A viagem foi longa, porém tranquila, creio que estou sentindo o fuso horário, me sinto enjoada. Shin prometeu me buscar no aeroporto quando liguei antes de embarcar e saber se tudo chegara em segurança.
O desembarque foi rápido e o aeroporto de Incheon é bonito, limpo e organizado, não é à toa que dizem ser um dos melhores do mundo, fiquei realmente impressionada. Fui direcionada para a sala vip onde me serviram um cappuccino e pude aguardar em uma poltrona aconchegante. Algumas pessoas circulavam por lá em seus ternos bem cortados, provavelmente viajando a negócios. Sinceramente me senti deslocada com meu jeans rasgado, camiseta e tênis e nem quero imaginar como deve estar meu cabelo. Vendo todas aquelas pessoas elegantes não pude deixar de imaginar como Shin se parecia. Só sei que meu marido o amava muito e era o único que ele mantinha contato após brigar com a família e ir para o Brasil em busca dos seus próprios sonhos.
Não faço ideia de como serei recebida, sei que tradicionalmente aqui os pais devem aprovar os casamentos, que Haneul e eu atropelamos tudo isso e hoje conhecerei meus sogros para se despedirem do filho, talvez seja a primeira e última vez que os veja, talvez até me odeiem e me culpem pela morte de Haneul, simplesmente não sei como encara-los.
Apesar da ansiedade, o cansaço foi maior e cochilei, quando abri meus olhos um homem estava à minha frente de pernas cruzadas em um elegante terno risca de giz me olhando fixamente. Endireitei a postura constrangida, disfarçadamente passei a mão pelos lábios para verificar se não estava suja de baba porque somente algo desse tipo justificaria aquele olhar, porém ele continuou a observar cuidadosamente cada gesto meu.
-- Bem-vinda Ane, é um prazer finalmente conhece-la.
Meu queixo caiu, esse homem alto de traços delicados, uma pele perfeita e voz de trovão era o Shin? Impossível, as poucas fotos que meu marido tinha, mostravam um rapaz franzino, cheio de espinhas que só usava moletom. Completamente atordoada apenas estendi minha mão em cumprimento que ele firmemente segurou.
-- Desculpe se a assustei, você parecia cansada e não quis perturbar.
-- Shin é realmente você? Desculpe, mas as fotos me fizeram pensar que um menino
viria me buscar, quando você cresceu tanto?
Acredite eu tinha que olhar para cima para ver seus olhos castanhos, ele era pelo menos
uns 20 centímetros mais alto que eu, me senti uma anãzinha.
Ele sorriu e passou a mão nos cabelos castanhos, quase loiros, uma mania igual ao que o irmão tinha quando se sentia nervoso. Tão diferentes fisicamente, mas uma certa familiaridade nos gestos, a forma tranquila de falar, a forma tímida de sorrir, era estranho, como uma sensação de dejavu.
-- Sou eu mesmo. Já você é exatamente como meu irmão descrevia. Sinto nos conhecermos nessa circunstância. – havia muito pesar nessas últimas palavras.
Saímos do aeroporto e um carro luxuoso com motorista nos aguardava. Depois de uns 30km aproximadamente chegamos ao nosso destino, Cheongdam. Passamos por lojas de grife, restaurantes exuberantes, galerias e boates, obviamente um lugar onde vive a nata e confesso que não esperava por isso, eu sabia que a família Kang vivia bem, mas isso é um tremendo exagero.
Paramos em frente a um prédio todo espelhado, uma espécie de porteiro saiu pea porta giratória e nos guiou para fora do carro com uma saudação formal. Tudo muito surreal para mim, a entrada toda em mármore, lustres pomposos em cristal e delicadas rosas brancas compunham com maestria o ambiente suntuoso. Não havia muitas pessoas na portaria, mas olhares nada discretos eram direcionados a mim,Shin percebendo meu desconforto sorriu e ofereceu seu braço que aliviada aceitei. Ao entrar no elevador respirei mais tranquilamente.
