Sofia acordou no dia seguinte e, antes mesmo de abrir os olhos, sabia que estava sozinha na cama, uma vez que não sentia o calor dos braços do amado em volta de si. Tocou o lado em que o esposo dormia e o encontrou frio, provavelmente Marcus já havia se levantado há horas.
A mulher se levantou e foi se arrumar para mais um dia de trabalho. Quando desceu, alguns minutos mais tarde, encontrou o marido na cozinha, olhando para a tela do notebook. Ele tinha as mangas da camisa dobradas até os cotovelos, os cabelos desarrumados e um vinco na testa que demonstrava preocupação.
“Bom dia.” - ela disse, dando-lhe um beijo no rosto.
“Bom dia.”
“Acordou cedo.” - falou enquanto tirava o café que ele fizera da cafeteira.
“Sim.” – respondeu sem desviar o olhar da tela do computador.
Sofia o observou por cima da borda da xícara, ele parecia bastante concentrado e preocupado. Algo estava acontecendo. Ela se aproximou dele, puxou uma cadeira e se sentou. Encostou o rosto em seu ombro e disse:
“Diga-me o que está acontecendo.”
“Não está acontecendo nada.” - ele respondeu, ainda sem fitá-la.
“Marcus, eu sei que está preocupado. Algo está te incomodando. Por favor, me diga.”
“Nada está errado. Só estou ocupado.”
Ela levantou a cabeça e observou novamente. Sentiu-se magoada por ele não confiar nela. Não insistiria mais, o marido achava que ela não era confiável, então não ficaria ali se humilhando, por mais que quisesse ajudá-lo, tinha amor-próprio. Levantou-se, derramou o resto do café na pia, lavou a xícara e, antes que saísse da cozinha, disse:
“Se você não confia em mim, tudo bem. Vou te deixar em paz.” - ele, enfim, tirou os olhos da tela do notebook, talvez assustado pelo tom da voz dela, parecia magoado e triste – “Nós vemos à noite.” – saiu, ignorando os chamados do marido.
Naquele dia não fez questão de chegar cedo em casa. Dispensou a outra chef mais cedo e arrumou todo o restaurante para o dia seguinte. Há muito tempo não fazia isso, mas precisava pensar um pouco e ficar sozinha. O marido estava com problemas, mas não confiava nela o bastante para dividi-los.
Sofia acreditava que o casamento era feito para compartilhar, não só momentos bons, mas também os ruins. Ela falava tudo para ele, contava até os minúsculos problemas que tinha na cozinha, mas agora sabia que Marcus não fazia o mesmo.
Sempre imaginou que os dois, além de marido e mulher, eram os melhores amigos, mas agora tinha dúvidas sobre isso.
Chegou em casa e subiu as escadas, desanimada. Em dois anos de casamento, poucas vezes se desentenderam e aquela era a primeira vez que Sofia sentia que o marido não estava sendo sincero com ela. Ele escondia algo, ela sabia disso, mas ele não queria compartilhar com ela.
Quando entrou no quarto, Marcus estava sentado na cama, vestindo pijama, esperando por ela.
“Você demorou.” - ele disse, a voz cheia de preocupação.
Sofia não respondeu, estava realmente magoada. Pegou seus objetos de higiene e foi para o banheiro. Trancou-se e fez tudo com muita calma, não tinha pressa para enfrentá-lo.
“Você não vai falar comigo?” - Marcus perguntou quando ela voltou para o quarto, já trajando o pijama, pronta para dormir.
“Não tenho nada o que falar.” – disse enquanto se deitava na cama. Cobriu-se e virou para o lado oposto, dando as costas ao marido. Ela sentiu o momento em que ele se aproximou e deu-lhe um beijo no topo da cabeça.
“Me desculpe, eu sou um idiota.”
Sofia permaneceu calada, não seria convencida tão facilmente.
“Eu estava olhando algumas ações e te tratei mal.” - ele disse – “Você está certa. Estou com problemas na empresa.”
Ela não se virou, nem um centímetro, embora seus ouvidos estivessem bem alertas para o que o marido falava.
“O contador percebeu inconsistência nas contas da empresa. Acreditamos que um dos sócios esteja nos enganando.” – ele suspirou – “Ainda não descobrimos quem é e nem qual o valor exato do problema.”
Ela se mexeu, virou de frente para o marido e o encarou, muito séria e confusa.
“E por que você acha que eu não poderia saber disso?”
“Sofia, há risco de que a empresa entre em falência. Não sabemos a dimensão do dano.”
“Então, você acha que eu não vou mais te amar se você perder a empresa?” - perguntou, ofendida.
“Sofia…” – ele suspirou, mas a mulher não deixou que ele terminasse.
“Marcus, não me importa sua riqueza.” - ela disse, séria – “Eu te amaria mesmo que você morasse numa caixa de papelão. O que me ofende é sua insegurança quanto à minha lealdade. Sou leal a você, não ao seu dinheiro.” - ela se virou e fechou os olhos. Sentiu as lágrimas molhando sua face e ignorou as tentativas de Marcus de conversar.
