O Dono
31
Capítulo 31. Negociação
32
Capítulo 32. Espião
33
Capítulo 33. Retorno
34
Capítulo 34. Tempo
35
Capítulo 35. Correria
36
Capítulo 36. Noite de Núpcias
37
Capítulo 37. De Novo?
38
Capítulo 38. Decisões
39
Capítulo 39. A Firma
40
Capítulo 40. Amor
41
Capítulo 41. Dia Seguinte
42
Capítulo 42. Doce Letícia
43
Capítulo 43. Nova Tentativa
44
Capítulo 44. Sogra
45
Capítulo 45. Revelação
46
Capítulo 46. Doces ou Travessuras
47
capítulo 47. Revide
48
Capítulo 48. Surgiu
49
Capítulo 49. Luto
50
Capítulo 50. Espera
51
Capítulo 51. Perseguição
52
Capítulo 52. Nova Dona
53
Capítulo 53. Segurança
54
Capítulo 54. Resultado
55
Capítulo 55. Invasão
56
Capítulo 56. Insinuações
57
Capítulo 57. Gravidez
58
Capítulo 58. Vovó
59
Capítulo 59. Nova Moradia
60
Capítulo 60. Retribuição
61
Capítulo 61. Armadilhas
62
Capítulo 62. Canarinho
63
Capítulo 63. Martírio
64
Capítulo 64. O Bicho
65
Capítulo 65. Perseguição
66
Capítulo 66. Fechando o Cerco
67
Capítulo 67. A Carta
68
Capítulo 68. Comoção
69
Capítulo 69. Novo Infiltrado
70
Capítulo 70. Infelizmente
71
Capítulo 71. Final
72
Capítulo 72. Epílogo
73
Doce Amor e Ação

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