Capítulo 3

...TRÊS DIAS DEPOIS ...

— CASAR? — GABRIELA FICOU SURPRESA, dando um sorriso. — É sério?!

— Tenho até anel de noivado — balancei o dedo anelar direito que estava com a aliança dourada. — Foi na praia mesmo, em pleno pôr-do-sol. Do mesmo jeito que nós oficializamos o namoro.

Ela e eu estávamos na mesma cafeteria de sempre, perto do trabalho. Depois de entregar mais relatórios do home office. O relógio marcava quinze minutos para as quatro da tarde com uma terça-feira ensolarada.

— Seis meses de namoro foram suficientes? — Gabriela perguntou.

— Muito, até — não pude impedir o sorriso. — Pra quê perder tempo, não é mesmo?

Gabriela deu um gritinho de alegria, sacudindo meu braço em seguida.

— Meu amigo vai casar! — Disse. Assim que se recompôs, perguntou: — Vocês vão marcar pra quando?

— Sei lá… — dei de ombros. — Quando tudo estiver pronto.

— Mas não está tudo pronto? Vocês moram juntos, praticamente.

— Eu ainda mantenho o meu apê, menina. Vou ter que me desfazer de quase todos os meus móveis para definitivamente morar com ele.

— Mas como vocês estão ficando juntos? Na sua casa ou na dele?

— Na dele, claro. Mas quando ele vai trabalhar, fico na minha. Ele me pega toda vez que chega do batalhão.

— Entendi — ela jogou uma mecha de cabelo para trás. — Você está na sua casa, agora?

— Estou — brinquei com um pedaço que sobrou do cheesecake, espetando o garfo. Bebi um gole do cappuccino e concluí: — Ele vai dar plantão hoje.

— Falando em plantão… — ela cruzou as mãos sobre a mesa. — Como você está lidando com o trabalho dele na polícia? — cochichou a última palavra.

— Fico com um pouco de medo, né… — comecei. — A polícia no Brasil é a que mais morre.

— Também é a que mais mata — completou ela.

— Exato — concordei. — Acho que a última coisa que quis na vida foi namorar um cara fardado.

— Até você conhecer um — ela brincou.

— E finalmente namorar com ele.

— E casar!

Nós rimos juntos.

— A última coisa se transformou no amor da minha vida! — Finalizei.

...…...

CHEGUEI EM CASA ÀS SEIS HORAS. Gabriela e eu monopolizamos a mesa da cafeteria por mais uma hora, de modo que todas as novidades fossem compartilhadas. Eu estava sorrindo para o nada ao lembrar da conversa que tivemos sobre o meu futuro marido. Nunca me senti tão feliz em eternizar uma relação que envolvia tamanha cumplicidade atrelada com o amor.

Realmente, não queria perder tempo só ficando no namoro. Muito menos ele, que tomava iniciativa no timing exato — até mesmo perfeito.

O celular tocou.

— Oi, meu amor — era ele no outro lado da linha. — Aconteceu alguma coisa?

— Não. Aconteceu nada. Só liguei pra saber se você chegou bem na sua casa.

— Cheguei sim — sorri. Ele ainda fazia o meu coração acelerar só em ouvir a sua voz.

— Meu plantão acaba de madrugada. Chego até você às quatro da manhã. Você me espera?

— Sempre — garanti.

— Vamos curtir um pouquinho juntos antes do amanhecer — sugeriu. A voz dele era gutural e insinuante.

— Já sinto a sua falta.

— É um pouco difícil ter que ficar longe de você — disse. — Inclusive quando não estou dentro.

Dei uma gargalhada.

— Logo você estará — devolvi a insinuação.

— Não me provoca — brincou. E concluiu: — Preciso desligar. Eu te amo.

— Eu te amo mais.

Ligação encerrada.

Ouvi a campainha tocar.

— Wesley? — Fiquei surpreso ao abrir a porta, dando de cara com o presbítero da igreja onde frequentei durante dois anos e meio antes de me desvincular por completo. — Como conseguiu me achar aqui?

