Letícia sentiu o aperto da mão de Coringa em sua coxa. O sinal, 'É. Melhor. Para. Nós. Dois.', era a facada mais fria que ele poderia dar. Ele estava colocando uma muralha entre eles, usando a desculpa da segurança, mas ela sabia que era medo. Medo do que sentia, medo do que o corpo dela estava despertando.
Ela puxou a mão da dele, não com pressa, mas com uma firmeza que denotava mágoa. Ela desceu do colo dele, a saia xadrez se ajeitando com o movimento.
Laura, percebendo o clima tenso e o silêncio pesado de Letícia, parou de flertar com Sombra e olhou para a amiga.
Letícia se virou para Coringa, os olhos azuis faiscando de desafio, e começou a gesticular em LIBRAS, os movimentos claros e duros como pedras:
'Eu. Vou. Para. O. Asfalto.' Coringa abriu a boca para falar, mas ela não deu chance. 'Mas. Só. Se. Laura. For. Comigo.' Ela apontou para a amiga, que a olhou, confusa.
"O quê?" Laura perguntou, a voz chocada. "Eu não tenho emprego, Le. E a Tia Cida só precisava de você!"
Letícia gesticulou para Laura, ignorando Coringa e Sombra por um momento: 'Não. Importa. Eu. Falo. Com. Ela. Eu. Não. Vou. Sozinha.' Em seguida, ela fez o sinal de 'medo' e apontou para o próprio coração, indicando que não iria sozinha.
Coringa sorriu de lado, um sorriso seco. Ele percebeu que ela tinha achado uma forma de obrigá-lo a aceitar, pois ele não a deixaria ir para o asfalto desprotegida.
"Tudo bem," ele concordou, a voz grave. "A Laura vai junto. Mas vocês voltam juntas, no carro do Sombra. Sem atrasos. Entenderam?"
Letícia assentiu, mas o seu próximo gesto foi a sua vingança silenciosa. Ela se virou para ele, os sinais carregados de falsa indiferença: 'Não. Se. Preocupe. Felipe. Eu. Vou. Me. Afastar.' Ela fez o sinal de 'afastar' e apontou para ele. 'Já. Que. Você. Acha. Melhor. Assim.'
O golpe atingiu Coringa com a força de um soco. Ele odiava quando ela o chamava de "Felipe", e a frieza de se afastar era insuportável.
Ele se levantou da cadeira, a altura intimidando, e apertou o braço dela. "Não estou te mandando se afastar, Letícia. Estou te protegendo."
Ela usou as mãos em LIBRAS, desafiando-o a ler a pura provocação: 'Proteger. É. Deixar. Perto.'
Antes que ele pudesse responder com a irritação que lhe queimava a garganta, ela se desvencilhou e pegou a mochila, gesticulando para Laura: 'Vamos. Falar. Com. Tia. Cida.'
O Início do Distanciamento
Nas semanas seguintes, Letícia cumpriu sua promessa.
Com o trabalho de meio período na loja de Tia Cida, ela passava a maior parte do dia longe do morro. E quando voltava para a escola, o tom de seu desafio aumentava: ela começou a se misturar com os "burguesinhos" da escola, os que não moravam no morro.
Letícia e Laura, que antes almoçavam apressadamente para voltar correndo ao bar, agora passavam o tempo no pátio ou na biblioteca. Letícia estava aprendendo a se comunicar de forma diferente, usando o bloco de notas do celular, a escrita e gestos simples que qualquer pessoa pudesse entender. Era um mundo novo, e ela estava se adaptando rápido, encontrando prazer na sua recém-descoberta "liberdade".
O maior problema de Coringa era Bruno.
Bruno tinha 17 anos, era da turma da Letícia, e tinha um cabelo cacheado que vivia caindo nos olhos. Ele era o oposto do Coringa: falava muito, ria alto e andava de skate. Ele estava encantado pela "muda misteriosa" e via nela um desafio fascinante.
Em uma tarde, Coringa estava na sua "sala de comando", revisando o esquema de segurança, quando
Sombra entrou, o rosto fechado.
"Temos um problema," Sombra disse, jogando o celular na mesa.
A foto na tela mostrava Letícia no pátio da escola. A saia dela estava ligeiramente levantada pelo vento, e ela estava rindo, encostada no armário. Ao lado dela, Bruno estava com o braço em volta dos ombros dela, mostrando algo no celular, e o sorriso dele era largo demais para o gosto do Dono do Morro.
Coringa sentiu o sangue ferver. Ele pegou o celular e deu zoom na foto. A proximidade era inadmissível.
"Quem é esse moleque?" a voz dele era um rosnado baixo.
"Bruno. Estuda com ela e Laura. Mora no asfalto, perto da loja da Tia Cida," Sombra respondeu, gesticulando: 'Novo. Amigo.'
Coringa quebrou a caneta que estava segurando. "Amigo. Sei." Ele sentia o ciúme como uma força física, apertando seu peito. Ele queria ir até a escola e arrancar Letícia de lá, levá-la de volta ao morro e proibi-la de sair.
"E a Laura?" Coringa perguntou. Ele tentava desviar o foco, mas Sombra era perspicaz.
"A Laura também arrumou companhia," Sombra respondeu com um tom neutro, mas o olhar dele estava diferente, um pouco mais apertado. Ele mostrou outra foto.
Nesta, Laura estava sentada em uma escadaria, lendo um livro. Um garoto moreno e alto, Vinícius, estava ao lado dela. Ele não estava tocando nela, mas a forma como ele a olhava, com admiração óbvia, fez a mandíbula de Sombra travar.
"Ele parece ser gente boa," Coringa comentou, tentando ser racional, embora estivesse se sentindo sufocado.
Sombra fez o sinal de 'bom' em LIBRAS, mas completou em voz alta, a voz dele estava rouca: "Gente boa demais. Fica olhando para ela como se fosse um quadro."
A hipocrisia estava instalada. Os dois homens, o Dono e o Sub-chefe, que tentavam se convencer de que Letícia e Laura eram apenas "irmãzinhas" para eles, estavam morrendo de ciúmes de dois garotos do asfalto.
Naquela noite, Sombra pegou o rádio comunicador.
"Manda um dos meus fazer uma ronda mais discreta na frente daquela escola. Quero saber quem entra e quem sai. E quem toca na minha irmã."
Coringa olhou para Sombra, o reflexo do seu próprio ciúme. Ele pegou o rádio de Sombra.
"Não. Manda dois. E não é só a escola. Quero a Tia Cida vigiada também. Manda um relatório completo para a minha mesa. E se esse tal de Bruno encostar a mão nela de novo, eu quero saber exatamente onde ele mora."
O jogo do ciúme havia começado, e Letícia, em seu silêncio, estava vencendo a guerra.
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Atualizado até capítulo 70
Comments
Gigliolla Maria
essa menina é sabia e sabe muito bem o que está fazendo ❤️
2025-11-01
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