ORLANDO (VOL. 2)

ORLANDO (VOL. 2)

Capítulo 1

...MESES DEPOIS…...

EU TAMBÉM PARTICIPAVA de um momento único — e importante — na vida do meu namorado. Neto foi promovido a capitão da Polícia Militar e, neste momento, está na cerimônia com outros policiais para receber a promoção. Ele estava vestido com a farda branca — e algumas medalhas na lapela —, usando a boina azul marinho. Lindo de doer. Tive que me controlar ao máximo para não gritar de empolgação, mas ele sabia que — por dentro — eu vibrava com essa conquista dele.

Não só por questão de classe. Outras mulheres e familiares estavam ali, do meu lado. Algumas até o conheciam o suficiente para que eu pudesse ouvir o inevitável:

— Quem é aquele menino que está ao lado da mãe do Neto? É um sobrinho? Irmão mais velho? — Uma mulher cochichava para a outra, que olhava para mim sem ao menos disfarçar.

— Que eu saiba, a Helô se divorciou de Neto — a outra comentava ainda olhando para mim. — E ela me contou o motivo.

Helô é a ex mulher do Neto.

— Qual?

Dei um olhar mais duro para a mulher que não parava de me encarar.

— Depois eu te conto — cochichou, voltando a atenção para a cerimônia. — Ele está olhando pra cá.

Voltei a olhar para o meu namorado, que acabou de se tornar capitão. Confesso que o orgulho que sentia não cabia dentro de mim. O brilho nos olhos dele também mexia comigo. Eu o acompanhei de perto o suficiente, durante os seis meses que passamos juntos, para entender o quanto aquela promoção era importante. Fiz questão de participar, claro. Adiantei todos os meus trabalhos para ficar uma semana de folga. Giane aprovou na hora.

Ele e eu comemoraremos aquele momento. Juntos.

Nunca pertenci tanto a alguém, como nunca tive alguém que fazia questão de pertencer a mim.

As inseguranças que eu sentia ao ouvir os comentários maldosos se tornavam pequenos diante do que a gente nutre um pelo outro.

— Está tudo bem, meu filho? — Dona Dita pegou no meu braço, olhando com cadência para mim. — Me parece um pouco chateado. O que aconteceu?

— Nada demais — olhei para as duas mulheres. Ela acompanhou o meu olhar.

— Não liga para essas duas megeras, não — cochichou ela num tom de brincadeira. Tive que sorrir.

Dona Dita, a minha futura sogra — segundo Neto —, é um amor de pessoa. Bastou algumas horas de visita para conquistá-la um pouco. Mas não demorou muito para que ela me considerasse como um filho. Ela pousou os cabelos platinados no meu ombro.

— Elas não gostam do diferente — concluiu. Dita tem sessenta e oito anos e uma mente futurista. Temia pelo filho e com quem se envolvesse com ele. — O importante é que você está aqui, prestigiando uma etapa da vida dele. Nada mais importa.

Verdade. E eu estava feliz.

...…...

DEPOIS DO DISCURSO DE PROMOÇÃO, houve uma sequência de tiros ao alto e gritos de guerra, além da orquestra — com seus instrumentos de sopro — tocando a marcha épica. Foi bonito acompanhar o momento em que os capitães saíam do pequeno palco no meio do campo de treinamento. O pôr do sol brilhava atrás de nós.

Todo mundo se reunia no gramado para tirar fotos, dar cumprimentos e congratulações entre si. Fui em direção ao Neto junto com a Dita, que segurava em volta do meu braço — olhando ao redor do campo.

— É lindo isso aqui, não é? — Disse ela, com empolgação.

— Lindo é aquele ali, também — brinquei, apontando para ele.

Uma das mulheres que cochichavam passou por mim, olhando com desdém. Mas parou, falando com a senhora que estava me acompanhando.

— Dona Dita!

— Solange!

Ah, o nome da mulher de cabelos pretos — e com aparência de meia idade — é Solange. Anotado.

