Capítulo 15

Maurício

Eu me sinto dentro de uma sauna, isso é um fato. O calor que faz nesse país só não supera a temperatura de certas regiões litorâneas do Brasil. Já é noite, mas nada impede que as roupas que visto se tornem um tanto quentes e sufocantes.

-Vamos achar um hotel ou uma pousada mais discreta e longe do centro para passarmos essa noite. -aviso Isadora que não presta atenção em muita coisa.

-Seria o ideal.  -ela resmunga. -Estou varada de fome.

-Eu também. Quando nos acomodarmos no quarto que irei alugar, podemos pedir algo ao serviço de quarto ou podemos ir a um restaurante de comida brasileira.  Acredito que ainda deve ter algum aberto a essa hora.

-E é por momentos assim que eu deixo minha raiva de lado e passo a gostar um pouquinho mais de você.

-Nossa, até me sinto lisonjeado. -rebato com sarcasmo.

Andamos por cerca de mais ou menos vinte minutos, passamos em frente à alguns cartões postais famosos, tropeçamos em vários turistas, muitos deles em sua maioria de brasileiros, até que finalmente nos deparamos com belas portas trabalhadas em vidro e aço escovado de um pequeno, porém de aparência limpa e confortável, hotel, diferentemente desses de franquias que vemos por aí. Busquei o olhar de Isadora, querendo saber se ela estava de acordo com a escolha e com um meio sorriso estrangulado no rosto, ela aprovou o local com um aceno mudo de cabeça. Então, em questão de pouco tempo estávamos registrados e hospedados com nossos respectivos nomes e identidades falsos e, encaminhados para nosso quarto após efetuar o pagamento em dinheiro vivo.

Nada de cartões... Nada de dar mole... -eu me lembrava muito bem das recomendações.

-Bienvenidos al Recanto del Paraíso, señores. Disfrute de la estancia. Cualquier duda, estamos a las órdenes para lo que deseen. (Bem-vindos ao Recanto do Paraíso, senhores. Aproveitem a estadia. Qualquer dúvida, estamos às ordens para o que desejarem.) -um funcionário disse ao me entregar as chaves e indicar o número do quarto.

-Obrigada, Santiago. Avisaremos se for necessário. -agradeço e logo sigo o caminho indicado pelo mesmo, sonhando com o momento em que a água gelada do chuveiro iria refrescar meu corpo cansado e sujo após um dia de viagem.

Não tive nem tempo de destrancar a porta direito, pois Isadora invadiu local adentro como se o mundo estivesse em chamas e disparou feito um foguete para o interior do mesmo, sumindo de vista por alguns segundos. Ao fechar a porta atrás de mim e verificar que estava devidamente travada, segui pelo mesmo caminho que ela tinha feito, tirando a mochila das costas durante o trajeto. Foi quando senti algo atingindo meu rosto. Uma peça de roupa. Eu estava na porta do banheiro, meus olhos vasculharam o local em busca da minha boneca trapaceira, mas somente percebi onde ela estava, do outro lado do box de vidro opaco, quando outra peça alcançou o alto da minha cabeça. Seu sutiã.

-Isadora! -ralho meio rosnando.

-Que é? -rebateu petulante.

-Você é muito cara de pau, garota. Você roubou minha vez no chuveiro, sua... sua... trapaceira! -reclamo irritado.

-E quem disse que a vez era sua? Hein? -questiona colocando a cabeça para fora para me fitar, desafiando-me.

Meus olhos se estreitam com a sua ousadia, um pouco de raiva, um pouco de nervoso ao notar seus fios, agora curtos, porém ainda bonitos, pingando água e consequentemente fazendo uma bagunça no piso do banheiro antes organizado e limpo. Meu toc quase chegava a me levar a óbito ao presenciar tal cena.

-Ninguém disse porque era para termos conversado primeiro. Mas já que está aí, vê se termina logo com isso, e por favor, tente deixar pelo menos parte do banheiro intacta para que eu possa utiliza-lo em seguida, pode ser? -pergunto segurando a ponta do nariz com força e fechando os olhos para não ter que continuar assistindo aquela desordem bem a minha frente.

-Como você é chato. Isso é mania de velho, sabia? -ela provoca. -Arranjando confusão sem necessidade, eu hein... Agora cai fora daqui para que eu termine de tomar meu banho e você possa tomar o seu logo.

Bufando e indignado, saí do local antes que acabasse cometendo um assassinato ao afogar aquela loirinha irritante debaixo do chuveiro.

-Já acabei! -cinco minutos depois ela sai gritando vestindo um roupão do hotel e deixando um rastro de água pelo caminho.

Pelo menos ela foi rápida. -penso comigo mesmo, resistindo bravamente a vontade secar tudo e deixar limpinho novamente. Bato a porta do banheiro, deixando claro minha insatisfação e retiro minhas roupas, dobrando-as sobre a pia e entrando debaixo do jato de água fria que aliviaria parte da tensão em meus músculos.

