No dia seguinte a tempestade, Nico levantou cedo e foi para o posto de gasolina, que fica no hipermercado, colado ao morro, só que fora da comunidade. Esse hipermercado, fica de frente para a avenida principal, que tem duas pistas largas, com um canteiro no meio. De frente para ele, está a delegacia de polícia. É ela que vigia o morro, mas não dá uma dentro há um bom tempo.
Nico aproveita os minutos que ainda tem, para observar o movimento do inicio da manhã. De frente para a rua, do seu lado esquerdo, era a comunidade, ninguém dizia que era perigoso ou que havia um grande comércio de drogas ali, pois seguindo a rua, de um lado e do outro, haviam lojas. Um comércio abundante, com padarias, farmácias, lojas de ferragens e utensílios domésticos, móveis, brechós, igrejas, auto escola, ou seja, tinha de tudo.
Mas de uns anos para cá, ali virou zona de risco por causa do Dono, um rapaz sem alma ou coração, que adora ver sangue. Com ele era assim, bastava tremer, que os dardos zuniam de sua mão, fazendo seus homens de alvo. Nico olhou para o outro lado e pensou que a diferença era nítida. Pois dali em diante, depois do hiper, era a área militar.
A apenas 500 metros, tinha o batalhão da Polícia Militar, logo em seguida, o quartel da aeronáutica com seu centro de desportos, hospital, escola de preparação de soldados e a base militar, com as pistas de pouso e decolagem, torre de comando e hangar. Por trás desse espaço enorme, era o quartel do exército, com a brigada de paraquedistas e fuzileiros. Se estendia por muito mais distante, até o Gericinó, onde ficam guardados os armamentos, ou seja, todo material bélico dos militares.
Ali também tinha o campo de treino para tiros, tanto de armas pesadas, como as mais simples. Por trás daquele bairro, do lado contrário aos quartéis, ficava uma cadeia de montanhas, que fazem fundo ao bairro. Era de se acreditar que tudo isso seria o bastante para proteção do bairro e da comunidade, mas não era assim que acontecia. Talvez você se pergunte o por quê disso e a resposta está ali com Nico.
— E aí, rapaz, tudo em cima?
— Tudo, parça…
Nico ficou de frente ao policial, tendo o cuidado de que ninguém o visse pelas costas e que o corpo do policial o protegesse pela frente, então tirou a mão de dentro do bolso do casaco, segurando um pacote muito bem embrulhado e fingindo cumprimentar o policial, passou o pacote para o outro.
— Valeu, fera. Bom trabalho.
— Só mais uma coisa, a próxima não será mais eu. Vô nessa. — Saiu andando com molejo de malandro em direção ao posto de gasolina, que já ia abrir.
— Bom dia galera, é nós na área, aí!
— Bora trabalhá, cambada! — respondeu o gerente.
Assim começou o dia de Nico, que mal tinha dormido e estava moído, por causa de tanta queda na lama.
**
Enquanto isso, Letícia dormia. Só acordou depois das nove, com o cheirinho de café recém coado pela sua mãe. Arrumou-se depois de um bom banho pra despertar e foi tomar o café.
— Bom dia, mãe. Benção?
— Deus te abençoe, querida. O dia está pra lá de bom. É sempre assim, depois de uma tempestade..
— É verdade, parece que a chuva limpa tudo e intensifica as cores. O ar mais limpo, fica mais respirável e é muito bom.
Ela foi até a janela, experimentar o que acabou de falar e olhou para o morro e percebeu algo.
— Então, aconteceu mesmo?
— O que é, filha?
— Ontem, no meio da tempestade, caiu um raio lá em cima do morro— apontou para o alto do morro —, pensei ter visto uma carroça virando e despencando. Achei que era imaginação, mas lá está a carroça.
Alguns homens, não dava para ver bem de tão longe, estavam desvirando-a e ao invés de subirem, desceram e passaram no espaço entre o morro e o cemitério. Não dava mais para ver, mas ela ficou impressionada por aquela carroça estar lá em cima do morro, no dia anterior.
— Como podem ter chegado lá em cima do morro, com aquela carroça?
— Subiram pelo outro lado. Esqueceu que lá tem uma comunidade? Tem várias ruas e caminhos que facilitam chegar no topo. — falou a mãe.
Ela ficou mais um tempo ali, tomando café e comendo seu pão com queijo.
— O pão da padaria nova é gostoso, dá vontade de comer mais.
— Foi por isso que não comprei muito. — respondeu sua mãe, rindo.
Passou o restante da manhã verificando o material das aulas e saiu para trabalhar depois do almoço. Ao se aproximar da escolinha, que ficava próxima do condomínio, encontrou com outra professora e comentaram sobre a tempestade e Letícia comentou sobre a carroça. A colega parou onde estava e olhando para o morro, apontou e daquele lugar específico, dava para ver parte de um caminho de terra, como uma rua, no topo do morro.
Leticia ficou examinando aquele caminho que parecia seguir por toda a extensão do morro e ficou abismada por nunca ter notado.
— Como fizeram aquele caminho sem ninguém notar?
— É que ninguém fica vigiando o morro pra ver o que acontece nele, sua tonta.
— Não precisa me xingar. Pra que será que serve e pra onde será que vai?
— Tu é curiosa, heim. Dizem que uma carroça, vira e mexe, passa por lá, levando corpos de gente assassinada pelo Dono do morro. — contou séria, a colega.
— Cruz credo…— disse Letícia, fazendo o sinal da cruz.
Chegaram à escola e Letícia deixou o assunto de lado, mas sua curiosidade era muita. Havia pouco tempo que moravam ali, sua mãe comprou o apartamento por achar aquela área mais segura, mas depois de ouvir aquela história, parecia não ser tao segura assim.
As aulas encerraram às 17 horas e ela correu em casa, tomou um lanche e foi para o cursinho. Não relaxava com as aulas, pois queria muito passar pelas provas da faculdade pública e não era fácil. Poucas vagas e ainda tinha o sistema de cotas. Ainda bem que agora tinha o ENEM. Essas notas contam para entrar na faculdade pública. Como fez nos últimos três anos e se saiu bem, agora que vale como vestibular, acreditava que passaria, mas é melhor prevenir, estudando.
" Pela primeira vez, vou para o ponto de ônibus, com receio por causa da tal Comunidade. Mas não ficava tão perto assim, deve ser depois do hipermercado. É uma boa distância até lá, quando construíram o hiper, dizíamos que era penitência de pobre, pois ficava no alto e tinha que subir uma escadaria, atravessar o estacionamento e depois subir duas rampas. Chegamos lá em cima, exaustos. Mas para quem tem carro, é ótimo.
Chego ao ponto, ainda bem que é bem iluminado e fica em frente ao batalhão da Polícia. Me sinto mais segura. O ônibus chega e não está cheio, encontro logo um lugar para sentar. Percebi um rapaz olhando para mim, logo que entrei, ele estava no fundo do ônibus e não gostei dele me encarando. Descemos no mesmo ponto e fomos para o mesmo lugar. Pelo jeito, ele também tá fazendo cursinho." Pensava Leticia.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
era pra ser seguro mas infelizmente a corrupção estar em muitos profissionais em qualquer área seja na segurança, saúde, habitação etc
2024-08-30
0
Nazivania Dias Carvalho
eu vou ler
2024-06-07
1
Celia Chagas
Essa curiosidade não é bom não ainda mais nessas comunidades😏😏
2024-05-11
1