NÃO PUDE EVITAR AS LÁGRIMAS que desciam pela maçã do rosto. Era frustrante começar o dia sabendo o quanto sua própria mãe ainda o rejeita, mesmo tendo sido expulso de casa há um ano e meio. Neto veio na minha direção — eu estava apoiando os braços no balcão da cozinha.
— Ela não mudou nada — falei, limpando a última lágrima solitária.
— Não pude deixar de ouvir tudo — sussurrou, me abraçando. — Pensei que ela partiria pra cima de você. Eu não aceitaria uma coisa dessas.
— Mandei ela dar o fora antes de extrapolar os limites. Não aceito mais ouvir nenhum insulto.
— Você está certo — ele afagava o meu cabelo. — Triste ouvir isso de uma mãe, não é?
— Já estou acostumado — desvencilhei-me devagar, mas entrelacei os meus dedos nos dele. — Sei que uma mãe deveria amar um filho do jeito que ele é, mas nem toda mãe é igual… Entende?
— A minha, por exemplo, demorou um pouco pra aceitar a ideia de ter um filho homossexual. Mas hoje… — ele pôs a mão no meu rosto. — Ela é louca por você.
Sorri pela primeira vez.
— Você sabia que ela me chamou de genro na frente das… — tentei achar o termo correto para definir aquelas duas mulheres que estavam na cerimônia — amigas da sua ex?
— Sério? — Ele sorriu, surpreso.
— A reação delas… — dei uma risadinha. — Precisava ver a cara da tal de Ivone. Ficou horrorizada!
— Posso imaginar — desdenhou ele. — Ela é muito forçada, sabe? Tentava ser próxima de mim, enquanto fui casado com aquela criatura lá.
— Ouvi dizer que a criatura lá não superou o término até hoje — comentei, seco.
— Ela que lide com isso — ele me abraçou por trás, beijando-me no pescoço. — Posso jurar que só tenho olhos para você.
Ele mordiscava o meu pescoço, fazendo-me rir.
— Acho bom — brinquei.
— Eu quero me casar com você o quanto antes.
— Nunca pensei em falar isso, mas eu também quero.
— Perder tempo com noivado pra quê? — Ele deu de ombros.
— Ano que vem?
Neto ponderou. Virei-me para olhá-lo.
— Por que não?
— É… — pensei. — Por que não?
— A gente se casa em março.
— Perfeito — sorri.
— A gente está morando junto mesmo… — ele me apertou na cintura.
— Definitivamente, você prefere ficar aqui ou lá?
— Claro que você vai ficar comigo no meu apartamento — sorriu.
— Então… — brinquei com os dedos no peitoral dele. — Vou vender a maioria dos móveis daqui e entregar este apê.
— Faz sentido — concordou ele. — Lá no meu tem de tudo e mais um pouco.
Neto olhou em volta.
— Pode levar os seus quadros também — disse. — Sei que você adora cada um.
— Sério?
— Seriíssimo. Tem uma parede só pra você.
— Que fofo — dei-lhe um selinho. — Quando podemos começar esse processo todo de mudança?
— Vamos passar o Natal e Réveillon juntos… — fez uma pausa e concluiu: — Porque vou entrar de férias.
— Caramba! — Fiquei surpreso. — Por que não me contou antes? Eu poderia ter planejado uma viagem só nossa…
— Era surpresa — sorriu. — Mas você quer viajar pra onde?
— Quero visitar o Téo lá no Rio — comentei. — A gente nunca mais se viu desde o meu aniversário.
— Onde ele está agora?
— Resolvendo alguns problemas da Vogue em Milão. Volta na próxima semana.
— É uma ótima ideia. Vamos passar a virada do ano em solo carioca, então?
— Vamos — sorri.
...…...
NETO SAIU DE CASA ÀS DUAS DA TARDE. Ficará de serviço até amanhã de manhã. Como eu estava sozinho, aceitei o convite de Bel — minha amiga desde o ensino médio — para a despedida de Aisha, que vai embora para Istambul — sua cidade natal. Ela me ligou faltando uma hora antes da pequena festa.
— Já estou saindo, querida — olhei o relógio de cabeceira. Seis e meia da tarde. — Mas não vou ficar por muito tempo, não.
— Como assim? Você precisa ficar até o momento dela embarcar no avião — Bel queixou-se no outro lado da linha.
— Quê? — Borrifei o perfume. — Vou ter que virar comissário agora?
— Você entendeu, Orlando — pude sentir os olhos dela revirando. — Seria muito gentil da sua parte acompanhar a gente até o aeroporto.
— Ela viaja que horas?
— Meia-noite. Mas a gente chega lá às nove.
— E de lá venho direto pra casa.
