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A semana passa devagar, quase parando. Meus dias se resumem em acordar, tomar café da manhã, ler um livro, almoçar, passear no parque ou ir ao cinema, teatro, porém, tudo sozinha.

Tudo me entedia ou desanima. Como pude chegar ao ponto de não ter sequer uma amiga para conversar? Um ombro para chorar? Minhas amigas desde sempre, Mariana, Dayane e Paula foram se afastando aos poucos. Fizemos o ensino médio juntas e fomos para a mesma faculdade, cada uma em curso diferente. Eu fiz administração de empresas, Mary se formou em fonoaudiologia, Day fez fisioterapia e a Paulinha odontologia. Sempre estivemos juntas para tudo, até o Lucas aparecer na minha sala há quase seis anos. Nenhuma delas gosta do Lucas, sempre criticaram o jeito que ele me trata. E ele também as criticava. Por isso, aos poucos, foi me afastando delas. Até a pouco tempo, elas tentavam me contatar, mas eu nunca respondia nenhuma mensagem ou atendia as ligações por vergonha. V ergonha de ter me deixado manipular, de saber que elas sempre estiveram certas, e eu fui cega demais para ver. As únicas que me fazem companhia hoje são Joana e Ângela, as minhas ajudantes do lar. Sem elas, com certeza, meus dias seriam bem piores.

Hoje completa sete dias que encontrei Alex, o detetive. Ele enviou e-mails todos os dias, me relatando algumas coisas, mas disse querer reunir tudo e me entregar. Assim que tomo meu café da manhã, vou ao escritório, ligo meu notebook e como previ, há um e-mail do Alex me aguardando.

De: Alexander Bittencourt Para: Helena Montenegro Assunto: Encontro Bom dia, Helena.

Como lhe falei antes, foi mais fácil do que imaginei. Já tenho tudo o que você precisa. Quando podemos nos encontrar?

Alexander Bittencourt Detetive Particular Sorrio. Um sorriso triste. Sabia que não seria difícil. Pelo que parece, Lucas não faz questão de esconder as suas safadezas.

De: Helena Montenegro Para: Alexander Bittencourt Assunto: Re: Encontro Bom dia, Alex.

Excelente. Pode ser hoje?

Podemos almoçar no mesmo shopping que nos vimos semana passada. Tem um restaurante lá que faz uma massa dos deuses.

Às 13h, tudo bem?

Ele respondeu o e-mail com um “Estarei lá”. Fico ansiosa, contando os minutos para ver com meus olhos o que o meu marido faz em seu horário de trabalho. Procuro saber as horas, e ainda são dez da manhã. O que fazer para passar o tempo? Penso em ligar para o meu pai, já faz muito tempo que não nos vemos ou sequer conversamos por telefone. Pego meu celular e ligo para ele, toca algumas vezes até que escuto sua voz grave do outro lado da linha.

— Olá, princesinha do papai — ele diz com uma voz sorridente, que não me convence nem um pouco.

— Oi, papai. Sua benção.

— Deus te abençoe. O que quer?

— Nossa, pai! Como assim, o que eu quero? Sabe quanto tempo não nos falamos?

— V ai começar, Helena? V ocê sabe que trabalho demais e o tempo livre que tenho, dedico a Maria Luiza.

— Mas, pai! Eu sou sua filha, poxa!

— Helena, você está bem grandinha para começar com essa crise agora.

V ocê sabe onde eu trabalho, aliás, onde você deveria voltar a trabalhar. Por que você não vem me ver?

— Pai... — suspiro. — É complicado. Lucas me vigia, e ele não me deixa ir à empresa.

Ficamos em silêncio por alguns segundos e escuto meu pai respirar mais rápido. O senhor Carlos sempre foi um pai presente, na medida do possível.

Enquanto foi casado com minha mãe, foi um pai prestativo, carinhoso, sempre que chegava do trabalho vinha direto ao meu quarto. Conversava comigo, queria saber do meu dia na escola e me ajudava com os deveres de casa. Mas quando completei quinze anos, meus pais se separaram. Minha mãe me levou para morar com ela, e a partir daí, minha relação com meu pai começou a esfriar.

