Dante Moreau...
Não sei o que me fez aceitar essa entrevista pessoalmente.
Normalmente, deixo que a agência resolva tudo: eles enviam os currículos, fazem as seleções, filtram as candidatas. Eu apenas aprovo ou recuso.
Mas desta vez… não sei explicar. Algo no tom da voz da secretária quando descreveu a nova candidata “jovem, estudante, esforçada” despertou uma curiosidade que eu não queria admitir.
Passei a manhã no escritório, revisando relatórios, mas o pensamento insistia em voltar à entrevista.
Talvez fosse apenas o cansaço, ou o hábito de esperar o pior.
Mulheres simples, humildes, muitas vinham com o mesmo discurso: “preciso do trabalho, senhor Moreau”, e logo depois, vinham as fotos na piscina, o perfume exagerado, o olhar insinuante.
Não queria mais isso.
Não queria mais ninguém a fingir.
A campainha tocou exatamente às dez horas.
Pontual.
Levantei-me, ajeitando o casaco do terno, e desci as escadas em silêncio. O som dos meus passos ecoava no mármore do corredor.
Esmeralda já estava na entrada, recebendo a visitante.
Senhor Moreau, esta é Elena Duarte, disse ela, com aquele tom maternal que usava quando queria que eu fosse “mais humano”.
A jovem virou-se para mim, e por um instante, o tempo pareceu abrandar.
Ela era diferente.
Não no sentido banal da palavra, não tinha o charme ensaiado, nem o brilho artificial que eu via em tantas outras.
Tinha algo genuíno. Os olhos castanhos esverdeados, grandes e curiosos, refletiam nervosismo e, ao mesmo tempo, determinação.
Os cabelos castanhos caíam sobre os ombros num desleixo bonito, e as mãos, mesmo trémulas, mantinham-se firmes sobre a bolsa.
Bom dia, senhor Moreau. "disse ela, com a voz suave, mas segura". É um prazer conhecê-lo.
Havia uma melodia na forma como pronunciou o meu nome.
Olhei-a por alguns segundos sem responder. Era um hábito, observar antes de falar. A maioria das pessoas revelava muito mais no silêncio do que nas palavras.
Sente-se, senhorita Duarte. Apontei para o sofá da sala.
Ela obedeceu, pousando a bolsa no colo. Mantinha a postura ereta, o olhar atento, e o leve rubor nas faces denunciava o nervosismo.
Sentei-me à frente dela, cruzando as pernas, estudando-a com o mesmo cuidado que eu analisaria um contrato.
Mas, por alguma razão, era diferente.
Não se tratava de um documento, e sim de uma presença que me desarmava aos poucos, sem que eu percebesse como.
A agência informou que tem experiência em trabalhos domésticos.
Sim, senhor. Trabalhei em cafés, restaurantes e algumas casas particulares. "respondeu, mantendo o olhar firme". Nunca tive problemas com os patrões. Gosto de trabalhar, de manter as coisas organizadas.
E por que quer este emprego?
Ela respirou fundo. Porque preciso. Estou a estudar medicina, e a bolsa cobre apenas parte das despesas. Quero ajudar os meus pais e continuar a estudar sem lhes pesar.
A sinceridade dela caiu sobre mim como um golpe suave.
Nenhuma dramatização, nenhuma tentativa de me comover. Apenas verdade.
Medicina. "Repito devagar, tentando esconder o interesse". É um curso exigente.
É o meu sonho "disse, com um pequeno sorriso". Sei que é difícil, mas nada na minha vida foi fácil, senhor Moreau. E não pretendo desistir agora.
As palavras dela tocaram algo em mim, uma lembrança talvez, de quando eu também acreditava que esforço era suficiente para vencer o mundo.
Mas o mundo é cruel. E bonito demais, às vezes, para ser justo.
Cruzei as mãos sobre o joelho, observando-a.
A mansão é grande. O trabalho exige discrição, pontualidade e disciplina.
Entendo.
E exige também respeito pelos limites. O tom da minha voz saiu mais frio do que eu pretendia. Não tolero curiosidade, nem intimidade desnecessária.
Ela pareceu surpreender-se, mas não recuou. Está claro, senhor Moreau. Eu sei o meu lugar.
Houve um instante de silêncio.
E nesse instante, vi a forma como ela respirava fundo antes de responder, o olhar sereno que não desafiava, mas também não se submetia.
Era... raro.
Está disposta a começar de imediato? perguntei, quebrando o silêncio.
Sim, senhor.
O trabalho inicial será simples: manutenção e organização das áreas principais. Quero ver como se adapta, como se comporta.
Ela assentiu, sem fazer perguntas.
Não sabia e eu não pretendia dizer, que era apenas uma fase de teste, antes de decidir se poderia confiar nela para cuidar de Theo.
Levantei-me. Ela imitou o gesto, um pouco tensa. Pode apresentar-se amanhã às oito. Fale com Dona Esmeralda, ela mostrará o que precisa de fazer.
Obrigada, senhor Moreau. O sorriso que me deu foi breve, discreto, mas por alguma razão, ficou preso em mim.
Acompanhei-a até à porta.
Quando ela passou por mim, senti um perfume leve, algo entre flores e sabão simples, mas genuíno. Nada de notas caras ou exageradas.
Era o tipo de aroma que lembrava coisas que eu tinha esquecido sentir.
Ela despediu-se com um “até amanhã”, e eu apenas assenti.
Fechei a porta, mas fiquei por alguns segundos parado ali, em silêncio, olhando o chão de mármore.
Algo em mim estava diferente.
Mais tarde, Esmeralda entrou na sala, com aquele sorriso que sempre significava “eu sei o que estás a pensar”.
Então?
Está contratada "respondi", seco.
Achaste-a competente?
Achei-a... "hesitei". Diferente.
Esmeralda riu baixinho.
“Diferente”, o teu elogio preferido.
Não respondi.
Caminhei até a janela e olhei para o jardim. O vento agitava as folhas, e o som suave fazia a casa parecer menos vazia.
Por que aquela jovem me deixara inquieto?
Não era beleza já tinha visto o suficiente para não me impressionar com isso.
Era algo mais. Uma calma, uma leveza que contrastava com o peso constante da minha vida.
Era como se ela não precisasse provar nada.
E talvez fosse exatamente isso o que me desconcertava.
Porque, pela primeira vez em muito tempo, senti vontade de acreditar em alguém.
Quando subi para ver Theo, ele dormia com o urso de pelúcia nos braços. Sentei-me na beira da cama e fiquei a observá-lo por alguns minutos.
Talvez esta seja a certa, meu pequeno murmurei. Ou talvez eu esteja apenas a enganar-me outra vez.
Apaguei a luz e saí do quarto, mas a imagem de Elena Duarte, o olhar calmo, a voz firme, o perfume leve não me abandonou.
E, sem perceber, dei por mim a esperar pelo amanhã.
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Atualizado até capítulo 62
Comments
Silvanete Melo
pronto já está amarado e não se deu conta 🤣🤣🤣❤️
2025-10-29
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