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Encho uma taça com vinho e me dirijo para a sala. Paro em frente ao aparelho de som a fim de escolher uma música bem suave, coloco a taça na estante e pego os CDs. Olhando-os com calma, escolho um da Isabela Taviani.

Coloco o CD para tocar, pego minha taça e vou para o deque, onde me deito na espreguiçadeira próxima à mesa, que está linda, por sinal. Fecho os olhos pedindo a Deus que eu esteja no caminho certo, que tentar melhorar meu casamento seja a coisa certa. Tomo mais um gole de vinho e após algum tempo começo a prestar atenção nas músicas que tocam. Uma em particular mexe comigo, sinto que fala da minha vida.

Não demora agora Há tanto pra gente conversar Eu desejo e vejo, a rua, você atravessar E os seus passos largos já não me incomodam Não te acompanho mais, caminho do meu modo Seus olhos turvos e pouco sinceros Não me atormentam quanto mais eu enxergo Eu e você, podia ser Mas o vento mudou a direção Eu e você e esta canção Pra dizer adeus ao nosso, ao nosso coração Será que o nosso tempo já passou e não fizemos nada? Suspiro. V ou tentar, tenho que tentar. Hoje mudarei essa situação. Era isso que faltava, uma atitude minha. Estou determinada a nos dar mais uma chance, não é possível que um casamento tão novo, com um casal tão jovem não tenha mais conserto.

Lucas é um bom marido, exceto pelo controle excessivo e pelo trabalho.

Nunca me deixou faltar nada, exceto atenção e carinho. Será que isso é culpa minha? Sempre fiz o que ele me pediu, larguei minha carreira, me afastei dos meus amigos. Vivo para ele. O que nos falta, meu Deus?

Tá na minha frente Não se perturbe verdade é pra falar Sei que vai morrer um pouco Mas ainda há tanto pra lembrar Teu sorriso lindo, indefinido Suas mãos tão quentes atravessando o meu vestido Palavras que falávamos simultaneamente No meu ouvido o seu discurso indecente Às vezes o amor Escorre como areia entre os dedos Não tem explicação para tantos erros É melhor partir Antes do último grão cair Fico tanto tempo deitada pensando, que não percebo que o CD já acabou e a casa está em um silêncio esmagador.

Levanto para trocar o CD, aproveito para verificar a hora. Levo um susto, já são nove horas e Lucas não chegou.

Coloco outro CD, pego meu celular na mesinha da sala e volto para o deque.

Encho minha taça novamente, me sento, desbloqueio o celular e ligo para o meu marido. A ligação vai para a caixa postal, ligo mais uma vez e acontece o mesmo.

Respiro fundo, me deito e relaxo, o jeito é esperar. Deposito minha taça na mesa e fico perdida no tempo, olhando para o céu. Não percebo quando, mas caio no sono.

Sinto frio, abro os olhos devagar e percebo que ainda estou deitada na espreguiçadeira no deque. Levanto meio sonolenta e vou para dentro de casa, não antes de ficar uns instantes olhando para a mesa arrumada. V ou direto para a cozinha, bebo um copo de água e aproveito para guardar toda a comida.

Balanço a cabeça triste, mais uma tentativa em vão. Por onde passo, vou desligando as luzes, então olho para o relógio e vejo que já é meia-noite.

Que raios de trabalho é esse que ele precisou do domingo inteiro para isso?

Meia-noite? Sério? Eu já vinha desconfiando há algum tempo, não queria acreditar, mas está na cara de quem quiser ver. Lucas tem uma amante.

Só pode ser isso. Nenhum homem deixa sua esposa jovem, sozinha, para trabalhar os sete dias da semana. Meu Deus! Hoje é domingo! Não acredito nisso.

Enquanto vou andando para o quarto, fico pensando em uma forma de ter certeza que meu marido me trai. Abro a porta do quarto e acendo a luz, e aí a decepção se torna maior ainda ao olhar para o quarto todo arrumado de forma romântica. Fecho a porta e me dirijo ao quarto de hóspedes, onde me deito triste, sozinha e chorando, e acabo dormindo novamente.

Acordo às nove da manhã na segunda-feira, fico deitada de lado com as mãos embaixo da cabeça pensando no que fazer. Essa hora Lucas já saiu para trabalhar, então somos eu e os empregados. Levanto quinze minutos depois, decidida a descobrir tudo o que Lucas me esconde. V ou para o nosso quarto, tomo um banho e coloco um vestidinho de alcinha florido que vai até o meio das minhas coxas, faço uma trança lateral intercalada com uma fita de cetim branca, calço meus chinelos e vou tomar meu café da manhã.

Passo a manhã lendo um livro, não tenho muito o que fazer em casa, não tenho amigas para convidar para sair, nem família que se preocupe comigo.