Mas quando ele começou a se envolver com Maria Luiza, se tornou uma pessoa totalmente diferente do que um dia já foi. Se afastou de mim, passou a me ignorar, a me desprezar. Minha mãe sempre foi uma cabeça de vento que só pensa em dinheiro e status, nunca pude contar com ela, mas meu pai era meu porto seguro. Agora não mais.

— Leninha, sinto muito por nossa relação estar assim. Sei que muito é por minha culpa. Maria Luiza me tira a razão.

— É... — é só o que consigo responder, já que estou com a garganta doendo por segurar o choro.

— Façamos o seguinte, hoje à noite vamos jantar, só nós dois. O que acha?

— Jura, pai? — ele ri do meu entusiasmo.

— Juro, princesinha. Não poderei buscá-la, mas a espero às oito da noite no restaurante do chef César.

— Ah sim, o restaurante do seu amigo. Sei onde fica.

— Beijos, até mais tarde.

— Beijos, pai.

Encerro a ligação um pouco mais animada. Não acredito que passarei um tempinho com meu pai, sem ninguém para nos interromper.

Pego um livro para ler e me perco no mundo de fantasia que a história me proporciona, e quase perco a hora de encontrar o Alex.

Eu me arrumo em tempo recorde, coloco algo simples e jovial, condizente a minha idade. Uma blusa de alcinha de seda rosa, uma calça jeans de cós alto bem justa e um salto preto. Pego uma bolsa, coloco meus pertences lá dentro e antes de sair ligo para o Lucas avisando que almoçarei no shopping. Ele reclama um pouco, diz para que eu só saia com Jorge e que ao retornar para a casa, ligue para ele.

Minutos depois estou dentro do carro a caminho do shopping. Peço ao Jorge que coloque algum CD para tocar, preciso me distrair da decepção iminente que terei em breve. Fecho os olhos e me desligo de tudo. Assim que chegamos ao shopping, faço como da outra vez e peço a Jorge que me espere no carro ou se ele quiser, pode ir almoçar que depois ligarei para vir me buscar. Ele diz que recebeu ordens para só sair de lá comigo e que me esperaria no carro. Dou de ombros, se é isso o que ele quer, então que espere.

Entro no shopping e vou andando devagar, olhando as vitrines. Nada chama a minha atenção a princípio, subo a escada rolante em direção à praça de alimentação e logo encontro o Alex em frente ao restaurante. Sorrio ao me aproximar dele, trocamos beijinhos no rosto e entramos. Como da outra vez, Alex foi muito cavalheiro e puxou a cadeira para eu me sentar. Eu me acomodo e logo ele se senta à minha frente.

— Espero que a massa daqui seja maravilhosa como me disse mais cedo — sorrindo, ele olha o cardápio.

— Experimente e depois me diga — sorrio para ele.

Alex não parecia ser um detetive comum. Nesses poucos dias de contato que tivemos, a maioria por e-mail, ele se mostrou mais como um amigo do que detetive. Sempre sendo cordial, perguntando como eu estava, me passando algumas informações sobre a investigação. Porém, a maioria das conversas parecia ser para me acalmar ou me preparar para o que viria a descobrir. Aprecio essa preocupação comigo, Alex realmente se tornou um amigo.

Depois de pensarmos, acabamos pedindo lasanha para ambos, sendo que a minha é bolonhesa e a dele quatro queijos. Alex pede um vinho tinto suave, e assim iniciamos a nossa refeição em meio à conversa. Alex me conta como sua namorada é linda e aventureira, como se dão bem juntos e fazem programas diferentes a cada fim de semana, quando ele não está trabalhando, é claro. Após a sobremesa, finalmente chegamos a parte chata do almoço. Posso dizer que até esse momento, tudo estava agradável.

Alex levanta um envelope pardo e o deposita na mesa. Olha dentro dos meus olhos, respira fundo, cruza as mãos sobre a mesa, e com a cabeça, indica o envelope.

— Está tudo aí, Helena. Fotos com data e horário, e-mails datados também.

O nome de cada uma das... Mulheres, ficha completa.

— Mu-mulheres? — e eu pensando que se tratasse só de uma.

— Sim, plural.

Coloco minha mão direita em cima do envelope e o aliso. Sei que ali dentro está a ruína do meu casamento, algo que eu fingi não acreditar, que não quis ver, mas que agora não há outro caminho.

Tenho que enfrentar isso. Minha mão continua alisando o envelope, quando escuto Alex falar.