Não queria ouvir as desculpas dele. Ele a ofendera pensando que ela era uma interesseira.
Adormeceu depois de chorar muito.
No dia seguinte, Sofia acordou antes do marido. Ela ainda se sentia profundamente ofendida, então se arrumou o mais silenciosa possível e saiu de casa, sem nem mesmo tomar café. Foi para o restaurante e ajudou os empregados do período matutino com os pratos de café da manhã.
“Sra. Sofia, há um cliente que quer falar com você.” - o garçom disse – “Ele diz que os ovos não estão do jeito que ele pediu.”
Sofia jogou o avental no balcão e saiu com raiva. Quando chegou na mesa, era aquele mesmo homem que falara com ela antes. Ele tinha os cabelos castanho-claro um pouco longos, quase na altura dos ombros. Seu rosto era liso, sem pelos, e um sorriso malicioso estava estampado em seu rosto.
Sofia conteve o ímpeto de revirar os olhos ao vê-lo novamente e foi até o homem.
“Bom dia.” - ele disse.
“Como o senhor desejava seu prato?” – perguntou, direta, sem tempo para frescuras.
“O prato está uma delícia. Falei isso para seu garçom, porque sabia que você viria.” - ele riu – “Não consegui esquecer esse restaurante desde o dia em que vim aqui.” – ele piscou um olho – “Não consegui esquecer a cozinheira do local.”
Sofia cruzou os braços na altura do peito e disse:
“Senhor, aproveite sua refeição. Tenho coisas a fazer na cozinha. Não tenho tempo para ficar aqui ouvindo essas coisas.”
“Espere.” - ele segurou sua mão – “Saia comigo.”
Sofia soltou a mão e disse, com raiva:
“Eu sou casada, senhor, como já lhe falei. Por favor, não insista. Aproveite sua refeição.” - e saiu, sem deixá-lo falar mais.
Sofia saiu para os fundos do restaurante e respirou fundo. Aquele homem era muito inconveniente, ela não aceitava aquele tipo de falta de respeito. Mesmo chateada com o marido, não dava oportunidade para que nenhum outro homem fosse desrespeitoso. Estava tentando se acalmar quando sentiu braços fortes lhe envolverem por trás e, então, sem pensar, deu-lhe um golpe nas partes baixas.
Virou-se e viu Marcus, seu marido, dobrado para frente, se torcendo de dor.
“Desculpe.” – falou, tentando ajudá-lo.
“Meu Deus, por que você fez isso?” – perguntou, ofegante.
“Eu pensei que era outra pessoa.”
Marcus se ergueu no mesmo instante em que ouviu aquilo.
“Quem?”
Os dois se encararam e Sofia sabia que o marido poderia ser bem ciumento, ela não queria que o homem se metesse em qualquer situação que o complicasse, por isso desconversou.
“Não sei. Qualquer um, você nunca vem aqui, como poderia adivinhar que era você?” – falou – “Você acharia correto que eu me derretesse nos braços de alguém que chegasse por trás de mim, me abraçando?”
Ele a observou por alguns minutos, tentando decifrar se aquilo que ela falava era a verdade.
“Vim aqui para me desculpar, você saiu sem se despedir.” - ele se aproximou com as mãos no bolso, parecendo realmente arrependido – “Me perdoa, tudo fica sem sentido quando estamos assim. Eu não quero que você fique chateada comigo. Eu amo você, Sofia.”
Ela o abraçou, em silêncio. Inalou o perfume que vinha dele e sentiu-se mais calma. Não estava mais nem pensando no que acontecera de manhã, em casa, mas no que ocorrera há alguns instantes com o cliente inconveniente.
“Me desculpa pelo golpe.” - ela disse, a voz abafada pelo peito dele – “Eu me assustei.”
“Tudo bem.” - ele a beijou na testa – “Eu te amo, prometo que não vou deixar nada referente à empresa nos atingir.”
“Não esconda mais nada de mim, Marcus. Nós prometemos que nos ajudaríamos e apoiaríamos quando nos casamos.”
Ele assentiu e os dois selaram a paz com um beijo apaixonado.
“Eu preciso voltar para a cozinha.” – Sofia disse quando se separaram.
“Tudo bem.” – ele deu um beijo na testa da esposa – “Tenho que ir para a empresa. Nós estamos bem?” – perguntou, encarando os olhos verdes que ele tanto amava.
Sofia sorriu e assentiu. Os dois se abraçaram mais uma vez antes que Marcus fosse embora.
Tudo estava bem.
Por enquanto.
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Atualizado até capítulo 20
Comments
Solange Coutinho
Quem será esse homem que vai restaurante atrás dela?
2023-09-07
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Viviane Soldi
menina li uma de suas histórias (uma lição de amor) e fiquei apaixonada por sua forma de escrever, agora cá estou eu me deliciando com mais esta maravilha... mas sinto que esse marido dela está escondendo alguma coisa....
2023-06-25
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