...Trevor Belmont...
Fechei a porta do escritório com um estalo seco. O som reverberou nas paredes como um aviso: essa conversa mudaria tudo.
Me sentei na poltrona de couro envelhecido, mas a rigidez do encosto não era nada comparada à pressão que se instalava no meu peito. Kaleo ocupava a cadeira à minha frente com aquele ar calculado e contido — como se carregasse uma bomba no colo e fingisse que era só mais um artefato antigo.
— Pode começar — murmurei, a voz mais grave do que eu esperava.
Ele cruzou os braços devagar, os olhos sustentando os meus.
— Seu avô me procurou. Disse que a tribo do norte tem sofrido ataques cada vez mais frequentes... e que chegou a hora de cumprirmos a promessa que selamos com seu pai. A promessa de unirmos as tribos... como era a vontade dele.
Fiquei em silêncio por um segundo. Depois ri. Um riso seco, curto, amargo.
— A cidade tem enfrentado ataques, é verdade. Vampiros, crinos, até espectros em algumas noites. Mas lidamos com tudo. Eu lidei. E desde que Sophie chegou, nossa força dobrou. Ela não é só uma aliada... ela é parte de nós.
Kaleo arqueou uma sobrancelha, desconfiado.
— E quem é essa garota, Trevor? Por que você a trouxe pra dentro da sua tribo?
Inclinei-me à frente, o olhar firme.
— Eu não “trouxe”. Eu reconheci. Sophie é peeira. Ela nasceu pra isso. E mais: é minha parceira. Ela é minha escolha. Meu futuro.
Kaleo inspirou fundo como se precisasse controlar alguma coisa dentro dele. Então deixou cair a verdade:
— Esse futuro que você escolheu... talvez não seja possível.
— Como assim? — minha voz saiu afiada, fria.
— Seu pai e eu... fizemos um acordo. Um pacto selado por Xamã e pelos espíritos da linhagem. Um tratado ancestral. Quando assumi meu posto como alfa do sul, sabíamos que um dia precisaria haver união entre nossas tribos. E essa união... viria através de vocês. De você e Maya.
Um silêncio denso caiu entre nós. A lembrança do beijo no hall da minha casa ainda queimava no fundo da minha mente. Respirei fundo, tentando conter o turbilhão.
— Isso foi há anos— murmurei, me levantando. — Eu e Maya não somos mais os mesmos. Nem de longe. E eu amo Sophie.
— Maya se manteve casta por causa desse tratado, Trevor. Ela acreditou nesse destino desde sempre. Honrou o pacto que seus pais fizeram.
Fechei os punhos, sentindo meu maxilar travar.
— Eu não fiz esse pacto, Kaleo! Eu não dei minha palavra. E se você acha que pode chegar aqui, jogar o passado na minha cara e apagar tudo o que vivi com Sophie... está enganado.
— Você não pode simplesmente recusar — ele disse com calma perigosa. — Essa não é uma escolha comum. Não estamos falando de sentimentos, Trevor. Estamos falando da sobrevivência da linhagem.
Virei de costas, indo até a janela. As árvores da reserva balançavam suavemente ao vento, mas naquele momento, tudo parecia sufocante. A floresta, a casa, o sangue nas minhas veias.
— Eu não quero unir tribos por obrigação — falei com os olhos fixos nas sombras do entardecer. — E não quero perder quem eu sou por causa de um tratado que eu nunca aceitei.
— Eu entendo. — A voz dele suavizou. — E é por isso que... vou te dar um mês. Apenas um. Pense com clareza, com cabeça fria. Tempos sombrios estão vindo, Trevor. Eu estive com Xamã há pouco. Ele falou de escuridão se aproximando. De linhagens sendo corrompidas. Você sabe que ele não fala por falar.
Fechei os olhos, sentindo o peso do que estava por vir me pressionar o peito.
— Eu também estive com ele — confessei. — E as visões que ele compartilhou... me deixaram inquieto. Muito.
— Então você entende a gravidade. — Kaleo se levantou. — Ficarei na reserva por um mês. Na casa da minha prima, Iasmin Griffin. Dê-me sua resposta até lá.
Fiquei em silêncio.
Ele já estava na porta quando disse, com a voz mais baixa, mais densa:
— Maya ainda te ama, Trevor. Está animada com o tratado. Com o que isso pode significar. Ela acredita que é o destino de vocês... e quer lutar por ele. Pense nisso antes de escolher. Pense com sabedoria.