— Eu estava aqui por perto — respondeu. Ele é cinco centímetros mais baixo do que eu, porém forte. — Vi você entrando. Resolvi fazer uma visita.

— Minha casa está uma bagunça — falei, com um sorriso fraco. — Se importa da gente sair por aí?

— Claro que não — ele sorriu.

...…...

QUANDO EU ESTAVA NO AUGE DOS DEZOITO ANOS, deixei de frequentar a sede principal da Igreja Assembleia — visto que a sede localizada no meu bairro fechou por causa das acusações de pedofilia, envolvendo o ex\-pastor. O lugar ficava na zona mais distante e não queria mais ver ninguém sendo obrigado a me buscar e deixar de carro. Assim que passei a frequentar a igreja que fica na esquina de casa, conheci muita gente e Wesley — ainda diácono — estava no círculo seleto que era o do cristão conservador.

Nessa mesma época, enfrentava questões internas envolvendo a minha sexualidade e, como já comentei, disfarçava muito bem — negando constantemente até causar uma dor interna, um sufoco por causa de tanta repressão.

Wesley me incluiu na banda da igreja — visto que era músico há quase vinte anos. Eu fiquei tocando bateria, enquanto ele tocava qualquer instrumento que estivesse sobrando. Até mesmo cantava. Naquela época, eu não estudava nem trabalhava — mas corria atrás. Até que completei dezenove anos e consegui os dois.

A minha rotina foi me afastando e decidi sair da banda, até que um tempo depois decidi sair da igreja. Wesley tentou manter contato comigo, mas fiz a promessa para mim mesmo de que não teria mais contato com ninguém. Não queria algum filho de Deus no meu encalço persuadindo\-me a voltar para os Caminhos do Senhor.

Três anos se passaram e nunca mais vi qualquer rosto que estava presente no Templo junto comigo.

Pensei que continuaria assim.

...… ...

— PARA MIM, CONTINUA SENDO UMA surpresa te ver por aqui — bebi um gole de refrigerante. — Por onde você estava esse tempo todo?

— Moro naquele mesmo bairro há anos — ele cortou um pedaço de pizza.

Resolvemos comer na pizzaria da esquina.

— E o casamento, como vai? — Perguntei.

— Vai tudo bem, graças a Deus — ele sorriu. — Tenho dois filhos lindos.

— Continua no presbitério?

— Desde que você saiu de lá.

— Ah, sim.

Houve um momento de silêncio. Fiquei pensando na esposa dele, que já foi minha amiga um dia. Tanto ela quanto a irmã — que foi a primeira a falar comigo quando entrei naquela igreja. Também me lembrei da paixonite que nutri pelo irmão dela.

— Você não pensa em voltar? — Wesley me observava.

— Não — dei de ombros. — Por quê?

— Nem se sente mal? Vazio? Frustrado? Sem direção?

— Nenhum desses sintomas — brinquei, sorrindo.

Ele ficou em silêncio.

— Vai ter um retiro espiritual — continuou, me entregando um panfleto. — Queria te fazer esse convite.

Peguei por educação.

— É num fim de semana — explicou. — Sei que você trabalha de segunda à sexta e pode ser perfeito pra ir.

— Tudo bem.

Houve mais um momento de silêncio. E dessa vez foi um pouco constrangedor.

— Sua mãe falou que você virou homossexual — comentou.

— Foi mesmo?

— Sim, foi. Toda vez que ela sobe no altar para dar uma meditação, diz que está orando pela tua vida para se libertar dessa vida.

— Bom pra ela — dei um sorriso seco. — Agradece as orações por mim, porque me sinto bastante abençoado. Mais liberto. Livre.

Wesley me observou em silêncio.

— Vou me casar — falei.

— Se-sério? — Ele ficou chocado.

— Sério — bebi mais um gole de refrigerante. — É isso que está me fazendo feliz.

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