Fiquei olhando a foto dentro do relicário por longos minutos... ou seriam horas? Era como se o tempo tivesse parado entre os contornos daquele rosto — o dela, o de Ágata — e o sorriso apagado da minha mãe.
Senti os dedos de Trevor tocarem de leve minha mão, trazendo-me de volta.
— Está bem? — a voz dele veio baixa, mas cheia de cuidado.
Pisquei algumas vezes, voltando ao presente.
— Oi? Me desculpa... eu só estava imaginando como teria sido viver com elas. Crescer ao lado delas. Ter uma família de verdade.
Trevor se ajeitou no banco, virando o corpo um pouco em minha direção.
— Eu só quero saber como você está... depois de tudo que descobriu.
Suspirei, com um pequeno sorriso que não chegou aos olhos.
— Digamos que... extasiada. É uma mistura caótica de sentimentos. Curiosidade, dor, esperança. Mas... estou bem.
Ele me olhou com aquele jeito que sempre usava quando tentava decifrar o que eu não dizia em voz alta.
— Fico feliz que tenha encontrado algumas respostas. Mas... também estou preocupado. Com o que isso pode fazer com você.
Segurei sua mão com firmeza, entrelaçando nossos dedos.
— Eu estou bem, Trevor. De verdade.
— Eu só... não quero que isso te afunde. Gosto de te ver sorrindo. Você não faz ideia do quanto isso significa pra mim.
Me aconcheguei em seu braço, como se ele fosse meu porto — e era.
— Só quero entender tudo. Por completo. E então... talvez possamos ter um pouco de paz.
Quando chegamos à casa de Trevor, estacionei o carro com lentidão. Havia um veículo diferente parado em frente à garagem.
Franzi o cenho.
— Você está esperando alguém?
— Não. E sinceramente, não faço ideia de quem seja — respondeu ele, já atento.
Descemos do carro. Trevor me puxou para perto com um gesto protetor e seguimos até a porta.
Ao abrirmos, vozes altas ecoavam da sala. A tensão estava no ar antes mesmo que atravessássemos o limiar.
— ...eu não acho que sua atitude seja nobre — dizia uma voz feminina, firme. — Muito menos algo que beneficie a tribo.
Trevor parou na porta da sala com o olhar endurecido.
— Gina. O que você está fazendo aqui?
A mulher virou-se, com a expressão altiva.
— Oi, Trevor. Vim tratar de assuntos da tribo do sul com você.
Ao lado dela, um homem de postura imponente se levantou lentamente do sofá. Seus olhos eram escuros como a noite e carregavam um peso ancestral.
— Sophie, este é Kaleo Watson. O alfa da tribo do sul — apresentou Trevor com um leve aceno.
Estendi a mão com naturalidade.
— Prazer... Sophie Histon.
— O prazer é todo meu, minha jovem — disse Kaleo, com um sorriso educado. — Espero que esteja se sentindo segura por aqui.
— Podemos conversar a sós, Trevor? — ele acrescentou, voltando sua atenção ao anfitrião.
— Claro. Só... tem algo me incomodando — Trevor olhou em direção ao canto da sala, onde seu avô observava tudo em silêncio. — Não entendo por que você, Kilian, apareceu no mesmo dia dessa visita.
Kilian arqueou uma sobrancelha e deu um passo à frente.
— Estava com Kaleo. Se é isso que está pensando com essa cabecinha desconfiada.
— Eu sabia que tinha dedo seu nisso — resmungou Trevor, cruzando os braços.
— Só estou zelando pelo bem da tribo, neto. Você deveria fazer o mesmo.
Antes que qualquer outra palavra fosse dita, uma risada suave cortou o ar. Uma garota belíssima surgiu pela porta lateral conversando com Robin, como se o ambiente não estivesse carregado de tensão.
— Boa tarde, Sophie — disse Robin, com um sorriso amigável.
— Trevor! Que saudade! — disse a garota, em um tom doce e íntimo demais para meu gosto.