《《《

-Maurício, você  por acaso desconhece o conceito de roupão ou a função específica que ele possui? -é a primeira coisa que Isadora guincha quando adentro o quarto trajando apenas uma toalha na cintura.

-Que isso, boneca? Está com medo de não resistir ao meu charme natural e molhado?  -provoco passando a mão sobre o peito.

Nada nunca foi tão difícil na vida quanto segurar a risada ao notar o rosto de Isadora se enrubecer ao ponto  de ficar igual a um pimentão maduro.

-Idiota. -diz ao revirar os olhos, desviando-os para um canto qualquer do quarto que não fosse eu.

Ela está constrangida e isso me dá um nó na garganta quando percebo tarde demais. Sabendo dos seu antigos sentimentos por mim, não era nada legal brincar com algo que remetesse a velhas feridas.

-Estou brincando, esposa. Me desculpe, eu realmente havia me esquecido desse detalhe. Que você estava aqui. Jamais te desrespeitaria de alguma forma, sabe disso né? Fica tranquila, isso não vai se repetir. Vou só pegar minha mochila, irei trocar de roupa no banheiro e já já estarei pronto para sairmos para comer algo, ok?

-Tá legal. Vou estar te esperando na recepção, pode ser?

-Eu prefiro que me espere aqui no quarto, Isa. Sabe os cuidados que temos que tomar.

-Eu espero. -ela concorda jogando-se sobre a grande e única cama de casal king-size que tinha no meio do quarto.

Bem... esse era mais outro pequeno problema, mas que com certeza eu deixaria para discutirmos na volta quando estivéssemos de barriga cheia. Até porque como todo mundo sabe, saco vazio não para em pé, então, nós precisávamos de bastante energia para a briga que viria a seguir mais tarde. Pois com toda certeza haveria uma ou duas a respeito do assunto, isso eu sabia.

***

-Estou morrendo de dor de cabeça. -Isadora reclama assim que deixamos o hotel e seguimos em direção a parte mais movimentada da cidade.

-Deve ser fome. Estamos indo comer, então provavelmente logo vai passar. -dou de ombros.

Felizmente um pequeno momento de paz se estabelece entre nós enquanto caminhamos. Cerca de pouco tempo depois conseguimos achar um restaurante, não era brasileiro, porém o local passava uma boa imagem de higiene além do cheiro incrível que exalava no ar.

Escolhemos uma mesa em um canto mais afastado, sempre atentos ao movimento ao nosso redor. Desconfiança era nosso segundo nome na situação em que nos encontrávamos.

Eu estava engolindo a décima garfada do meu prato tranquilamente, quando me assustei com Isadora iniciando uma crise de tosse que logo se transformou em um engasgo, deixando-a sem ar e com rosto vermelho.

-Ai, meu Deus! Fica calma, Isa! -me levanto apressado e corro para seu lado em seu auxílio.

-E-eu... -ela tentava falar algo, o que  só piorava ainda mais a situação. -n-não consigo... respirar.

-Cala a boca, Isadora. -eu a repreendo enquanto coloco a mão em suas costas, fazendo-a se debruçar para frente e apoiando suas mão sobre a mesa. -Tenta cuspir o que está obstruindo sua garganta. Consegue fazer isso?

A angústia estava cada vez mais tomando cada célula do meu corpo ao ver que a cada tentativa, ela não obtinha sucesso. Isadora não iria conseguir sozinha, eu tinha que fazer algo.

Manobra Heimlich. -a palavra surgiu em minha cabeça no mesmo segundo e logo eu me coloquei em posição.

Eu só tinha de me lembrar das instruções corretamente, dadas durante as aulas de primeiro socorros que havia tido nos tempos de escola. Me posicionando a suas costas, coloquei uma perna entre as suas e apoiei minhas duas mãos na parte central, mais ou menos na altura de suas costelas e iniciei uma sequência de compressões abdominais, até que em um instante ela expeliu seja lá o que fosse que estava em sua goela, para fora, indo parar no chão. Com as forças esgotadas, ela acabou cedendo o peso de seu corpo em meus braços que a ampararam no mesmo segundo.

-Você está bem? -questiono quando ela se coloca sobre os pés novamente e recebo um aceno tímido em afirmação.

-Graças à Deus, que susto você me deu, mulher!  -respiro fundo aliviado e volto a me sentar em meu lugar novamente.

-A gente pode ir embora agora?  -ela pede também se sentando.

Eu estava prestes a perguntar o motivo, já que nós havíamos acabado de chegar e mal terminado de comermos, entretanto percebi seus olhos azuis varrerem o local com certo receio, só então é que notei o olhar das demais pessoas que estavam nas outras mesas, voltados a atenção para nós dois.

-Podemos sim. Acho que perdi a fome.  -afastando minha cadeira, fiz sinal para que um garçom que trouxesse a conta.

Assim que deixamos o restaurante, mesmo sendo relativamente tarde da noite, nos deparamos com as ruas ainda agitadas e cheias de casais a passeio, adolescentes com seus skates e turistas tirando fotos ou comparando lembrancinhas que eram vendidas pelos vários vendedores ambulantes que inundavam as calçadas. Eu estava andando distraído ao lado de Isadora quando acidentalmente, acabo esbarrando em uma vidente velhinha e muito louca.