Meu pai está vivendo a vida dele com Maria Luíza, minha mãe, dona Antônia Albuquerque, vive viajando. Agora, ela está na Turquia com seu novo namorado, nunca gravo o nome deles. Ela troca de namorado como troca de roupa, não dá nem tempo do meu cérebro processar a informação. Enfim, estou sozinha.

Estou almoçando quando o telefone toca, Joana atende e me passa o aparelho dizendo que é Lucas.

— Alô.

— Helena, tenho um jantar de negócios hoje à noite. Preciso que esteja pronta às oito horas em ponto. Chegarei em casa um pouco antes para tomar banho e me arrumar.

— Boa tarde para você também, Lucas.

— Desculpa, Helena. Estou muito ocupado, com a cabeça quente.

— Hum, imagino.

— Mais tarde nos falamos.

E desliga.

Perdi o apetite, deixo a comida de lado, cruzo as mãos na altura do meu queixo e apoio a minha cabeça ali.

Depois de muito pensar, não vejo outra saída além de contratar um detetive. Eu me levanto decidida, entro no escritório e vou direto para o notebook. A minha única opção é fazer uma boa pesquisa no Google para achar um detetive decente, não tenho para quem pedir ajuda.

Depois do que me pareceram horas, consigo o nome e demais informações de três detetives. Anoto tudo em uma folha, desligo o notebook e saio do escritório, indo para o quarto. Eu me sento na cama, pego o telefone e faço as ligações necessárias. Falei com os três, porém, só um me passou confiança, então marquei de me encontrar com ele amanhã, na parte da manhã. Espero que isso me ajude.

Já são quatro horas da tarde, quando pego a minha bolsa e saio do quarto, encontrando Joana no corredor. Peço a ela para avisar ao Jorge que estou de saída. Digo que estou indo para o salão e que qualquer coisa é só ligar para o meu celular. Na garagem, Jorge abre a porta do carro para mim, agradeço e digo para onde quero que ele me leve.

Duas horas depois, estou com o cabelo escovado e preso em um penteado, unhas e sobrancelhas retocadas, então Jorge me busca na porta do salão e vamos para a casa. Ele é como um segurança, não me deixa sozinha por nada, tenho que pensar como dispensá-lo amanhã.

Lucas chega às sete e meia, o horário que disse. Por que não fez o mesmo ontem? Enfim, quando ele chega, eu já estou vestida com um robe branco, falta apenas a maquiagem. Ele vai direto para o quarto de hóspedes tomar banho e se vestir. Às oito em ponto eu saio do quarto e ele já está na sala me aguardando. Assim que me aproximo, ele me olha dos pés à cabeça e um pequeno sorriso brota em sua boca.

— V ocê está linda.

Sorrio, boba. Faz muito tempo que ele não me elogia. Ele deve ter realmente apreciado o meu visual.

Coloquei um vestido que ele me deu de presente no mês anterior em comemoração ao nosso quinto aniversário de casamento, um tubinho preto de corte quadrado, com comprimento abaixo dos joelhos, nos pés um scarpin altíssimo preto. Para completar o visual, coloquei o conjunto de brincos e colar de diamantes que ele me deu junto com o vestido. Na minha mão direita, eu seguro a minha clucht preta, dentro já está meu celular, identidade, cartão de crédito e um batom.

— Obrigada, você também está lindo — ele se inclina e me beija suavemente.

— Todos morrerão de inveja. Tenho a mulher mais linda da empresa.

Pronto, meu sorriso foi embora. É só para isso que sirvo, para ser a esposa troféu?

— V amos? — Lucas coloca a palma da sua mão em minhas costas e me guia porta afora.

Chegamos à garagem do prédio em silêncio, Lucas concentrado no seu iPhone digitando furiosamente, enquanto caminhamos em direção ao BMW estacionado em nossa vaga, com Jorge à nossa espera. Ele abre a porta traseira, diz polidamente um boa-noite, que respondo e entro no carro, em seguida, Lucas entra.

Uma música suave está tocando baixinho, Lucas continua com a cara enfiada no telefone e eu me sentindo um peixe fora d'água. O que com certeza acontecerá várias vezes durante a noite.

Depois de vinte minutos que pareceram horas, Lucas enfim larga o celular. Olha para mim sorrindo, faz um carinho na minha bochecha e depois deposita sua mão em cima da minha perna.

— Como tem sido seus dias? — pergunto genuinamente interessada, já que quase não nos vemos.

— Cansativos. Muito trabalho.

— Hum, imagino, já que ontem seu trabalho o prendeu até depois da meia-noite — não consegui me segurar.

— Helena, não começa — Lucas suspira, começando a ficar irritado.

— Não começa? Sério, Lucas? — ele fecha os olhos e suspira mais uma vez.

— V ocê tem trabalhado mais que o normal ultimamente, o único tempo livre que tem é quando está dormindo. V ocê não conversa, não fica mais comigo e nem mesmo tem me tocado.

