2#Dark Moon - Lua Negra
...Quando o Tempo Sangra...
Parecia que eu havia sido arrastada de volta para dentro de um pesadelo antigo — daqueles em que tudo depende da sua velocidade, mas seu corpo se recusa a responder. As pernas pesam como concreto, o ar se torna viscoso, e a linha entre vida e morte estreita-se a cada batida do coração.
Mas desta vez não era um sonho.
Eu não corria por mim.
Corria por alguém ainda mais precioso do que a própria vida.
A realidade era cruelmente vívida. Cada passo que tentava dar parecia preso a uma corrente invisível. O tempo escorria pelos meus dedos como areia fina, impiedosa, e eu sabia — no fundo, eu sabia — que talvez já fosse tarde demais.
Ágata havia me avisado que a possibilidade da morte estava à nossa espreita.
Talvez isso pudesse ter sido evitado se eu tivesse escutado minha intuição.
Mas agora... o destino já estava em movimento.
A igreja ressoou ao longe, sua torre soando o primeiro toque da meia-noite. A vibração percorreu o chão como um aviso ancestral, reverberando sob meus pés vacilantes. O segundo toque ecoou, e a lua posicionou-se bem acima de nós, brilhando como testemunha silenciosa de tudo o que estava prestes a acontecer.
Nunca me imaginei pensando em como seria morrer. Embora os últimos meses tivessem me dado motivos suficientes para isso, jamais supus que meu fim poderia se parecer com este momento.
E, estranhamente, morrer no lugar de alguém que amo não me parecia um destino injusto.
Talvez até fosse um gesto digno. Um sacrifício que, mesmo entre toda a dor, faria sentido. Algo que eu pudesse deixar para trás como prova de que meu amor foi real.
Mas perdê-la?
Perder aquela que tornou cada batida do meu coração suportável, que me deu cor em meio à escuridão, que acalmou minha tempestade interior?
Isso… seria o verdadeiro fim.
Porque não existe glória em um poder vazio. Nenhuma conquista vale a pena se ela não estiver comigo.
E a ideia de viver em um mundo onde ela não respira, onde sua risada não ecoa, onde seus olhos não se encontram mais com os meus... é simplesmente insuportável.
Dizem que morrer é difícil.
Mas morrer por dentro... é infinitamente pior.
Agora eu compreendo.
Não é a minha vida que temo perder.
É a dela.
E isso... isso muda tudo.
Uma semana havia se passado desde o baile, e, surpreendentemente, tudo parecia calmo demais. Karen não deu sinais de retorno, e a cidade, em sua rotina silenciosa, parecia tentar apagar os vestígios da noite em que tudo quase saiu do controle.
Sarah e eu nos encontrávamos às escondidas quando possível, testando feitiços simples, tentando ampliar meu domínio sobre os poderes que, apesar de latentes, pareciam cada vez mais instáveis.
Hoje, no entanto, não era dia de treinos.
Hoje, Trevor e eu partiríamos em busca de respostas.
Catherine havia me dado um endereço, e era até lá que estávamos indo.
Preferi não levar Riley e Bruck — elas ainda não sabiam de meu passado, e muito menos do universo sombrio e perigoso que se entrelaçava à minha realidade.
No carro, o silêncio parecia mais denso do que o habitual.
— Estou um pouco ansiosa para conversar com essa mulher — confessei, apertando com mais força o volante.
— Se quiser, posso dirigir um pouco — sugeriu Trevor com um tom gentil, quase cauteloso.
— Não, está tudo bem. Dirigir me acalma. Gosto de sentir que estou no controle, pelo menos de alguma coisa.
Ele riu baixinho, lançando-me um olhar que dizia mais do que palavras.
— Percebi... Mas, sinceramente, não sei se vamos sair de lá com algo concreto.
— Ainda assim, vale a pena tentar. É nossa única chance. Nossa esperança.
— E mesmo que saíamos de mãos vazias, vamos dar um jeito de descobrir o que realmente aconteceu com você. Não importa quanto tempo leve — prometeu.
Virei o rosto em sua direção e sorri com os olhos marejados.
— É tudo o que eu mais quero, amor.
Algumas horas depois, chegamos a Port Angeles. O endereço nos levou até uma rua tranquila, um bairro comum, onde nenhuma casa se destacava da outra.
Estacionei o carro em frente à residência indicada.
— Parece... comum demais — comentei, franzindo o cenho.
— Às vezes, os maiores segredos se escondem nos lugares mais simples — disse Trevor, saindo do carro e estendendo a mão para mim.
Agarrei seus dedos como se fossem âncoras. Caminhamos até a porta da frente. Respirei fundo e toquei a campainha.
Segundos depois, a porta se abriu.
Uma mulher de meia-idade, com cabelos grisalhos bem penteados e olhos atentos, nos fitou com estranheza.
— Pois não?... Minha nossa... é você, Aurora?
