Acabou De Vez

Na manhã seguinte. Luísa descia as escadas já vestida, segurando a bolsa.

Ela encontrou Nicolas na sala.

LUÍSA: Nicolas, por favor se a Aurora perguntar por mim avise que eu fui buscar minhas coisas, tá bem?

Nicolas levantou o olhar.

NICOLAS: Vai sozinha?

LUÍSA: Sim de táxi, é rapidinho. Só quero pegar umas roupas e alguns materiais de desenho.

NICOLAS: Então deixa que eu te levo.

Luísa sorriu, surpresa.

LUÍSA: Não, imagina... eu não posso pedir isso a você.

Nicolas se levantou, com um sorriso leve e confiante.

NICOLAS: Você não está pedindo, Luísa. Eu estou oferecendo.

LUÍSA: Mas eu não quero atrapalhar o seu dia.

NICOLAS: Não vai atrapalhar em nada. Além disso, é melhor não ir sozinha.

LUÍSA: Tudo bem... se você insiste, eu aceito.

NICOLAS: Ótimo... Vamos antes que Aurora descubra e queira ir junto.

Luísa riu baixinho.

Nicolas pegou as chaves de seu carro e os dois saíram juntos, o som dos passos ecoando pelo mármore da entrada antes que a porta se fechasse atrás deles.

Nicolas dirigia tranquilamente, o sol da manhã refletindo pelo para-brisa. A rua ainda estava meio silenciosa, e Luísa observava as casas passarem pela janela.

Depois de alguns minutos, ele quebrou o silêncio:

NICOLAS: Você tem a chave do apartamento, né?

LUÍSA: Tenho sim. Eu fiquei com uma cópia… e o Derek com a outra.

NICOLAS: E ele sabe que você vai lá hoje?

LUÍSA: Não… eu não avisei. Prefiro pegar minhas coisas sem precisar encontrar com ele.

NICOLAS: Entendo.

O tom dele foi sereno, sem julgamentos, mas Luísa percebeu que ele prestava atenção em cada detalhe, no jeito que ela desviava o olhar, na forma como segurava a bolsa com força.

O carro seguiu por mais alguns quarteirões até parar em frente ao prédio dela.

NICOLAS: É aqui?

LUÍSA: É.

Ela soltou o cinto e ficou alguns segundos parada, olhando para a fachada do edifício como se fosse algo distante, quase estranho.

NICOLAS: Quer que eu vá com você?

LUÍSA: Não precisa… eu só vou subir, pegar umas coisas e já desço.

Nicolas desligou o carro e soltou o cinto.

NICOLAS: Acho melhor eu subir com você. Assim te ajudo com as malas.

LUÍSA: Não precisa, Nicolas. Eu dou conta.

NICOLAS: Eu insisto. Além disso, não quero ficar aqui embaixo sem saber se está tudo bem lá em cima.

Luísa hesitou por um instante, depois acabou cedendo.

LUÍSA: Tá bom… então vamos.

Eles entraram juntos no prédio e subiram no elevador. Quando as portas se abriram, Luísa caminhou pelo corredor até a porta do apartamento.

Ela girou a chave devagar, respirando fundo antes de empurrar a porta. O ambiente estava em silêncio.

LUÍSA: Parece que ele não está.

NICOLAS: Melhor assim.

Ela deu um passo para dentro e olhou em volta, tudo ainda no mesmo lugar: os quadros, os livros, a caneca azul de Derek em cima da mesa. Por um momento, o peito dela apertou.

Os dois entraram no quarto. Luísa abriu o guarda-roupa e começou a tirar algumas roupas, dobrando rápido, tentando se concentrar. Nicolas, ao fundo, recolhia cadernos e materiais de desenho que estavam espalhados pela escrivaninha.

NICOLAS: Esses são os seus?

LUÍSA: São… não consigo ficar longe dos meus rabiscos.

NICOLAS: Dá pra ver. Você tem talento.

Ela desviou o olhar, sem saber como responder. Por um instante, o silêncio voltou, só o som do zíper da mala e o farfalhar das roupas.

LUÍSA: Eu achei que fosse mais fácil voltar aqui… mas é estranho. Parece que o tempo parou.

NICOLAS: Às vezes o que prende a gente a um lugar não são as paredes, mas o que a gente sente dentro delas.

Luísa parou, fitando-o.

LUÍSA: Você sempre fala coisas assim?

NICOLAS: Só quando quero fazer alguém se sentir melhor.