A porta se fechou com um clique seco.
E o silêncio que ficou... parecia mais alto que qualquer grito.
Me joguei na cadeira e levei as mãos às têmporas, massageando com força, como se aquilo pudesse aliviar a pressão que latejava dentro da minha cabeça.
Meu avô passou semanas fora. Foi até o sul, se meteu onde não devia e voltou trazendo um legado que não me pertence.
Um tratado selado anos atrás, sem meu consentimento, agora ameaça arrancar tudo o que construí com Sophie.
Como se cada passo que dou em direção a ela... o universo conspirasse para me puxar de volta.
Amo aquela garota. Amo com uma intensidade que queima por dentro. E justo agora que ela se entregou, que nossos corações finalmente caminham no mesmo ritmo... querem nos separar?
Solto o ar com força, os olhos fechados, os punhos cerrados.
Não... Não vão.
Mas então, a lembrança me golpeia. Um momento esquecido, enterrado... até agora.
FLASHBACK
O topo do Monte do Lobo Vermelho nos envolvia num silêncio acolhedor, quebrado apenas pelo som do vento varrendo as árvores. Estávamos sentados lado a lado, observando as luzes suaves de MistFalls se acendendo aos poucos lá embaixo. O céu tingido em tons dourados e violeta refletia a inquietação dela.
— Trevor... eu não quero ir embora. — A voz de Maya saiu embargada, pequena, frágil.
Virei o rosto para ela e segurei sua mão com firmeza.
— Eu também queria que você ficasse. Mas... não tem como convencer seu pai a ficar. A tribo precisa dele no sul.
Ela apertou os lábios, tentando conter as lágrimas.
— Eu sei... mas eu preciso de você. E eu sinto — ela engoliu seco — que a gente não vai se ver mais.
Você é meu melhor amigo. Eu te amo. Não conheço ninguém na outra tribo... vou me sentir sozinha.
O nó na minha garganta apertou. Maya sempre foi forte. Vê-la assim... me desmontava.
— Olha, vamos fazer uma promessa — falei, segurando os dois lados do rosto dela e forçando um sorriso. — A gente jura nunca deixar que nada destrua nossa amizade, ok?
Você vai ser pra sempre essa menina doce e forte que eu amo. Sempre vou estar aqui por você, Maya.
Ela assentiu e apoiou a cabeça no meu ombro. Ficamos ali, em silêncio, apenas sentindo a conexão. O mundo podia mudar... mas aquele momento parecia eterno.
— Promete mesmo? Que nada vai nos afastar? Que vai sempre estar aqui? — Ela ergueu o dedinho, os olhos marejados. — Mesmo se um dia eu estiver longe, ou se você tiver outra pessoa...
— Eu prometo — sussurrei, entrelaçando meu dedo no dela.
Ela sorriu, mas era um sorriso triste, um adeus disfarçado.
— Às vezes... eu queria que existisse um botão. Um que pulasse direto as partes ruins da vida. Só as ruins. E levasse a gente logo pra parte feliz... — disse com a voz trêmula.
— Não dá pra pular a jornada, Maya. — Toquei o queixo dela com carinho. — A jornada é o que torna o final... inesquecível.
Ela riu fraco, e depois suspirou fundo.
— É como estar presa no melhor sonho... e no pior pesadelo, tudo ao mesmo tempo. Eu não quero te deixar, Trevor.
— Então finge que é só uma viagem de férias com sua família, e logo você vai estar de volta.
Quem sabe a gente se encontre antes do que imagina.
Ela se levantou com relutância, limpando as lágrimas.
— Está quase na hora... temos que voltar. Meu pai não gosta de esperar.
Antes de dar o primeiro passo, ela se virou e me abraçou com força, como se quisesse guardar meu cheiro, minha presença... pra sempre.
— Promete que não vai me esquecer... nunca? — sussurrou contra meu pescoço.
— Eu prometo.
E naquele fim de tarde, com as estrelas começando a surgir sobre nossas cabeças... eu achei mesmo que seria só um até logo.
Claro que não posso negar... Maya foi um grande amor. Uma amiga de infância, alguém com quem compartilhei lembranças que ainda vivem em mim.
Prometemos nunca deixar nada nos afastar. E não deixamos — mas o que restou entre nós foi só isso: amizade.