-Vocês estão destinados ao sofrimento... - ela começa a ladainha, destinando-a a nós. -Eu vejo uma nuvem negra pairando sobre o amor de vocês...  Uma mulher! Ela quer separa-los. Está fazendo de tudo para destruí-los e... -a mulher não parava de dizer absurdo atrás de absurdo.

Se ela ao menos soubesse da história verdadeira, talvez não falasse tanta bobagem em troca de dinheiro, como fazia com outros desavisados que infelizmente caíam em seu papo furado.

-Vem, Isa. -eu puxo pela mão, saindo de perto daquela mulher.

-O que estamos fazendo aqui, Maurício? -Isadora questiona quando paro na frente de uma barraquinha de bijuterias em uma feirinha de rua, no caminho de volta para o hotel.

-Eu acabo de perceber há alguns instantes atrás, a falta de um mero, mas importante,  detalhe na história que construímos. Como é que um um casal de recém-casados não usa uma aliança dourada no dedo anelar, hã? -deixo a dúvida no ar.

-Realmente...  eu também não tinha pensado nisso. - ela responde olhando para mão com o semblante pensativo.

-Pois então, resolveremos esse pequeno impasse agora mesmo. -pisco para ela. - Quanto custa, moça? -aponto para um par de alianças simples no mostruário e, após pagar pelo valor cobrado, deslizo o anel pelo dedo de Isadora e em seguida faço o mesmo com o meu. -Eu nos declaro marido e mulher, diante de...  dessa moça que nem conhecemos e das outras pessoas a nossa volta. -ri e ela fez o mesmo.

A descontração do clima perdurou por mais alguns minutos durante o percurso de volta, contudo, uma sensação estranha acabou dissipando o bom humor e eu comecei a me sentir incomodado, sem saber direito o porquê. Algo errado estava acontecendo, disso eu tinha quase certeza, entretanto, no momento eram apenas suspeitas rondando minha mente.

Andamos por mais alguns metros e a cada esquina que virávamos, mais a sensação de que tinha alguém nos seguindo ou nos vigiando nas sombras a distância, ficava mais forte.

-Escute com atenção o que vou dizer, Geovana. -digo a Isadora, preferindo não arriscar chamando-a pelo nome verdadeiro.  -Não olhe para trás e nem faça movimentos bruscos, mas acho que estamos sendo seguidos. -ela arregala os olhos, contudo continua a caminhar da mesma forma, sem demonstrar ter sido afetada pela notícia.

-E agora? O que a gente faz?  -sua voz não passava de um sussurro estrangulado que somente meus ouvidos atentos conguiam ouvir.

-Vamos fazer um trajeto diferente para voltarmos ao hotel, afim de não levarmos seja lá quem for essa pessoa, diretamente para nosso quarto. Precisamos despistar.

Mais alguns metros percorridos, fazendo curvas e apressando os passos por um caminho totalmente novo, conseguimos alguma vantagem a frente de nosso perseguidor.

-No três comigo...  - eu a preparo.  -Um... dois.. -no três nós desatamos a correr, comigo segurando sua mão fria e suada, levando-a em um ritmo bem mais rápido do que suas pernas estavam acostumadas no dia a dia.

Confesso, talvez realmente estivesse ficando velho mesmo, porque eu sentia como se nunca tivesse corrido tanto em minha vida. Com o coração batendo em um compasso enlouquecido dentro do peito e os pulmões ardendo, paramos em um beco sem saída atrás de um supermercado fechado a essa hora, para tomar um pouco de fôlego antes retornarmos a corrida mais uma vez.

-Shiii... -peço silêncio com o dedo indicador quando ouço o som de passos se aproximando na rua.

-Droga! -o barulho de uma lata de lixo sendo chutada assusta Isadora e eu me apresso em tampar sua boca com a mão.  -Acho que perdi os dois de vista!

A voz do homem que nos seguia continua e eu deduzo que ele deveria estar falando com alguém ao celular.

-Calma. -eu sussurro ao ouvido dela, com os olhos fixos aos seus, transmitindo confiança.

-Eu... caramba! Tá, tá, entendido. Vou dar mais algumas voltas por aí para ver se os acho. Te ligo mais tarde assim que terminar as buscas. -sua voz era sombria e tensa.  -Uhum... certo. Até mais, chefia. -disse encerrando a ligação.

-Nós vamos sair dessa, eu prometo. -garanto em tom baixo ao abraçar o corpo da garota mais preciosa para mim de encontro ao meu, junto a parede atrás de si e, mesmo com a parca iluminação do local, pude vislumbrar uma pequena faísca do brilho da antiga Isadora pela qual eu havia me apaixonado um dia, em seus olhos da cor do céu.

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Comments

Joelma Oliveira

Joelma Oliveira

como eles vão conseguir se esconder se estão seguindo eles d perto!! jogaram eles aos tigres

2022-11-20

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