Ela riu, baixinho, e voltou a dobrar as roupas.

LUÍSA: Então está conseguindo kkk

Luísa estava terminando de fechar a segunda mala quando ouviu o som de uma chave girando na fechadura. Ela congelou. O olhar encontrou o de Nicolas, e o tempo pareceu parar por um instante.

LUÍSA: Ele… ele não devia estar aqui agora.

Os dois saíram do quarto e foram até a sala.

Nicolas endireitou a postura, o olhar firme em direção à porta.

A maçaneta girou, e Derek entrou com o casaco ainda nos ombros e o celular na mão. Parou assim que viu a cena: Luísa com as malas abertas no chão e Nicolas, parado ao lado dela.

DEREK BROOKS 25 ANOS

O silêncio que se formou era quase palpável.

DEREK: Que surpresa… não sabia que tinha visita.

LUÍSA: Derek… eu só vim pegar minhas coisas. Achei que você não estaria.

DEREK: Claramente. E trouxe companhia pra isso?

Nicolas deu um passo à frente, com um tom calmo, mas firme.

NICOLAS: Eu só vim ajudar. Não quero nenhum problema.

Luísa respirou fundo, tentando conter o tremor na voz.

LUÍSA: Derek, por favor… não começa. Eu só quero pegar minhas coisas e ir embora em paz.

DEREK: Em paz? Depois de desaparecer sem dizer uma palavra, e aparecer aqui com outro homem?

LUÍSA: Nicolas é irmão da Aurora, ele só veio me acompanhar.

O olhar dele se fixou em Nicolas, carregado de ciúme e raiva contida.

NICOLAS: Eu não tenho nada a ver com o que aconteceu entre vocês. Só estou aqui porque achei que ela não devia vir sozinha.

Derek deu uma risada seca.

DEREK: Que cavalheiro.

Luísa se aproximou, tentando interromper a tensão crescente.

LUÍSA: Chega, Derek! Eu não te devo explicações. Só quero terminar de arrumar minhas coisas e sair.

Por um momento, os olhos dele se suavizaram, havia algo de ferido por trás da raiva.

DEREK: Então é isso… acabou de vez?

Luísa respirou fundo, sem conseguir encará-lo direito.

LUÍSA: Já tinha acabado há muito tempo.

Luísa se aproximou mais dele.

LUÍSA: Sabe por que acabou, Derek? Porque eu já não suportava mais essa vida com você.

Ele a olhou, surpreso com o tom dela.

DEREK: Vida? Que vida?

LUÍSA: A vida com um homem que vive bêbado, que gasta o pouco que tem em bares e depois volta pra casa fingindo que nada aconteceu! Você acabou com o nosso dinheiro, com a nossa paz, com tudo!

Derek deu uma risada amarga, balançando a cabeça.

DEREK: Eu só precisava sair, me distrair um pouco! Ficava aqui sozinho, enquanto você passava o dia fora, trabalhando, desenhando, fingindo que tinha uma vida perfeita!

LUÍSA: Isso não é desculpa, Derek! Eu estava tentando construir algo pra nós dois, e você… você se afundava cada vez mais.

DEREK: Você acha que é fácil? Achar que não serve pra nada? Que a mulher que você ama mal te olha mais?

LUÍSA: Eu parei de te olhar porque você deixou de ser quem era! O homem que eu amava se perdeu no meio das garrafas, e eu cansei de tentar salvá-lo.

O silêncio caiu por um instante. Nicolas observava tudo de perto, tenso, mas sem interferir.

Luísa enxugou uma lágrima e continuou, agora com a voz firme:

LUÍSA: E sabe o que é pior? Agora você não tem mais nada, Derek. Nem a mim, nem um emprego. Vive aqui só porque esse apartamento é dos seus pais.

Derek fechou os punhos, respirando com raiva e humilhação misturadas.

DEREK: Você acha que está vencendo alguma coisa indo embora assim?

LUÍSA: Não, Derek. Eu não estou vencendo. Eu só estou me libertando.

Ela se abaixou, fechou a mala e a segurou com força. Nicolas deu um passo à frente, pronto pra ajudar.

NICOLAS: Vamos, Luísa.

Ela lançou um último olhar para Derek, um olhar de despedida, sem ódio, mas cheio de cansaço.

LUÍSA: Cuida de você… se ainda souber como.

E saiu pela porta, sem olhar pra trás.

Derek ficou parado, imóvel, ouvindo o som da porta se fechando. Pela primeira vez, o silêncio do apartamento pareceu enorme demais.