— Por que está chegando tão cedo dos rolês, meu anjo?
Apaguei a luz do quarto e fui até a porta, colocando o celular na outra orelha.
— Sou um adulto responsável — respondi num tom de brincadeira. — Estou noivo de um capitão que preza pela minha segurança e ainda tenho muito home office para fazer…
— Virou belo, recatado e do lar? — Ela devolveu a brincadeira.
Tranquei a porta, guardando a chave no bolso da jaqueta.
— Talvez sim. Vou entrar no Uber. Te vejo daqui a pouco.
— Vem logo! — Cantarolou.
...…...
DESCI DO VEÍCULO NO LOCAL indicado. A festinha de Aisha será no restaurante italiano localizado na zona nobre da cidade. Assim que entrei no estabelecimento, Bel acenou para mim. Ela estava reunida com a família toda numa mesa enorme. Deve ter pelo menos quinze pessoas — dezesseis comigo.
— Orlando! — Aisha ficou de pé para me receber. Ela estava ao lado de Bel, que me cumprimentou com um aceno. — Sente-se aqui, do meu lado.
— Boa noite, pessoal — acenei para a família de Aisha, que me respondeu em uníssono.
— Você demorou um pouquinho — reclamou Bel, brincando.
— Deixa o garoto em paz — repreendeu Aisha, no mesmo tom.
— Obrigado por me defender — entrei na brincadeira.
Aisha me repassou o cardápio.
— Escolhe uma massa pra você. Papai está pagando por todos.
— Opa… — folheei o cardápio. — Agradeço a gentileza, tio Will.
Will é um homem grisalho e bem apessoado. Pai da minha amiga.
— Aproveite a noite também, meu filho — ele sorriu para mim.
Sorri de volta, agradecendo.
...… ...
O JANTAR FOI O MAIS DESCONTRAÍDO POSSÍVEL. Enquanto todos conversavam entre si, Aisha pegou no meu braço para puxar assunto. Bel conversava com a irmã mais velha dela — visto que conhecia a família inteira mais do que eu.
— Queria te falar uma coisa antes de ir embora — começou ela.
— Pode falar — sorri, atento.
Ela fez uma pausa antes de continuar.
— Eu sei que a nossa convivência durante o ensino médio foi marcada por altos e baixos. Sei também que, às vezes, mantinha você afastado do nosso pequeno grupo de três pessoas. Assunto de meninas, se é que me entende. Você não podia participar sempre das nossas conversas.
— Não vejo problemas nisso até hoje — bebi um gole de vinho branco.
— Então — Aisha prosseguiu —, eu também sei que já te deixei chateado por conta da minha personalidade difícil. Já te subestimei, duvidando da sua capacidade só pelo fato de não ser bom em exatas… Já falei mal de você pelas costas no primeiro ano, quando você omitiu que não tinha namorada… Já coloquei a culpa em você por algo que fiz… Fui uma completa escrota.
Fiquei em silêncio, observando-a.
— Por quê você está falando de tudo o que já sei, Aisha? — Indaguei.
— Encargo de consciência — brincou, sorrindo. Mas ela parecia genuinamente sincera. Até que franziu a testa, perguntando: — Como soube que falei de você pelas costas?
— Lembra da Claudia e da Juliana? — Dei de ombros. — As duas eram minhas amigas. Contaram tudo.
— Mesmo assim, você continuou com a nossa amizade.
— Continuei. Você sabe que estamos empatados no quesito de ser escroto um com o outro, certo? Já fiz besteira também.
— Eu sei.
— E mesmo assim continuou falando comigo.
— Sempre gostei da sua amizade — sorriu. — Essas coisas ficam pequenas depois de um tempo.
— Você tem razão.
— Mas foram essas pequenas coisas que afastaram a gente durante um tempo.
Peguei na mão dela.
— Garanto pra você que já superei. São coisas do ensino médio — abanei a mão no ar.
— Eu também — ela bebeu mais um gole do vinho branco.
— Então — dei de ombros —, estamos quites.
Ela me deu um abraço.
— Vou sentir a sua falta.
— Eu também — afaguei o ombro dela. — Quero que tenha uma sorte incrível lá na Turquia.
— Quero que seja feliz no seu casamento — desvencilhou-se.
— Uma pena você não poder ir.
— Quando vai ser?
— Em março.
— Mas já? — Ela sorriu.
— Nós estamos felizes — dei uma batidinha no ombro dela. — Você me entende.
— Claro que sim — sorriu. — Dou total apoio. Neto ama você.
— Eu sei… — não pude evitar o ar sonhador que saiu na voz.
O homem que me ama, neste momento, estava servindo e protegendo.
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Atualizado até capítulo 45
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