Aquele beijo… serviu como uma resposta. Um lembrete silencioso de que o que sinto por ela agora é apenas carinho.
Não amor.
Mas e quanto ao acordo?
O que fazer com algo selado por juramentos antigos, quando meu coração clama por algo que ninguém mais pode me dar… além de Sophie?
...Sophie Histon...
O céu começava a se tingir de dourado, anunciando o fim da tarde. A cada passo, o som dos nossos sapatos se misturava com o som abafado da natureza.
— Acho melhor voltarmos, Robin — murmurei, ainda sentindo o peso daquela presença que parecia não querer me soltar.
— Claro — ele respondeu, com um aceno suave de cabeça.
Seguimos pelo caminho de volta, a floresta sussurrava com o farfalhar leve das folhas, como se o próprio vento estivesse em suspense...
...até que, ao longe, um carro prateado chamou minha atenção.
Estacionado à beira da trilha, era grande e reluzente. Kaleo já estava ao volante, com o semblante sério.
E então a vi.
Maya surgiu na entrada do carro — e por um instante, tudo ao redor pareceu desacelerar.
Sua silhueta era esguia, com postura altiva. Tinha a pele dourada pelo sol, traços marcantes e um ar sereno e ancestral que me fez pensar imediatamente em algo mais... antigo, mais profundo. Seus longos cabelos negros caiam em ondas pesadas até a cintura, e quando ela virou levemente o rosto para mim, o que me prendeu foram seus olhos — olhos de um verde vivo, intensos como se carregassem uma floresta inteira dentro deles.
Ela me olhou com uma calma inquietante, como se não precisasse falar nada para deixar claro o que sentia. Não havia gritos, nem gestos — só aquele olhar, agudo, como uma lâmina fria: uma mistura de desdém e desafio contidos num rosto que, de tão sereno, assustava mais do que se tivesse gritado.
Engoli em seco, desviando o olhar como quem tenta se proteger do frio.
— Vocês são amigos? — perguntei a Robin, tentando soar casual, mas minha voz traiu um leve tremor.
— Maya? — ele arqueou as sobrancelhas, como se pensasse no que dizer. — Não exatamente... ela é minha prima de segundo grau.
— Ah... — murmurei, sem conseguir esconder o amargor no fundo da garganta. — Então é de família esse olhar atravessado?
Robin riu, sem graça.
— Ela não parece ter gostado de mim...
— Também tive essa impressão — ele suspirou, passando a mão pelos cabelos. — Mas... espero que ela não te cause problemas. Já temos encrenca demais pra lidar, Sophie. De verdade.
— Nem me fale — respondi, dando uma última olhada por cima do ombro.
O carro já tinha arrancado, mas a sensação de que aqueles olhos ainda estavam cravados em mim... permaneceu.
Como se Maya não fosse apenas uma loba alfa.
Como se ela fosse uma ameaça velada.
Ou pior... uma sombra prestes a crescer.
Assim que entramos, percebi a porta do escritório ainda fechada. Trevor não tinha saído de lá.
Me aproximei com cuidado e bati.
— Quem é? — a voz dele veio abafada, tensa.
— Sou eu, amor. Posso entrar?
— Pode...
Abri devagar. Ele estava sentado atrás da mesa, os ombros pesados, o olhar perdido — como se tivesse lutado contra o mundo e perdido.
— Está tudo bem? — perguntei, já sentindo no peito que a resposta seria um não.
— Vem cá... me abraça — ele pediu, baixo.
Fui até ele e sentei em seu colo. Ele me envolveu nos braços, soltando um longo suspiro contra meu peito. Levei os dedos aos cabelos dele, afagando com calma.
— Quer conversar?
Ele levantou o rosto e me olhou com uma dor tão exposta que meu coração apertou.
— Por muito tempo... achei que nunca mais amaria de verdade. — A voz dele veio rouca, carregada. — Que minha vida seria dedicada apenas à reserva. À proteção da tribo, da cidade, das pessoas.
O peso de ser líder... de decidir por todos... isso foi me consumindo.
Tentei ser como meu pai. Ou melhor. Mas nunca parecia o suficiente.
— Ei... — levei a mão ao rosto dele, fazendo-o me encarar. — Trevor, nesses meses eu vi você se doar como ninguém. Você carrega o mundo nas costas por todo mundo aqui. E mesmo assim, ainda me deu o melhor de você...
