ADIANTEI O TRABALHO DO DIA SEGUINTE até às duas da manhã. Neto me ligou, avisando que não precisou continuar o plantão e saiu mais cedo. Ele chegaria aqui às três. São duas e quarenta e cinco e preparei um chocolate quente para nós dois.
Ouvi a campainha tocar assim que saí do banheiro, depois de lavar o rosto.
Abri a porta e ele voltou para mim. De novo. Meu coração aqueceu.
— Cheguei — sorriu. Fechou a porta atrás de si.
— Você sempre me diz que volta — coloquei a minha cabeça em seu peito.
Os braços dele me envolveram. Sua boca roçou na minha testa.
— E voltei — sussurrou.
— Como foi mais um dia de capitão?
— Bem, obrigado. Mas agora… — ele inclinou o meu rosto com um dedo — eu só quero saber de você.
Peguei na mão dele, conduzindo-o até a cozinha.
— Preparei uma bebida quente para nós.
— Já sei o que é…
Neto tirou a jaqueta preta e, em seguida, a camisa marrom. Por um segundo, contemplei o corpo que ficava em cima de mim quase todas as noites.
— Então… — comecei a servir a bebida nas duas canecas — vamos curtir um chocolate quente juntos.
— Vamos curtir o que você quiser.
Ele me olhava com intensidade. Depois de seis meses de namoro — e uns três dias de noivado — ainda não consegui superar o derretimento que os olhos dele causam em mim.
Sorri para o meu futuro marido.
...…...
— COMO FOI O RESTO DO DIA SEM MIM? — Brincou ele. Nós estávamos na cama, com as respectivas roupas de dormir, assistindo uma série na plataforma de streaming.
— Eu deixei um presbítero constrangido — soltei naturalmente.
— Como é? — Ele ficou surpreso. Foi engraçada a maneira que o cenho dele se franziu.
— Um ex-amigo veio me visitar para me converter de volta — comecei. Falei de Wesley para ele e da minha vida na igreja anterior. E do retiro também.
— Então ele te convidou para um retiro espiritual com a intenção de levar para a igreja? — Ponderou ele.
— Claro — dei de ombros. — É o que eles fazem quando alguém, que já foi do meio deles, se torna um desviado.
Neto deu uma risadinha.
— Desviado?
— Sim — sorri. — Desviado. Existem outros rótulos também.
Ele balançou a cabeça.
— E como você o deixou constrangido?
— Falei que vou me casar com você.
— Caramba! E ele?
— Ficou surpreso — bebi um gole do chocolate que já estava morno. — Mudou de assunto. A atmosfera, que já não estava tão boa, ficou mais constrangedora.
— Claro — ele deu uma risadinha. — Você falou com naturalidade que vai se casar com outro homem… É tudo o que eles abominam.
— Pois é — coloquei a caneca na cabeceira. — Tanta coisa que a Bíblia proíbe e eles só batem na tecla do homossexualismo.
Peguei a caneca vazia dele e coloquei na cabeceira também.
Quatro em ponto.
— Você não dormiu? — Ele me aninhou de volta em seu peito, que se tornou um dos meus lugares favoritos.
— Adiantei 80% do home office para dormir mais um pouco.
— Garoto esperto — ele beijou o alto da minha cabeça.
— Dormir mais um pouco com você — reformulei.
A risadinha dele foi gutural. Desligou a TV.
— Sabe de uma coisa? — Ele fazia círculos com o dedo no meu ombro.
— O quê?
— Já parou pra pensar que, se você não tivesse se desviado, a gente não estaria juntos aqui?
— E noivos — ressaltei.
— Noivos — a voz dele era cadenciada.
Beijei o peito dele.
— Eu não me arrependo de ter me desviado, não — garanti.
Neto me pressionou mais em seu corpo.
— Se foi preciso me desviar só para te conhecer… — levantei a cabeça para olhá-lo através da luz do abajur. — Eu faria de novo.
— Não sei o que seria de mim se não tivesse conhecido você naquela tentativa de assalto — sorriu, tocando o meu rosto.
— Nem eu sei o que aconteceria caso não tivesse a atitude de pedir pra você subir até aqui.
Ele deu uma risadinha.
— A vida é muito louca, não é?
— Demais, até — dei um selinho nele.
Até que ele esticou para um beijo lento e terno.
— Amo tanto você — sussurrei.
— Então, vamo-nos amar mais… — ele me prendeu pela cintura, virando-se devagar sobre mim.
...…...
NETO E EU TERMINAMOS O CAFÉ DA MANHÃ, mesmo faltando uma hora para o meio\-dia. Quando coloquei as louças na pia, ouvi a campainha tocar.
— Quem será numa hora dessa? — Pensei alto.
— Atende lá — Neto tocou no meu ombro ao passar por mim. — Vou vestir uma camisa.
— Tá bom — fui até a porta.
Parece que a semana estaria cheia de surpresas. A última pessoa que eu esperava ver na minha vida apareceu na minha porta.
— Mãe?
