Apolo
Nasci para este trono de ferro e solidão. Não foi uma escolha. Foi o que sobrou quando o mundo terminou dentro da minha casa.
Eu e meu irmão gêmeo, Adônis, crescemos aprendendo duas coisas: honrar a família e nunca deixar uma dívida sem cobrança. Parecem regras simples, mas a vida sempre cobra com juros.
Quando tínhamos treze anos, tudo quebrou. Minha mãe foi sequestrada por uma máfia rival. Eles queriam humilhar meu pai, roubar rotas, arrancar informações. Não conseguiram.
Meu pai não quebrou. Mas ela quebrou. Quando voltou, trazia um silêncio que eu nunca vou esquecer. Passaram semanas e, numa madrugada, acordei com gritos e o cheiro de hospital.
Perdi um irmão que nunca chegou a respirar. Minha mãe sofreu um aborto e, no mesmo dia, foi embora. Deixou um bilhete curto:
— “Eu não aguento mais.”
Não culpo quem foge. Eu só aprendi a não perdoar quem trai. Para mim, fugir e trair sempre estiveram na mesma caixa.
Meu pai entrou fundo no álcool depois disso. A garrafa virou o melhor amigo dele. Um homem que já foi rei começou a sumir na frente dos próprios filhos.
Eu e Adônis paramos de ser meninos naquela época. Passamos a acompanhar reuniões, ouvir códigos, decorar nomes, aprender o mapa de interesses que move cidades inteiras sem aparecer no jornal.
Foi a educação que tivemos. Matemática de sangue, geografia de fronteiras, história contada por quem sobrevive.
Aos dezoito, o destino acabou o serviço. Meu pai morreu numa noite de inverno, de tanto beber e tão pouco querer viver. Não teve drama. O coração parou. O nosso não.
Assumimos no dia seguinte. Não houve tempo para luto. A Rosa Negra não pode cheirar medo. Se cheira, mata.
— A partir de agora, você fala, é o mais velho. — disse Adônis, no corredor, arrumando a gravata como se fosse um ritual de guerra.
— A partir de agora, você atira. — respondi, pondo o paletó.
— Eu sempre atirei, irmão.
— Então atire melhor.
Éramos dois garotos, mas ninguém precisava saber. Na mesa da organização, aprendi a calar. Adônis aprendeu a ver.
Ele virou meu subchefe, o único que pode me contrariar sem perder os dentes. Viaja muito, negocia, fuma charutos caros em terra estrangeira e volta com alianças presas por fios invisíveis. Eu fico. Assino. Ordeno. Cobro.
Somos diferentes e, por isso, perfeitos para o trabalho. Eu sou a parede. Ele é a porta. Quando alguém deve, eu fecho o cerco. Quando alguém hesita, ele abre caminho por dentro.
Aprendemos cedo que o submundo respeita só duas línguas: dinheiro e medo. Nós falamos as duas com fluência.
Traição não tem segunda chance. Dívida não tem desculpa. Somos frios no que precisa ser frio. Não há poesia em proteger o que você ama quando o que você ama está sentado num trono feito de ameaças. Você faz o que precisa e dorme quando dá.
Somos temidos porque somos simples. Não gritamos, não exibimos, não pedimos aplauso. Mantemos cada coisa no lugar com uma regra: quem julga é o tribunal da máfia, quem executa somos nós. E, se o tribunal hesita, a rua decide, e a rua geralmente concorda conosco.
Então veio a Turquia.
Fechamos um negócio grande lá. Rotas marítimas, contêineres, nomes que nenhum policial com carreira quer pronunciar em público. Adônis foi, como sempre. Parte do trabalho dele é apertar mãos que eu prefiro manter longe.
— Uma semana — disse ele, antes de embarcar — Volto com assinatura e foto de taça.
— Volte com a assinatura. A taça você pode quebrar.
Ele riu. Eu não.
Dois dias depois, a ligação: prisão. Não por algo que fizemos, mas porque um figurão local resolveu mostrar poder no lugar errado. O jogo mudou. Processos, fianças, políticos, advogados que trocam de lado como quem troca de camisa.
Adônis ficou preso. Não por muito tempo, mas o suficiente para a cidade ver fragilidade onde não havia. O suficiente para inimigos sorrirem e aliados cochicharem.
E foi aí que começaram as fofocas. Quarenta anos. Solteiro. Sem herdeiros.
— Um homem que manda, mas não tem quem o chame de pai. — ouvi num jantar.
— Uma máfia sem futuro. — sussurrou outro.
Os boatos são como facas finas. Você não morre na primeira, mas sai sangrando.
Comecei a perder alianças que sempre foram certas. Pequenas deserções. Reuniões que viram “vamos remarcar”. A cidade rica onde vivemos funciona com a mesma lógica das vielas, quem parece fraco é devorado.
Eu não sou fraco. Mas percebi que, para alguns, eu parecia. E percepção, no nosso mundo, vale mais que verdade.
Afastei pessoas. Mergulhei no trabalho. Passei meses sem uma conversa real que não fosse cálculo, rota, nome, preço, risco. O silêncio do meu escritório começou a ter o tamanho da casa inteira. E eu estava bem com isso.
Até o dia em que uma garota pequena, com fogo nos olhos, rompeu esse silêncio como se fosse uma janela.
A porta abriu mais forte do que deveria. Dois dos meus homens se prepararam para agir, mas eu levantei um dedo.
— Deixem. — Eu queria ver até onde ia a coragem dela.
Ela caminhou até a mesa. Os saltos soaram como tiros certos. O rosto… bonita, sim, mas nem era isso. Era a raiva. Era a coragem errada enfiada num terno de luxo que nunca viu o lado feio da cidade.
— O senhor é Apolo Darko? — perguntou, prendendo a respiração para não tremer.
— Sou. E você?
— Avery Masi.
Reconheci o sobrenome. O pai devia. O pai mentiu tempos demais. O pai brincou com o tipo de fogo que não perdoa.
— Você não tinha horário marcado. — falei.
— Eu não preciso de horário pra pedir o que vim pedir.
— E o que você veio pedir?
— Tempo.
Sorri de canto. Não de deboche. De reconhecimento. “Tempo” é a palavra mais cara que existe.
— Seu pai teve dois anos.
— Eu sei. — Ela fechou as mãos — Eu não sabia de nada até ontem. Não estou aqui para defender o erro dele. Estou aqui para pedir uma chance. Mais de uma semana… duas. O suficiente para…
— Avery, não sou um banco.
— Eu sei que não é um banco. — Ela mordeu a própria pressa, como quem segura a língua para não perder a cabeça — Por isso vim pessoalmente. O senhor não precisa de promessas. Precisa de garantias. Eu posso dar uma.
Fiquei calado. A forma como ela me olha suplicando pelos pais me faz querer abrir um sorriso.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
claudia gomes
a historia e boa. mas esse trem de dois irmaos iguais se fosse EU, me perderia horrores cm os dois. kkkk
2025-11-02
9
Luciana Lobato
Vai rolar um trisal? 🤭 vai ser gostosinho se for ...
2025-11-03
3
Hewellyn Ferreira
vamoooooos começar mais uma história
2025-11-05
2