Antes que eu pudesse reagir, ela correu até ele... e o beijou.
Na boca.
Vi os braços dela se enroscarem em seu pescoço como se fossem donos daquele espaço. Meu corpo congelou. O som ao redor pareceu desaparecer.
Senti meu coração apertar, e o ar que eu respirava virou algo denso, impossível de engolir.
Ele não correspondeu. Mas também não a afastou imediatamente.
Respirei fundo. A única explicação para aquela intimidade... é que ela era quem eu temia.
— Só pode ser ela... — murmurei para mim mesma.
Trevor enfim a segurou pelos ombros e afastou delicadamente, visivelmente constrangido.
— Maya? O que está fazendo aqui? — a voz dele soou mais surpresa do que qualquer outra coisa.
Ele me olhou, e pude ver a tensão no fundo dos seus olhos.
— Vim acompanhar meu pai! — ela disse, com um sorriso provocador. — Não está feliz em me ver, amor?
Amor? Quem essa garota pensa que é pra chamar o MEU namorado assim? Eu vou arrancar cada fio desses cabelos pretos reluzentes dela se continuar com isso...
— Claro que fico feliz em te ver, só não esperava... — Trevor rapidamente voltou o olhar para mim, segurando minha mão com firmeza. — Deixa eu apresentar vocês.
— Maya, essa é a Sophie... minha namorada.
Ela cruzou os braços, me encarando dos pés à cabeça com aquele olhar afiado que só uma mulher determinada a causar tem.
Dei um sorriso forçado, sem abaixar o olhar, e estendi a mão.
— Prazer em conhecê-la, Maya.
— Digo o mesmo, Sophie. — Ela ergueu uma sobrancelha, como se me medisse.
Não. Eu definitivamente não gostei dela. Isso vai virar um problema. E dos grandes.
— Então, Trevor... podemos conversar agora? — interrompeu Kaleo, voltando sua atenção para o filho.
— Claro — respondeu Trevor, com o tom endurecido. — Vamos para o escritório.
Trevor seguiu para o corredor e Kaleo o acompanhou. Robin, que havia observado a cena toda, fez uma careta para mim e se aproximou com um sorrisinho solidário.
— Quer dar uma volta?
— Por favor! — respondi, aceitando de bom grado.
Regina suspirou, saindo da sala em direção à cozinha. Maya se jogou no sofá como se fosse dona da casa e continuou a me fitar com aqueles olhos carregados de ressentimento.
Ignorei.
Saí com Robin pela porta dos fundos, sentindo o ar fresco da tarde aliviar minha tensão.
— Onde está Luara? — perguntei, só para aliviar o peso no peito.
— Ficou em casa com a mãe. Vou pra lá daqui a pouco. Maya foi bem direta, hein? Me desculpa por ela — disse Robin, com o tom simpático.
— Vou fingir que não vi o show de horrores. Você sabe o que Kaleo quer com Trevor?
— Ouvi meu pai comentando sobre um antigo acordo que ele e o pai de Trevor fizeram antes de morrer.
— Mas esse acordo ainda vale? Trevor já é o novo alfa, não?
— Só se foi selado perante o Sr. Xamã.
— Ótimo. Justo agora que estou começando a entender quem sou, vem mais confusão.
Robin assentiu, pensativo.
— Trevor me contou sobre a bruxa. Como foi lá?
— Descobri que tenho uma irmã mais velha chamada Ágata... e uma irmã gêmea: Ophelia. E, pra resumir o pesadelo: eu fui gerada como oferenda a Ísis.
— Caramba, Sophie... isso é pesado. Mas o mais importante é que as peças estão aparecendo. As respostas estão vindo.
— Pelo menos isso.
O cheiro da terra úmida misturava-se com o frescor das folhas. Andávamos devagar, sob o sussurrar do vento entre os galhos altos. O céu começava a se tingir com as cores suaves do entardecer, e mesmo assim, meu peito parecia uma tempestade prestes a desabar.