Neto foi até a sala, terminando de vestir a camisa. Ficou nos observando.
...…...
— NÃO VAI ME CONVIDAR PRA ENTRAR? — Ela cruzou os braços, batendo o pé no chão.
— Entre — dei de ombros.
Ela passou por mim.
— Você deve ser a mãe de Orlando, certo? — Neto se aproximou, polido.
— Agnela — ela o olhou de cima abaixo. — Quem é você?
— Esse é o Neto — fiquei ao lado dele. — Meu noivo.
Ela ficou petrificada.
— Noivo? — Fez uma expressão desdenhosa.
— Claro que sim — argumentei.
— É um prazer conhecê-la dona Agnela.
Minha mãe não disse nada.
— Eu queria ter uma conversa com o meu filho. A sós.
Naturalmente, dei um beijo no rosto do meu noivo e pedi:
— Você pode ficar no quarto?
— Agora — ele sorriu.
...…...
MINHA MÃE SENTOU-SE NO SOFÁ e eu fiquei na poltrona.
— Quer dizer então que esse apartamento todo é seu? — Olhou em volta.
— Claro que sim — cruzei as pernas. — Eu sempre tive a pretensão de ir embora antes mesmo da senhora me expulsar de casa.
— Eu não vim até aqui para lavar essa roupa suja — seu olhar era penetrante.
— E o que você veio fazer na minha casa?
Ela suspirou.
— Vim te reforçar o convite que o presbítero Wesley te fez ontem — começou. — Primeiro, eu não devia estar aqui fazendo uma coisa dessas. Você escolheu essa vida e cedo ou tarde vai pagar pelas escolhas, certo?
— Quem pecar vai pagar, quem pecar vai morrer? — Debochei.
— Eu não estou brincando — sua voz ficou incisiva.
— Muito menos eu — a minha ficou mais fria e cortante.
Ficamos nos encarando por alguns segundos.
— Se você sabe que vou pagar pelas minhas escolhas, por que se deu ao trabalho de vir até aqui? — Ataquei.
Ela ficou em silêncio.
— Por compaixão — finalmente disse.
— Sei muito bem o seu tipo de compaixão.
— Sabe?! Então por que não dá orgulho a tua mãe, pelo menos uma vez na vida, em ser uma pessoa decente?!
— Eu sou uma pessoa decente — rebati. — Tenho meu espaço, alugado com meu próprio dinheiro, trabalho de casa… Não mato, não roubo, muito menos faço mal qualquer ser humano…
— Você sabe do que estou falando.
Suspirei.
— Olha só, dona Agnela — não pude evitar meu tom de voz cortante —, se a senhora veio até aqui para me convencer a voltar para uma vida religiosa a fim de ter controle sobre mim… — dei uma risadinha debochada. — Aceita que eu não vou mais voltar.
Ela balançou a cabeça com uma expressão azeda.
— Eu aqui, só querendo o teu bem… e você querendo se destruir cada vez mais.
— Quem está destruído aqui? Eu?
— Não. Eu! Eu que estou destruída de tanto desgosto que sinto aqui dentro — bateu no peito. — Você sabe como é difícil para uma mãe ter que ver um filho desviado da igreja? E pior! — Fez uma pausa e concluiu: — Prestes a se casar com outro homem.
Ela estava passando dos limites.
— Isso é algum problema pra você?
— Pra minha reputação é. Mãe de veado? Onde já se viu… — balançou a cabeça. — E ainda vou ter genro. Nem filha eu tenho!
Dei uma risada para não me enfurecer com o que estava ouvindo.
— A senhora já disse que não tem mais quatro filhos? — Dei de ombros. — Já disse que só tem três? Porque um virou gay? Disse?
— Disse — vociferou. — Disse e ainda digo: não tenho filho veado!
Ela ressaltou, em bom som, as palavras.
Já vi que não dá para conversar e não tenho mais paciência para ouvir qualquer absurdo.
— Vai embora daqui — me levantei. Assim que cheguei na porta, fuzilei a minha mãe com os olhos e elevei a voz: — Agora!
— Não grita comigo! — Ela se levantou do sofá.
— A CASA É MINHA! — Gritei. — Quem manda nesta porra sou eu! Vai embora!
Ela ficou perplexa com a minha atitude, passando pela porta.
— Você passou dos limites — continuei. — Eu ouvia tudo calado na sua casa, mas aqui não. Na minha casa não! Mais respeito comigo!
— Desde quando você merece respeito? — desdenhou ela. — A partir do momento que você me deu desgosto, perdeu totalmente.
Balancei a cabeça, rindo.
— Sabe de uma coisa? — Deixei a minha voz mais ácida. — Compartilho do mesmo sentimento que você tem por mim, agora.
Fiz uma pausa dramática, concluindo:
— Eu tenho nojo de você. No-jo. Passar bem.
Bati a porta na cara dela.
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Atualizado até capítulo 45
Comments
Eliane Pereira
que pena, ela não sabe que, devemos também respeitar nossos filhos, pra que os mesmos nos respeitam
2023-07-03
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