— Sabe, Helena, eu pensei duas vezes antes de entregar isso a você.

Primeiro, porque você é uma pessoa extraordinária e não merece isso. Na verdade, ninguém merece. Segundo, porque tenho medo de que você não vá fazer nada contra isso. E não fazer nada quando não se sabe, é compreensível.

Porém, não fazer nada quando se sabe e tem provas, é estupidez.

Levanto os olhos do envelope e os direciono ao homem que se tornou meu amigo em apenas sete dias. Ele está certo. Eu não mereço isso, ninguém merece passar por isso. E eu realmente não sei o que farei com essa comprovação. Como não falo nada, ele continua.

— Me desculpe se estou sendo invasivo, mas nesses dias criei um carinho grande por você. É a primeira vez que pego um trabalho e me envolvo emocionalmente. Digo, como amigo. E não gostaria de saber que todo meu esforço foi em vão.

Engulo em seco olhando do envelope para ele. Trago-o mais próximo de mim e lentamente o abro. Primeiro, retiro de dentro os e-mails. Vários. Muitos. Para várias mulheres, com datas próximas.

Leio alguns, e o que leio já não me surpreende. Elogios, palavras sacanas e encontros em motéis.

Coloco as folhas de lado e volto a enfiar a mão dentro do envelope, agora retiro as fotos. E são muitas.

V ejo fotos de Lucas em um restaurante com uma loira, a foto marca a hora 19h40min em 15/01/15. A próxima é uma foto do carro, porém dá para ver nitidamente Lucas e a loira sentados, o carro está entrando em um motel às 21h00min em 15/01/15. A terceira é deles saindo do motel, o carro parado esperando passagem para entrar no tráfego e Alex pegou exatamente o momento que eles estavam se beijando às 23h55min em 15/01/15. Foto a foto, eu vejo os encontros de Lucas, dia sim dia não com mulheres diferentes.

Meu estômago embrulha. Respiro fundo várias vezes de modo a controlar o vômito que quer sair por minha garganta. Como me deixei enganar dessa forma? Repulsa surge dentro de mim.

Forço um sorriso para meu amigo/detetive e pisco várias vezes, querendo controlar as lágrimas que teimam em querer sair.

— Não tem problema, Alex. Eu queria saber, eu precisava saber.

— V ocê está bem? — sua voz preocupada me faz sorrir.

— Sim, estou.

— O que vai fazer?

— Não sei, mas com certeza farei algo.

Ele assente e pede a conta. Depois de tudo acertado, nos levantamos e vamos caminhando por entre as lojas até próximo à saída. Alex se vira para mim e sorri.

— Espero que dê tudo certo, Helena.

E pode me ligar a qualquer hora, caso precise de ajuda.

— Obrigada por tudo — beijo seu rosto e vou em direção ao carro.

****

Chego em casa já são seis horas da tarde. Depois de sairmos do shopping, pedi ao Jorge que me levasse ao parque que tenho ido toda semana, minha cabeça rodava em torno das informações que recebi. Entrei em uma luta interna muito grande. Um lado meu, quer que eu confronte Lucas e peça o divórcio, mas o outro lado não sabe o que quer. Esse lado indeciso acha que o melhor é me manter onde estou, já não tenho ninguém e se eu me divorciar, aí sim estarei sozinha. Uma confusão enorme na minha cabeça.

Assim que entro em casa, vou direto tomar um banho. Não antes, é claro, de ligar para o meu marido e o avisar que já estou em casa, mesmo sabendo que Jorge o informa de todos os meus passos. Embaixo do jato de água, minha cabeça parece querer explodir. Todos os momentos maravilhosos que vivi com Lucas, brigam por espaço com as imagens dele com outras mulheres, as abraçando e beijando. Tudo que vivi de bom com ele vai sendo substituído pelas imagens nojentas que Alex me entregou, com as frases que li nos e-mails. Argh!

Chega! Isso terá fim hoje. Não mereço isso, nunca fiz nada para ele me humilhar dessa forma. Sempre disse a ele que se não estivesse satisfeito com a nossa relação, que fosse sincero comigo e que nós terminaríamos tudo. Mas ele fez justamente o contrário. Não me respeitou como pessoa, como mulher, como sua mulher.