— Lena, escuta... — eu o interrompo.

Tenho que falar tudo o que está entalado há meses.

— Escuta você, Lucas! — Respiro fundo e me controlo. — Eu liguei para você, avisei que estava te esperando. Eu ainda acredito no nosso casamento, Lucas — suspiro. — Eu ainda quero acreditar, mas você torna tudo difícil.

Por que não ligou dizendo que não viria?

— Aconteceu um imprevisto.

— Imprevisto? Que tipo de imprevisto, Lucas? Ontem era domingo, era suposto você ficar em casa comigo.

O imprevisto foi você ter saído para trabalhar às nove da manhã e chegar de madrugada. V ocê vai ter coragem de me dizer que estava trabalhando até altas horas em um domingo?

— Basta! — Ele grita e eu me assusto. Ele nunca havia levantado a voz para mim. — Olha, Helena, isso não é conversa para termos agora, depois falamos sobre isso.

— Mas Lucas...

— Depois, Helena.

E a conversa foi adiada, mas não por muito tempo.

**** O jantar foi enfadonho como sempre.

Lucas e os outros três empresários passaram a noite falando de negócios, até porque esse era o objetivo do jantar.

Enquanto as mulheres só sabiam falar de joias, viagens e de quanto gastam por ano com plásticas. Um tédio sem fim. Eu cheguei muda e saí calada, apenas sorri e cumprimentei os presentes e falei esporadicamente quando me perguntavam algo. Fora isso, não interagi muito. A conversa era chata, as pessoas tediosas e fúteis, e a comida insossa. Minha noite não podia ser melhor!

Ao fim do jantar de negócios, às onze horas da noite, já estava exausta de tanto sorrir e fingir ouvir o que falavam.

Minha vida estava seguindo um rumo que eu nunca quis. Estava sendo o que minha mãe queria que eu fosse, uma mulher sem conteúdo, vazia, casada com um homem rico e distante. Nos despedimos de todos e voltamos para a cobertura. Quando enfim coloquei o pé dentro da minha sala, senti toda exaustão que o jantar me proporcionou. Nem força para discutir eu tinha, porém Lucas...

— O que foi que te deu hoje?

— Oi? — estou tão cansada que não consegui acompanhar o raciocínio dele.

— V ocê não participou das conversas, ficou lá no mundo da lua. E só falava quando alguém perguntava alguma coisa a você.

— Lucas, estou cansada. Amanhã conversamos, pode ser?

— Não, não pode. Quero saber o que há com você? — ele fala, vai à cozinha e retorna com um copo de uísque.

— Já que você quer conversar, vamos começar pelo assunto que está pendente — fico ereta e o encaro.

— Que assunto? — pergunta e bebe um gole da sua bebida, nitidamente desconfortável.

— Sobre você trabalhar sete dias da semana? Ter passado o domingo todo fora? Esse é o assunto pendente.

— Eu já disse que estava trabalhando, merda! — Lucas se exalta, passa a mão pelo cabelo e ela desce pelo rosto.

— E você quer que eu acredite nisso?

— Eu já disse, aconteceu um imprevisto.

— Me diga que imprevisto foi esse que o fez deixar a sua mulher esperando a noite toda. Huh? V amos, Lucas, fale!

— Cruzo os braços e espero sua resposta.

— Não tem como conversar com você, Helena — ele vira o conteúdo do copo todo de uma vez na boca, coloca-o na mesinha de centro e sai apressado para o banheiro.

Antes de ele passar por mim, eu digo.

— Sei. Não tem como conversar ou você não quer conversar?

Ele não me responde, passa por mim resmungando qualquer coisa. Estava tão cansada mentalmente e por consequência, fisicamente, que tiro os meus sapatos e os deixo na sala mesmo, minha bolsa deixo no aparador. Lucas ainda fala algo que eu não consigo ouvir lá do quarto de hóspedes, e nem quero saber o que é. V ou para o nosso quarto, tiro o vestido e depois de tirar a maquiagem e uma ducha rápida, coloco a primeira camisola que vejo pela frente, então me deito na cama.

Lucas logo se junta a mim e como sempre, quando trabalha até tarde no dia anterior, nem sequer encosta em mim.

Viro de lado agarrada ao travesseiro, fecho os olhos e o último pensamento que tenho antes de dormir é que amanhã começarei a desvendar seus segredos, Lucas Montenegro.

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Comments

Maria Alves

Maria Alves

Isso é um tremendo chifre.

2024-06-11

3

Isabel Santos

Isabel Santos

Demorou Helena

2024-05-21

0

Cléia Maria da Silva d Azevedo

Cléia Maria da Silva d Azevedo

'Coitada. Isso não é vida. Provavelmente está sendo traída 😥

2023-09-27

3

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