Apolo
Gosto de ver como as pessoas preenchem o vazio entre uma pergunta e outra. É ali que a verdade costuma aparecer.
— E qual garantia você acha que tem? — perguntei, por fim.
— Tudo o que sou. Tudo o que tenho. Posso vender tudo.
— Não é muito.
— É honesto.
Eu não rio fácil. Mas um músculo do meu rosto ameaçou.
Avery Masi, vinte e quatro anos, perfume caro, mão fina, brinco que compra um carro, oferecendo “tudo o que é e tem” como se o mundo ainda fosse a sala da casa dela.
E, mesmo assim, havia algo nela que não era ingênuo. Era coragem. Coragem não se compra. Coragem se treina no fogo ou nasce com o sangue.
— Por que se meter? — perguntei — Seu pai fez escolhas. O problema não é seu.
— Porque ele é meu pai. E porque eu não vou deixar que a minha mãe morra de medo. Se o problema é meu ou não isso só cabe a mim.
— Morrer de medo ainda é morrer.
— Então me diga como impedir.
A honestidade dela me interessou. Não a beleza. Não o sobrenome. A honestidade.
— Sente-se. — apontei para a cadeira.
Ela não sentou. Ficou de pé, que nem um animal pronto pra lutar até cansar.
— Prefere ficar em pé, então fique. — inclinei a cabeça — O que você sabe sobre mim?
— Que o senhor é o chefe da Rosa Negra.
— Isso qualquer jornal sussurra.
— Que o senhor não perdoa traições. Nem dívidas.
— Correto, garotinha.
— Que o senhor é frio.
— Só quando é necessário.
— E que… — ela hesitou, e aí eu vi o rumor na ponta da língua — e que alguns dizem que o senhor é…
— Diga. — me inclinei para frente.
— Fraco.
Podia ter mandado tirarem ela do meu escritório pela janela. Mas eu prefiro palavras que doem mais devagar.
— Quem disse isso não me conhece. — respondi — E, se conhece, não fala duas vezes.
Ela respirou fundo. Nos olhos, orgulho e medo lado a lado.
— Então me diga o que fazer para que o senhor não mate a minha família.
— Você acha que eu disse isso?
— Os homens que vieram à minha casa tinham a rosa negra tatuada no pescoço. Disseram que o chefe deu uma semana. Depois disso… — a voz falhou — depois disso, a cobrança seria de outro jeito.
Eu conheço meus homens. Não falam o que não podem cumprir. Também conheço o pai dela. Gastou o que não tinha para sustentar o teatro de quem não aceita o fim. A cidade é cheia de pais assim.
— Uma semana. — confirmei.
— Eu estou pedindo duas.
— E o que você dá em troca?
— Minha palavra.
— Palavras são baratas, Avery.
— Então me cobre com algo mais caro.
Ela me provocou e, por um segundo, gostei da ousadia. A sala ficou quieta. O relógio marcou um minuto comprido. Eu ouvi minha própria cabeça trabalhar.
Quarenta anos. Solteiro. Sem herdeiro.
Um irmão preso fora do país, alianças se desfazendo, inimigos sorrindo para os lados. O submundo entende símbolos. Não importa o que você é, importa o que você mostra.
Um chefe da máfia sozinho cheira a fim de linha. Um chefe da máfia casado cheira a continuidade. A mesa de negociações presta mais atenção quando vê uma família atrás do nome. Alguns vão sorrir com nojo, outros com respeito, mas todos vão olhar diferente.
E eu preciso que olhem diferente. Preciso fechar portas que a fofoca abriu.
Olhei para Avery. Vi a vida limpa de alguém que acredita que a verdade pode resolver qualquer coisa. Vi também um caminho. Não era justo com ela. Mas nada no meu mundo é justo. É o meu mundo, não o dela. Eu só estava oferecendo uma ponte por cima do abismo que o pai dela cavou.
— Você sabe o que as pessoas andam dizendo sobre mim? — perguntei, cortando o ar.
— Eu não ligo para fofocas.
— Eu ligo quando elas custam dinheiro. Falam que sou fraco. Falam que, aos quarenta, não tenho esposa, não tenho herdeiro, e que a Rosa Negra vai morrer quando eu e meu irmão morrermos.
— O senhor não precisa provar nada para ninguém.
— No meu trabalho, tudo é prova. Todo dia. Aqui não é um leão por dia, é a porra da Savanna inteira.
Ela calou. O olhar pendeu uma fração, como quem entende que está pisando em gelo fino.
— Eu posso resolver sua dor e você resolve a minha. — falei, enfim.
Ela ergueu o rosto. Não entendeu de primeira. Ninguém entende de primeira uma proposta que muda a própria vida.
— Como… assim?
— Sua família me deve. Eu não confio em promessas. Não confio no seu pai. Mas vi você entrar aqui e queimar. A coragem me interessa. E preciso de uma esposa.
— Uma… — ela engoliu — esposa?
— De fachada, se preferir esse consolo.
— Por quê?
— Porque o mundo olha diferente para um homem casado. Porque alianças se arrumam. Porque herdeiros deixam inimigos inquietos. Porque a fofoca cala.
— E eu… seria o quê? Um remédio para boatos?
Eu a encarei. Ela não desviou. Isso é raro.
— Você seria a ponte que impede a queda da sua família. — respondi — E, em troca, lhe dou algo que você nunca conseguiria em dois anos de lágrimas. Segurança.
— E o que isso envolve?
— Um contrato. Termos claros. Regras claras. Você não pergunta do lado de fora da mansão. Você não questiona minhas decisões. Eu mantenho sua família como vivia. Esqueço a dívida.
— O senhor está falando sério?
— Eu não perco tempo brincando.
Avery respirou como se o ar tivesse ficado mais pesado. Olhou ao redor, como se estivesse procurando a antiga vida dentro do meu escritório. Ela não estava ali. Nunca esteve.
— Eu não… — ela parou — eu não conheço o senhor.
— Vai conhecer.
— E se eu disser não?
— Você não tem tempo para dizer não.
Na minha cabeça, o quadro já estava pronto, um casamento calculado, um anel na mão certa, fotos que valem alianças, convites que valem contratos. Um escudo. Eu preciso de um. Ela precisa de um milagre.
Isto aqui é o mais perto que duas necessidades chegam de se chamar destino.
Ela abriu a boca, fechou. Os olhos marejaram, mas não caíram. Orgulho. Respeito. Medo. Tudo ao mesmo tempo. Eu conheço esse misto. É assim que a vida verdadeira se apresenta.
Inclinei o corpo para frente mais uma vez, deixei que a frase caísse inteira, sem pressa, como se fosse um veredito:
— Eu perdoo a dívida dos seus pais, se… você aceitar se casar comigo.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
claudia gomes
casa logo minha filha. foge nao. esse homem ta perfeito pra resolver todos os seus problemas. se nao quiser me apresenta pra ele, EU resolvo pra vc. bora minha filha assina logo esse contrato. vai brilha nessa passarela!
2025-11-02
3
Neide Ferreira
Autora ansiosa aguardando essa história,pelo jeito vamos nos deliciar em uma boa leitura.
2025-11-01
3
Marli Santos
amando não tem como fugir do Apolo aceita👏
2025-11-04
2