Enxugo meu corpo com calma, me visto com um vestido bem soltinho, e coloco uma rasteirinha. Pego o envelope que havia deixado em cima da cama e vou para o escritório. Antes mesmo de chegar lá, encontro com Joana e peço a ela que faça uma refeição bem leve e que deixe para mim no escritório. Ela diz que sim, sorri e vai para a lavanderia.

Entro no escritório e fecho a porta.

Caminho lentamente em direção à mesa, afasto a cadeira principal e me sento.

Olho ao redor, vejo três porta-retratos com fotos nossas em cima da mesa. Não suporto olhar para isso, parece que essas fotos são uma piada. Viro os porta-retratos com as fotos para baixo, pego o envelope e retiro foto por foto, posicionando-as de modo que qualquer um possa ver a cronologia dos acontecimentos. Depois pego os e-mails e os posiciono da mesma forma. Fecho os olhos.

Algumas horas depois, Joana traz minha refeição, e mesmo sem apetite, me forço a comer a salada que ela trouxe e o suco de laranja também. Ela retorna para buscar a bandeja, e antes que ela saia do escritório, peço que avise a Lucas onde estou e que depois ela pode se recolher. Um “boa-noite, senhora” sai dos seus lábios antes de ela fechar a porta. Eu me recosto na cadeira, cruzo os braços e espero meu marido entrar.

Minutos depois, um Lucas já de banho tomado e com roupas comuns entra no escritório. Ele franze a testa ao ver o meu rosto, então se aproxima e beija a minha testa. Em nenhum momento olha para a mesa.

— Boa noite, Helena.

— Boa noite, Lucas. Quero conversar com você, sente-se, por favor.

Ele caminha em direção à cadeira em frente à mesa, senta-se e arqueia uma sobrancelha.

— Do que se trata?

— Disso — digo, apontando para a mesa.

Seus olhos se arregalam nitidamente, mas fora isso, sua expressão continua a mesma. Cruza os braços e seus olhos não saem das fotos e dos e-mails espalhados na mesa.

— Preciso explicar mesmo? Você é tão burra assim? — ele se levanta, apoia as mãos na mesa e se inclina em minha direção. — Pelo visto, minha esposinha não é tão ingênua quanto parece.

Atônita. É como estou nesse momento. Juro, juro por Deus que pensei que ele fosse tentar se explicar, pedir perdão e essas coisas que fazemos quando estamos errados. Estou tão surpresa, que não consigo falar nada.

— Agora a pergunta que não quer calar. Como você conseguiu fazer isso, hein, querida Helena? — sua voz continua baixa, mas seus olhos estão ferozes.

— Isso não importa. O que importa é que descobri o que faz.

— Você achou o quê, Helena? Que eu aguentaria ficar apenas com você? Uma mulherzinha rica, mas simplória, carente? Você é linda, Helena, é minha esposa. Putaria eu faço com as outras.

Levanto-me nervosa, mas não vou cair no jogo dele. Mantendo a calma, caminho para a porta, passo por ele e digo.

— Não sei o que pensei, mas sei o que quero agora. Vou me divorciar de você.

Minha mão encosta na maçaneta da porta, mas não consigo abri-la porque Lucas agarra meu outro braço e me puxa com brusquidão. Quase caio, mas seu braço me segura firme.

— Isso é o que você acha — ele sibila de forma ameaçadora próximo ao meu rosto.

— Isso é o que farei, me solta, Lucas!

— NÃO VAI!

Foi tão rápido que não vi de onde veio, mas sinto a palma da mão dele encontrando a carne do meu rosto. É tão forte, que caio sentada na cadeira. Meus olhos arregalados demonstram meu medo crescente.

Lucas me levanta pelo cabelo e desfere mais um tapa no meu rosto. O susto é tanto, que não emito nenhum som.

— Agora vamos para o quarto, esposa. Vou lhe ensinar a ouvir e obedecer ao seu marido.

E essa foi a primeira vez que apanhei e fui violentada pelo meu marido.

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Comments

Gabrielle Sants

Gabrielle Sants

q triste,espero q ela consiga se livrar desse nojento

2023-11-06

1

Amanda

Amanda

Misericórdia 😱, coitadinha, que canalha 😢, que ser desprezível

2023-08-14

2

Luciana Santos

Luciana Santos

não acredito filho da p***

2023-08-05

0

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