Luísa desceu as escadas em silêncio, com as mãos tremendo. Nicolas caminhava ao lado dela, carregando uma das malas, mas sem dizer uma palavra.

Quando entraram no carro, ela respirou fundo, tentando conter o choro, mas assim que Nicolas ligou o motor e o carro começou a se mover, a força que a mantinha firme simplesmente desabou.

LUÍSA: Eu tentei tanto, Nicolas… tanto.

Nicolas olhou pra ela rapidamente, a expressão cheia de empatia.

NICOLAS: Eu sei que tentou.

Ela virou o rosto pra janela, e as lágrimas começaram a cair sem controle.

LUÍSA: Eu me desdobrava pra tudo dar certo, sabe? Trabalhava, economizava… e ele sempre arranjava um jeito de estragar tudo. Eu achava que, se eu amasse o suficiente, ele ia mudar.

NICOLAS: Esse é o erro de muita gente boa, Luísa… achar que o amor conserta o que o outro não quer mudar.

Ela soltou um riso triste, enxugando as lágrimas com a manga da blusa.

LUÍSA: E o pior é que eu me culpava. Achava que a culpa era minha, que eu não estava sendo suficiente.

NICOLAS: Você foi mais do que suficiente. Só que ele não soube ver isso.

Luísa ficou em silêncio por alguns segundos, respirando fundo.

LUÍSA: Eu me sinto… leve e vazia ao mesmo tempo. É estranho.

NICOLAS: É o começo da liberdade. Dói um pouco no início, mas depois vem a paz.

Ela virou o rosto pra ele, e seus olhares se cruzaram, havia ternura no olhar de Nicolas, mas também algo mais, algo que ele disfarçava com cuidado.

O carro seguiu pela estrada, o sol já mais alto iluminando o rosto dela. Aos poucos, o choro foi cessando, e Luísa se recostou no banco, exausta, mas um pouco mais tranquila.

LUÍSA: Obrigada por ter vindo comigo.

NICOLAS: Você não precisa enfrentar as coisas sozinha.

Ela o olhou por alguns segundos, tocada pelas palavras.

O carro estacionou em frente à casa. O som do motor se apagou, e por um instante, o silêncio pareceu trazer alívio. Luísa olhou pela janela o jardim iluminado pelo sol, o portão aberto, e o ar tranquilo daquele lugar que agora parecia um refúgio.

NICOLAS: Chegamos.

Ela assentiu, respirando fundo.

LUÍSA: Finalmente.

Os dois desceram do carro. Nicolas pegou as malas do porta-malas, e os dois seguiram até a porta. Antes mesmo de bater, ela se abriu, Aurora apareceu, sorridente, mas o sorriso sumiu quando viu o semblante cansado da amiga.

AURORA: Onde vocês foram?

LUÍSA: Eu fui pegar minhas coisas no apartamento de Derek, e Nicolas se ofereceu para me levar.

AURORA: E deu tudo certo?

Luísa tentou sorrir, mas a expressão dela denunciava o cansaço.

LUÍSA: Deu sim. Já peguei tudo o que precisava.

Aurora olhou rapidamente para Nicolas, depois de volta para Luísa, preocupada.

AURORA: E o Derek?

Luísa baixou o olhar, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

LUÍSA: Ele apareceu quando eu estava lá… mas foi melhor assim. Eu disse tudo o que precisava dizer.

Aurora deu um passo mais perto, segurando de leve as mãos dela.

AURORA: E agora?

Luísa respirou fundo, e um pequeno sorriso finalmente apareceu, sincero, mesmo que cansado.

LUÍSA: Agora… eu tô livre, Aurora. Livre dele, daquela vida, daquele peso todo.

Aurora sentiu os olhos marejarem e a abraçou com força.

Luísa fechou os olhos, retribuindo o abraço. Nicolas observava a cena em silêncio, um leve sorriso no rosto.

Depois de alguns segundos, Aurora se afastou e olhou para Nicolas.

AURORA: Obrigada por ter ido com ela.

NICOLAS: Eu não ia deixar que ela fosse até lá sozinha.

Aurora assentiu, emocionada, e voltou o olhar para Luísa.

AURORA: Vem, entrem.

Luísa respirou fundo e cruzou a porta, sentindo, pela primeira vez em muito tempo, que o ar ali dentro era leve.

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Comments

Silvia Pereira

Silvia Pereira

que bom que Nicolas foi com a Luiza

2025-10-23

1

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