-- Relaxe Ane, não é você que eles estavam olhando e cochichando, é que eu nunca trouxe uma mulher no meu apartamento. Serei o assunto da semana, não se incomode com eles. Ok?
-- Ok, mas é sério que nunca trouxe uma mulher aqui? Uma namorada, nem mesmo uma
amiga? – Questionei em tom de brincadeira.
-- Muito sério, tirando a minha mãe e a secretaria que me ajudam com o funcionamento e limpeza, você é minha primeira convidada. Não tenho relacionamentos, meus amigos não são tão próximos e além disso, gosto de manter minha privacidade.
-- Quanta honra Sr. Kang Shin, mas se me permite, eu poderia ficar em um hotel. – E no mesmo instante me arrependi dessa afirmação, ele respirou fundo e com um tom muito sério respondeu.
-- Ane, eu jamais a deixaria enfrentar meus pais e passar por esse luto sozinha. Somos família, vou cuidar de você como meu irmão faria.
O elevador chegou na cobertura, Shin disparou para a porta, me recompus e entrei no apartamento. Na entrada uma sapateira, já que é um habito asiático não entrar em casa de sapatos, tirei meu tênis e o guardei, uma pantufa de zebra estava me esperando e não pude evitar de rir com elas na mão.
-- Desculpe por isso, foi a minha secretaria quem escolheu, acho que ela pensou que você seria um pouco, como posso dizer, extravagante? Venha conhecer o resto da casa. – Disse ele indicando o caminho.
Tudo muito sóbrio e clássico, uma sala ampla com janelas de vidro, dois sofás aconchegantes em forma de L e uma televisão enorme, ao lado uma mesa de jantar com oito lugares, envernizada na cor marfim com cadeiras em couro, a cozinha era o sonho de qualquer dona de casa, pequena e organizada com uma variedade de utensílios em inox.
O quarto era a cara do dono, uma cama king, prateleiras repletas de livros, uma escrivaninha com notebook, agendas e pastas. O closet imenso com uma parte cuidadosamente vazia.
-- Bom, por enquanto você vai ficar nesse quarto e teremos que dividir o closet,
suas malas já estão aqui, depois de descansar arrume com calma.
-- Mas você vai ficar onde? – Perguntei sentindo um grande incômodo.
-- Na sala, mas não se preocupe, eu esvaziei o escritório para você decorar como quiser, amanhã iremos ver móveis e qualquer outra coisa que precise, quero que essa seja realmente a sua casa Ane. -respondeu me tranquilizando.
Como não me comover com tudo isso, Shin sabia que eu era órfã e agora viúva recomeçando a vida em um país estranho, ele acabou se tornando o mais próximo que eu poderia ter de família. Segurando a emoção, só pude dizer obrigada. Fui deixada no quarto com ordens para descansar e um banho era tudo o que eu mais queria.
Dizer que dormi é pouco, praticamente entrei em coma, a exaustão e irritação da viagem, e a tristeza dos últimos acontecimentos me derrubaram. Não sei ao certo por quanto tempo apaguei e levando em conta o fuso eu estava mais perdida que nunca. Saltei da cama para a janela, estava amanhecendo e um cheirinho de café dominava o lugar, motivo mais que suficiente para me arrancar do quarto.
Descalça, descabelada e de “pijama”, bem, não dava para chamar de pijama shorts e regata, mas nunca gostei daqueles pijamões tipo vovó, no máximo uma camisola de seda que era o suficiente para o clima brasileiro. Segui meu nariz até a cozinha e me deparei com Shin coando o café.
-- Bom dia! - me cumprimentou com seu melhor sorriso.
-- Bom dia! Mas por favor não me diga que você é do tipo que acorda cantando!? – Resmunguei
me debruçando no balcão com meu mau humor.