— Como a senhora está? — Perguntou ela. Senti um tom forçado de empolgação.

— Muito bem, obrigada. E você? Cadê Ivone?

— Ah, está logo ali — apontou para a mulher que estava ao meu lado. E elevou a voz: — Ivone! Vem aqui! — Acenou.

Esse encontrinho estava ficando legal…

— Dona Dita! — Ivone, uma mulher loura com olhos castanhos, lembrou-me um pouco a minha mãe com o mesmo olhar de desdém para mim. E continuou: — Estava esperando falar com a senhora por aqui, saber como está se sentindo…

— Eu me sinto ótima, graças a Deus — disse. Pegou no meu braço de volta, surpreendendo o pequeno semicírculo: — Vocês conhecem o meu genro?

As duas ficaram surpresas — os olhos arregalados. Demoraram um pouco para reagir. Confesso que foi uma delícia ver aquilo.

— Que bacana! — Solange reagiu primeiro.

— Sim, bacana! — Ela deu uma batidinha no meu ombro. — Esse menino é de ouro! Melhor ser humano que pude conhecer na vida. Além de meu genro, é meu filho.

Houve um momento de silêncio constrangedor entre as duas.

— A gente precisa sair — disse Dita. — Tchau pra vocês duas!

Nós continuamos o caminho.

E não pude deixar de ouvir:

— Você viu isso, Solange? — A senhora loura falava pela primeira vez. — Viu essa aberração na nossa frente? Que mundo perdido! O fim dos tempos chegou.

— É, minha querida… — Solange me encarava. — Um homem tão bonito como o Neto, com um casamento perfeito… Jogou tudo pro alto pra ficar com um gay.

— Se fosse o meu marido… — Ivone balançou a cabeça. — Eu não perdoava e ainda processava.

— Tadinha da Helô — Solange jogou os cabelos para trás. — Ser trocada desse jeito.

— Você não vai contar pra ela — advertiu Ivone.

— Claro que não — Solange balançou a cabeça. — Já basta o fato de ter se casado com o homem errado esse tempo todo…

...…...

MÃE E FILHO SE ABRAÇARAM. Até que Dita me puxou de leve pelo braço para fazer o mesmo.

— Meu amor… — pousei a cabeça no ombro de Neto, que beijou a minha testa. — Como você é lindo todo uniformizado assim.

Passei a mão no peitoral dele, suavemente.

— Gostou? — Ele sorriu.

— Gostei.

— Agora sou oficialmente Capitão.

— Capitão Neto — explanei com as mãos no ar. O pôr-do-sol estava de tirar o fôlego. Ele riu.

— Seu Capitão também — tirou a boina para colocar na minha cabeça.

Ignorando os transeuntes ao nosso redor, Neto me deu um selinho demorado.

— Amo você — sussurrou.

— Eu amo mais — garanti.

— Estamos empatados — brincou, sorrindo.

Dita nos observava, sorrindo.

— Vocês precisam se casar logo — disse.

Eu e ele rimos.

— A gente vai se casar sim, dona Dita — garantiu Neto.

...…...

UMA HORA DEPOIS, voltamos para o apartamento dele. A noite estava linda demais — ou estou feliz demais com a experiência que vivi durante o resto da tarde. Nunca me senti tão importante na vida de alguém desde… Sei lá, minhas memórias não alcançam tanto tempo assim.

— O que foi? — Ele veio por trás de mim para dar um abraço.

— Nada… — sorri, olhando a lua nova no céu. Peguei nos seus braços.

Neto beijou o meu pescoço.

— Quero dizer obrigado — começou. — Pelo que fez hoje.

Virei-me de frente.

— Eu amo você — coloquei as duas mãos no rosto dele. — Não pude me ver fora de um momento tão importante como hoje. Você sempre quis, sempre sonhou. É o mínimo que preciso fazer: mostrar o meu apoio.

Ele sorriu, dando-me um selinho.

— Mesmo assim, obrigado — disse.

Eu me aninhei no seu abraço.