Ele fechou os olhos, como se aquelas palavras o ferissem e confortassem ao mesmo tempo.
— Mas você apareceu, Sophie. E eu tentei — juro que tentei — não me apaixonar.
Só que... acho que me apaixonei no momento em que te vi pela primeira vez.
Você trouxe cor. Vida. Leveza. Você se tornou o meu mundo.
— Eu também me apaixonei por você naquele instante — sorri, apertando sua mão. — Talvez não tenha percebido na hora… mas quando esbarramos naquele corredor, algo dentro de mim mudou.
Ele sorriu de volta e me beijou com carinho, um beijo que dizia tudo o que não sabíamos colocar em palavras.
— Sophie… tantas vezes na vida eu deixei de fazer o que queria... pra fazer o que era certo.
Por todos. Pela tribo.
E agora... me pergunto: será que de novo... eu vou precisar abrir mão do que me faz feliz?
— Me conta o que está acontecendo — pedi com doçura. — Eu tô aqui. Você não precisa carregar tudo sozinho.
Ele hesitou. O silêncio se prolongou.
— Eu quero te contar. Mas... não sei se agora é o momento certo.
— Se for algo que pesa tanto assim... talvez contar alivie um pouco.
Ele me olhou como se estivesse preso entre o amor e o dever, entre o agora e o passado.
E ali, abraçada a ele, eu soube que o que quer que fosse... não era só sobre ele.
Era sobre nós.
Eu seguro o rosto dele com delicadeza e o beijo — um beijo que fala sem palavras: “estou aqui, por você, com você, até o fim.”
Seus lábios me respondem com um calor que me desmonta por dentro, como se nosso toque selasse um pacto silencioso entre nossas almas.
— Independente do que seja… — sussurro contra sua boca — eu vou aceitar sua decisão.
Os olhos de Trevor brilham com um misto de alívio e amor.
— Eu amo muito você, marreta.
Faço uma careta dramática e empurro levemente seu ombro.
— Isso de novo não, Trevor…
— Só pra não perder o costume — ele ri, e beija meu queixo com um carinho que me arrepia inteira.
— Eu preciso ir pra casa.
Ele envolve minha cintura, me puxando contra o peito forte, como se não quisesse me soltar nunca.
— Fica mais um pouco — ele murmura com aquele tom grave e rouco que me desarma toda.
— Amor… eu prometi às meninas que ia levá-las ao shopping de Valley. Não posso furar.
Ele geme baixinho, com a testa colada na minha.
— Tudo bem… mas à noite, depois da patrulha, a gente dorme juntos. Ok?
— Combinado! Mas dessa vez na minha casa. Chego na reserva às dezenove, tá?
— Vai patrulhar com a gente essa noite?
— Preciso encarar meu medo de não conseguir me transformar. Se der ruim… peço ajuda da Sarah.
— Eu vou estar lá. Te espero perto da clareira, às dezenove — ele diz, sério agora, com os olhos fixos nos meus.
— Ótimo.
Dou um beijo leve nele e me afasto.
— Acha mesmo que isso vai me deixar satisfeito? — ele provoca, levantando e me puxando de volta com firmeza.
E então, antes que eu possa responder, seus lábios tomam os meus num beijo quente, cheio de desejo. Um daqueles que fazem a espinha arrepiar e o tempo parar por um instante.
Meu coração dispara. Ele sabe exatamente o que faz comigo.
Quando ele finalmente recua, está ofegante e com aquele meio sorriso que me faz perder a razão.
— Agora sim… pode ir. Te vejo à noite, minha loba.
Sorrio, já com a mão na maçaneta.
— Sophie!
Viro o rosto por cima do ombro, curiosa.
— Eu te amo — ele diz, como uma certeza que atravessa o ar.
Meus lábios se curvam em um sorriso terno, cheio de sentimento.
— Também amo você, Trevor.
Dou uma piscadinha charmosa, e saio com o coração batendo acelerado — como se ele ainda estivesse ali, batendo junto ao meu.
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Atualizado até capítulo 81
Comments
Silvia Araújo
luta marrenta
2022-11-03
0
Alexandre Silvino
a situação ficou complicada
Mas acho que Trevor vai acabar cumprindo o acordo que favorece a união com a tribo do sul
2022-01-04
5
Lilian costa
pensei q o avo do Trevor, gostasse da Sophia
2021-11-25
4