Arregalei os olhos, confusa.
— Me desculpe... meu nome é Sophie. Sophie Histon.
— Então... o que desejam?
— Precisamos conversar com a senhora. É algo importante. Podemos entrar?
Ela nos observou por alguns segundos que pareceram eternos, como se buscasse alguma mentira em nossos rostos. Então, sem dizer nada, abriu a porta e fez um gesto com o braço para que entrássemos.
— Prometo não tomar muito do seu tempo. Não queremos incomodar.
Ela fechou a porta com firmeza.
— Sentem-se. E me digam... o que posso fazer por vocês?
Nos acomodamos em um pequeno sofá próximo à lareira apagada.
— Como disse, sou Sophie Histon, e este é Trevor Belmont. — Estendi a mão com educação. — E a senhora?
— Que cabeça a minha... Me chamo Margot Vellin.
— Um prazer conhecê-la. Vou ser direta, Margot. Eu fui adotada quando era bebê, e estou buscando informações sobre minha mãe biológica. Acredito que ela fazia parte de uma ordem... antiga.
Margot empalideceu. Seus olhos se arregalaram levemente antes que ela se levantasse num movimento quase súbito.
— Eu sabia. Eu sabia que era você no momento em que abri aquela porta! — aproximou-se, emocionada. — Posso ver seu pescoço?
— Meu... pescoço? Claro. — Levantei os cabelos, confusa.
Ela inclinou-se, passando os dedos com suavidade atrás da minha orelha, como se buscasse uma marca invisível. Um sorriso escapou de seus lábios.
— Sim... você é ela. Você é Aurora Orlov.
Trevor se ajeitou no sofá, claramente alarmado.
— O quê?
— Não estou entendendo — falei, engolindo em seco.
Margot afastou-se devagar, sentando-se novamente à poltrona.
— Eu conheci sua mãe, Lúcia. Ela foi instrutora da minha filha, Felipa, na ordem. Lúcia era uma mulher intensa, poderosa... mas também gentil. Eu... eu nunca quis que Felipa seguisse aquele caminho, mas ela escolheu por vontade própria.
— Então é verdade... a senhora realmente conheceu minha mãe?
— Sim. — Ela assentiu lentamente. — Lúcia vinha aqui de vez em quando, para observar Felipa fora do ambiente da ordem. Nessas visitas, nos tornamos amigas. Ela me falava sobre a filha... sobre você.
Meus olhos começaram a arder. Uma emoção antiga e confusa apertava meu peito como um grito silencioso.
— Ela falava de mim?
— Muito. — Margot sorriu, embora seus olhos estivessem marejados. — Dizia que, mesmo longe, podia sentir sua presença. Que havia algo em você que mudaria tudo. Que era mais do que apenas sangue... era destino.
Trevor pegou minha mão sem dizer uma palavra. Eu nem conseguia agradecer. Estava absorvendo cada palavra como se fossem pedaços perdidos de mim mesma.
E naquele instante, percebi...
A verdade sempre esteve à espreita.
Só estava esperando que eu fosse corajosa o bastante para procurá-la.
— E você... poderia me falar um pouco mais sobre ela? — perguntei, com a voz trêmula, como se estivesse implorando por pedaços de uma história que nunca me pertenceram de verdade.
Margot suspirou fundo. Seus olhos pareceram viajar no tempo antes que sua voz saísse, carregada de lembrança e dor.
— Lúcia foi a única filha mulher de Ravena... sua avó. Na época, Ravena era a dirigente máxima da ordem. Uma mulher severa, inflexível... temida até mesmo entre as outras integrantes. Ela obrigou sua filha a entrar para a ordem. Lúcia nunca quis fazer parte daquilo — ela fez uma pausa. — Mas a vontade de Ravena era uma sentença. E ninguém se opunha a ela.
Trevor interveio com um olhar atento:
— E por que ela não fugiu? Por que não abandonou tudo?
Margot riu, mas sem humor.
— Ah, meu jovem... não é tão simples. Uma vez dentro da ordem, não se pode simplesmente sair. Elas matam qualquer uma que tente desertar. Elas caçam. Silenciosamente. E ninguém escapa com vida.
Trevor assentiu, visivelmente impactado.
— E... meu pai? A senhora chegou a conhecê-lo?
— Não. Lúcia chegou aqui numa noite chuvosa, em desespero. Estava prestes a dar à luz. Pediu ajuda... havia fugido da ordem. Eu a acolhi. E naquela noite... você e sua irmã vieram ao mundo.
— Espera... irmã? Eu tenho uma irmã gêmea? — perguntei, engolindo em seco.
Margot assentiu com delicadeza, mas seus olhos ficaram sombrios.
— Sim. O parto foi horrível. Achei que Lúcia fosse morrer naquela noite. Ophelia estava atravessada, impedindo a passagem. Eu precisei usar um feitiço para que ela virasse... passamos horas em agonia. Quando finalmente nasceu, Lúcia a nomeou Ophelia, que significa socorro. Ela queria que o nome fosse uma prece.