— E eu também amo você… — sussurrou.

...…...

NÓS SAÍMOS DO RESTAURANTE — resolvemos comemorar com um jantar particular. Seguimos a pé, pelo bairro tranquilo e tipicamente urbano, em direção à casa dele. Estávamos de mãos dadas, na calçada, atravessando a pequena ponte — os poucos carros passavam por baixo de nós, as luzes, os semáforos, a noite, logo bem atrás de nós. Fora a brisa fresca que brincavam com as terminações nervosas da minha face. Eu realmente estava feliz. O relógio marcava quase meia-noite.

Paramos ali mesmo.

— Eu gosto de sentir a noite — disse ele, pensativo.

— Também tenho esse gosto peculiar — brinquei, segurando na barreira de concreto. O céu escuro estava bonito de tão estrelado.

— De vez em quando vem à tona esse… — ele parou como quem procura as palavras certas. — Esse meu lado sensível. Reflexivo.

Houve um momento de silêncio. Pousei a minha cabeça em seu ombro.

— Sabe o que uma noite como essa me faz pensar? — Comecei.

— O quê? — Neto beijou a minha testa.

— Uns dez… treze anos atrás… Eu me sentia bastante sozinho, olhando para a lua como aquela ali — apontei para o alto. — Também sentia uma incerteza agonizante quanto ao futuro, sabe… Tudo era muito intenso no meu mundo. Fora todas as questões que você já sabe que enfrentei.

— Eu sei — sussurrou ele. — Deve ter sido uma época muito difícil para viver naquela solidão.

— Sim. Muito difícil, pesado… Uma vida triste.

O semáforo alternava do vermelho para o verde — e três minutos depois subia para o amarelo até ficar vermelho outra vez. Nenhum carro passava ali. A noite estava vazia para nós dois.

Neto perguntou:

— Você tinha ideia de que, mais de dez anos depois, viveria diferente?

— Nunca — sorri. — Se o meu eu de hoje falasse de tudo para o meu eu do passado… Ele não acreditaria.

Ele me envolveu mais pela cintura.

— Você não está mais sozinho — prometeu.

— Muito menos você.

Encontrei os seus olhos verdes intensos e sorri.

— Eu estou muito feliz, sabia? — Peguei na mão dele.

Puxei-o pelo braço para o meio do asfalto, que não passava um veículo.

Não resisti a tentação de girar em volta, com os braços abertos, sentindo o êxtase — na verdade, nós bebemos algumas taças de vinho e estamos desinibidos e sensíveis. Queria sentir a noite de um jeito diferente ao lado do homem da minha vida.

Ele me observava com um sorriso.

— Você é doido, sabia? Sai daí — deu uma risada. — Sai daí antes que venha um carro...

— Vem me pegar — provoquei.

Ele mordiscou o lábio e veio na minha direção.

Surpreendeu-me quando me pegou pela cintura, levantando-me do chão.

Não pude controlar o meu riso. Nem ele, que começou a nos girar.

— Eu também estou muito feliz — sussurrou. As suas mãos afrouxaram para me colocar no chão. — De verdade. Você não faz ideia do quanto mexe comigo desde o começo…

Sorri, tocando no seu rosto.

— Obrigado — falei.

— Pelo quê, exatamente?

— Por me incluir na sua vida.

Ele beijou a minha testa.

— Amanhã vai ser um dia especial para nós dois — garantiu.

— Por quê? — Arqueei uma sobrancelha, curioso.

— É surpresa — deu um sorriso maroto.

Meu coração disparou de ansiedade por algo bom que certamente viria.

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Comments

Hilda F.P Marchesin

Hilda F.P Marchesin

Continuando Leitura Volume 02
30/11/2023 19:40 PM

2023-12-01

2

Clari😁

Clari😁

Ainda vivemos em um mundo perdido, sim, pois aí da existem pensamentos como esses povoando ele. Mas garanto que o futuro será diferente, estamos em evolução, mesmo que lentissima, mas constante.

2023-04-02

3

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