-- Não, não canto bem, esse talento apenas meu irmão tinha, sinto muito, alguém
tinha que nascer bonito. - Brincou ele.
Realmente ele era, mesmo com um pijama ridículo de bolinhas ele parecia saído de um filme, desconfio que mesmo que usasse roupas de mendigo ou se enrolasse em sacos de lixo, com essa cara e esse corpo bem definido ele ficaria incrível. Uma grande injustiça na minha opinião, como se não bastasse ser rico.
-- Hahaha\, engraçadinho\, me dê logo esse café que o cheiro está me matando!!!
-- Eu nunca vi um ser tão viciado em café como você! Toma, cuidado que está muito quente. – colocando a xícara fumegante diante dos meus olhos.
Sentei direito no banquinho e segurei a xicara com as duas mãos aproveitando seu calor e sentindo o aroma inigualável, por um instante fechando os olhos me senti em casa. É isso o que café era para mim, um cheiro e gosto de casa, um aconchego, um carinho, um acalento. Passei tantos anos da minha vida sozinha no orfanato, crescendo e vendo todos irem embora, encontrando quem os amasse e confortasse enquanto eu ficava com os meus livros e um copo de café, secretamente ansiando pelo dia que alguém dividiria isso comigo.
Foi assim que conheci Haneul, em um curso de barista...
-- Ei, ei, ei acorda! – Chiou ele para me tirar do devaneio.
-- Desculpe. Me lembrei do seu irmão, pena que nunca vamos tomar café os três juntos... Como você aprendeu a fazer café? - falei antes que o clima ficasse pesaroso e experimentei o café.
-- Nos EUA, fiz minha faculdade lá e meu colega de quarto era quase tão viciado quanto você.
-- Forte e não tão doce. Aprovado irmãozinho, acho que depois de três desse eu consigo acordar.
Shin riu trazendo uma bandeja com frutas da qual eu fiz careta quando posta a minha
frente.
-- O que? Vai dizer que você não come pela manhã?
-- Exato, basta café e tudo fica perfeito! – e beijei minha xicara enquanto ele sacudia a cabeça em desaprovação.
-- Coma pelo menos uma fruta, por favor, e use a pantufa, não me faça ficar
preocupado com você.
Muito contrariada peguei um pedaço de maçã, suspirei e coloquei na boca dele.
-- As pantufas de zebra eu até engulo, mas não me obrigue a comer pela manhã. – e me servi de mais café enquanto ele resmungava algo ininteligível.
Terminei minha terceira xicara de café quando percebi que Shin me olhava intrigado.
-- O que foi?
-- Você é rabugenta assim todo o dia?
-- Só porque não acordo sorrindo não significa que sou rabugenta. Na verdade, eu acordo com o cérebro em branco e aos poucos programo mentalmente o que preciso fazer durante o dia, é assim que funciono e gosto dessa rotina. Logo você acostuma, basta não fazer perguntas difíceis pela manhã. Então qual a programação de hoje?
-- Bom, vamos resolver a questão dos moveis para o seu quarto e creio que teremos que comprar algumas roupas para você!
-- Porque roupas? Eu trouxe bastante! – Disse até um pouco indignada.
-- Porque logo vai nevar e creio que você não está preparada para isso!
Apenas resmunguei para sua cara de deboche, afinal ele tinha razão, mesmo se morasse no sul do Brasil, neve era coisa rara e eu realmente não estava preparada para uma nevasca, na verdade eu nunca tinha visto a neve...
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Atualizado até capítulo 57
Comments
K.D.Costa
a história é sobre um recomeço,ela voltou na terra natal do falecido marido para levar as cinzas e encontrar com sua família,de quebra vai morar o com o cunhado e ainda não descobri que será seu par romântico ❤️🤭
2023-03-07
2
Cida Lima
eu ainda não to entendedo a história
2022-10-12
0
Maria Betania
boa a história como tá no começo vamos ver o desenrolar da história
2022-09-17
8