Meu corpo ficou imóvel. Cada palavra parecia me abrir por dentro.
— E depois... eu nasci?
— Sim. Logo após o sol surgir no horizonte. Você veio sem dor, em silêncio... como se o mundo tivesse parado para te receber. Por isso Lúcia te chamou de Aurora. Significa esperança... a luz que nasce após a escuridão.
Meu coração parecia pequeno demais para aguentar tantas emoções.
— E por que... ela me deixou na floresta?
Margot abaixou os olhos, como se a resposta lhe pesasse nos ombros.
— Porque você nasceu marcada. Com o sinal divino atrás da orelha. Lúcia contou que o real motivo do nascimento de vocês era um ritual... um sacrifício à deusa Ísis. Ou Lilith, como preferir. Mas ela se recusou. Fugiu para protegê-las. Só você nasceu com a marca.
Levei a mão ao local instintivamente.
— A mancha... essa marca que tenho atrás da orelha?
— Exatamente. A marca da linhagem sagrada. Mas Lúcia não teve tempo de explicar tudo. Três dias depois, Ravena a encontrou... e levou vocês duas embora.
— Mas... além de mim e Ophelia, havia outra criança. Ágata. A senhora a conheceu?
— Lúcia mencionou uma terceira menina... Ágata. Mas eu jamais a vi.
O nome dela soava como uma âncora em minha alma. Sempre presente. Sempre distante.
— A senhora... poderia me colocar em contato com sua filha, Felipa? Talvez ela saiba mais...
Os olhos de Margot se encheram de dor. Um silêncio pesado pairou entre nós.
— Eu gostaria de poder... mas não posso. Felipa tentou deixar a ordem. Depois do que viu... depois de presenciar a morte de Lúcia... ela não aguentou. Fugiu. Mas elas a encontraram. E... a mataram.
— Meus sentimentos. De verdade — disse Trevor, com pesar.
— Perdoe-me, eu não queria reabrir feridas — falei com a voz embargada.
— Não se preocupe, Sophie. A dor, com o tempo, se transforma em silêncio. Já aprendi a viver com isso.
— Há... há algo mais que saiba sobre a ordem?
Margot hesitou, como se medisse cada palavra.
— Não. Nada concreto. Só o que minha filha me contou em cartas. Mas... meu conselho é que não vá a fundo. Se te queriam antes, ainda te querem agora. E isso não vai mudar.
— Elas me procuram, sim... mas Ágata me protege. Ela tem afastado as sombras. É o que ela diz.
— Vocês se encontram?
— Não pessoalmente. Mas em sonhos. Sempre em sonhos.
Margot fez um leve aceno com a cabeça.
— Então ela é esperta. É assim que deve ser. Nos sonhos, não deixam rastros.
Levantei devagar.
— Eu agradeço... por nos receber, por compartilhar tudo isso.
— Espere um instante.
Ela se levantou e subiu as escadas sem dizer mais nada.
Olhei para Trevor, o coração ainda em guerra.
— Eu tenho uma irmã gêmea... Trevor. E se... e se foi ela quem me encarou aquele dia no espelho do banheiro?
Ele se aproximou, tocando meu ombro com firmeza.
— Eu não tenho dúvidas de que tenha sido. Você precisa estar atenta. A partir de agora, cada passo importa.
Margot retornou com uma pequena caixa de madeira nas mãos. Estendeu-a para mim com um gesto solene.
— Sua mãe deixou isso para trás naquela noite. Disse que era seu. E agora... é hora de tê-lo de volta.
Recebi a caixinha com reverência. Abri com cuidado.
Lá dentro havia um colar antigo. Um relicário. Com dedos trêmulos, o abri.
Dentro, uma foto desbotada. Lúcia sorria com o olhar perdido no tempo. Ao seu lado, uma menina com os olhos exatamente iguais aos meus.
Ágata.
— Obrigada... não sei como retribuir.
Margot me olhou com seriedade.
— Me agradeça... não indo atrás da ordem.
Ela nos acompanhou até a porta. A abracei com um aperto verdadeiro, carregado de tudo o que eu não sabia como dizer. Entramos no carro e seguimos de volta a MistFalls.
Trevor dirigia, atento à estrada silenciosa. Eu permanecia com o relicário preso ao pescoço, observando a foto como se tentasse absorver tudo o que havia descoberto.
Uma irmã. Uma mãe. Um nome. Uma maldição.
Agora... nada mais seria como antes.
E a única certeza que eu tinha, era de que esse era apenas o começo.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 81
Comments
Renata Silva
e HISTÓRIA não estória
2023-01-31
2
Silvia Araújo
dose dupla
2022-11-02
0
Maraisa
uma bruxa Bennett hmmmm
2022-05-13
1