Robin chutava uma pedrinha no caminho, como se pensasse no que dizer. Eu quebrei o silêncio primeiro:
— Robin... quem exatamente são Kaleo e Maya?
Ele soltou um suspiro longo, como quem se preparava pra contar uma história antiga.
— Kaleo... Kaleo é o filho mais velho da tribo do sul. — Ele me lançou um olhar rápido, depois voltou os olhos para o caminho. — Muito tempo atrás, éramos uma única tribo. Mas o irmão de Kilian, decidiu que não concordava com o Conselho das Quatro Famílias. Achava que deveria existir apenas um único líder. Um alfa soberano.
— E Kilian... ficou do lado do conselho?
— Sim. Mesmo jovem, ele não compactuava com o pensamento do pai. Decidiu ficar, se afastar da ambição que dividiu a tribo. — Robin passou a mão nos cabelos, pensativo. — O tempo passou... Kaleo se casou, teve Maya. E como o destino adora brincar com a gente, Maya e Trevor cresceram praticamente grudados.
Meu coração bateu mais forte.
— Eles eram próximos?
— Muito. Kaleo e Billy, pai do Trevor, eram melhores amigos. Um vivia na casa do outro. A infância deles foi compartilhada em todos os sentidos. Brincadeiras, treinos, decisões... E claro, Maya e Trevor acabaram se tornando inseparáveis também.
A trilha estreitou. Subimos por uma elevação de pedras cobertas de musgo. O som distante de um riacho se misturava aos meus pensamentos.
— Eles namoraram? — minha voz saiu mais baixa do que eu esperava.
Robin deu uma risada contida.
— Tiveram um namorico de jovens... sabe como é. Aquela coisa de primeiro beijo, primeiro amor. Mas eram muito novos. Não durou muito.
— E então o irmão de Kilian morreu — completei, lembrando do que ouvi no escritório.
— Exato. A morte do irmão forçou Kaleo a assumir a liderança da tribo do sul. Ele tinha deixado tudo pra trás, mas precisou voltar... assumir o posto, manter a ordem. Maya foi com ele.
Respirei fundo, tentando processar.
— Então Maya é... a ex de Trevor, uma loba alfa... filha do líder da outra tribo...
— E neta do homem que quase destruiu a unidade de todas as tribos. — Robin completou com um olhar mais sério.
— Bastante atributos, né? — murmurei, sentindo uma pontada no estômago.
Caminhamos em silêncio por alguns passos. O vento bateu no meu rosto e mexeu os galhos das árvores. Não era só o passado de Trevor que estava à minha frente — era uma ameaça em potencial, uma ferida antiga se abrindo de novo.
— Robin... — falei, sem esconder minha vulnerabilidade. — Isso tudo me deixa... desconfortável. Como se eu tivesse invadido uma história que já existia antes de mim. Como se, a qualquer momento, ela pudesse tomar meu lugar.
Ele parou, se virou pra mim com firmeza no olhar.
— Sophie, você não invadiu nada. Você chegou quando a tribo mais precisava de você. Trevor está contigo. Eu nunca vi ele olhar pra alguém como olha pra você.
Baixei os olhos, sentindo as emoções turvarem minha visão. Aquela insegurança teimosa ainda pesava no meu peito. Mas as palavras de Robin, ditas com tanta verdade, aqueceram algo dentro de mim.
— Obrigada por ser honesto — sussurrei.
— Sempre serei. E... não se esquece de uma coisa: Maya pode ter história com ele, mas você é o presente. E talvez... o futuro.
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Atualizado até capítulo 81
Comments
Sara Niziato
tá vendo depois a gente que é do time Alec tá errado, e aparece a noiva que o cara não pode recusar. Agora explica aqui, como a Shopie é destinada a ele se tem esse acordo abençoado pelos espíritos?
2025-04-01
0
Priscila Silva
esse vô dele deve tá tramando algo junto cm o tal kaleo
2023-11-28
2
Silvia Araújo
tem caroço no angu
2022-11-03
1