CAPÍTULO 5: O PREÇO DO DESPERTAR

A escuridão não era vazia. Era povoada por ecos.

O rugido do lobisomem de juba prateada. O silvo do vampiro de olhos sangrentos. O som metálico de lâminas se chocando. E o cheiro, sempre o cheiro de sangue antigo e terra sagrada.

Eu estava caindo através desses fragmentos de memória, um fantasma assombrado por um passado que não era meu, mas que agora habitava cada fibra do meu ser.

Um cheire mais forte, mais real, cortou através das visões: pinheiro, suor e uma fúria familiar.

A escuridão recuou. A consciência voltou como um socorro.

Eu estava deitada em algo macio – a cama da minha casa? Não. O cheiro era diferente. Era madeira encerada, ervas medicinais e o aroma reconfortante de lenha queimada. A casa de Jacob.

A luz do amanhecer filtrada pela janela era suave, mas doía nos meus olhos. Cada músculo do meu corpo protestava, como se eu tivesse corrido uma maratona. E na minha boca, o gosto metálico persistia, mas agora era misturado com um sabor estranho, amargo, como de ervas.

Eu me mexi, e uma figura que estava sentada numa cadeira ao lado da cama se moveu tão rápido que foi um borrão.

Jacob.

Ele estava ajoelhado ao meu lado em um instante, seus olhos escuros, não mais amarelos da fera, mas vermelhos de preocupação e vigília. Sua mão grande e quente envolveu a minha, e o contato foi como tocar um carvão em brasa – vital e intenso.

— Lili — a voz dele saiu áspera, cheia de uma emoção crua que me fez o coração apertar. — Pelo amor de Deus, você desmaiou. Eu te encontrei... — Ele engoliu em seco, seu queixo tremendo levemente. — Você estava convulsionando. Seus olhos... brilharam. E seus dentes...

Ele não terminou a frase, mas eu sabia. Eu sentia a leve dor nas gengivas, a sensibilidade estranha nos meus caninos.

— Quanto tempo? — minha voz saiu um farfalhar rouco.

— A noite toda — ele respondeu, seus dedos apertando os meus com uma força quase desesperada. — Sam veio. Disse que é o Despertar. É mais cedo e mais forte do que qualquer um que nós temos registro. — Ele baixou a voz, e eu vi o medo genuíno em seus olhos. — Billy fez um chá. Disse que ajudaria a acalmar... a fera dentro de você.

A fera. Aquele impulso primal que eu sentira perto da árvore ancestral. A fome que não era por comida.

— Eu ouvi uivos — sussurrei, lembrando do som que havia me alcançado no limiar da inconsciência.

— Fui eu — Jacob confirmou, seu olhar se tornando sombrio. — E o Cullen. Ele apareceu na borda da reserva, querendo entrar. Queria... saber. Dizia que sentiu sua dor, sua confusão, e depois... um silêncio. Como se você tivesse sumido. — O rosto de Jacob se contraiu em um misto de ódio e algo que parecia... respeito relutante. — A alcateia não deixou ele passar. Ele ficou lá, parado, na linha das árvores, a noite toda. Até o amanhecer forçá-lo a recuar.

Edward ficou lá. Por mim. A imagem dele, imóvel e vigilante na escuridão, enquanto eu lutava contra minha própria herança, causou uma pontada estranha no meu peito. Era preocupação? Ou era a atração pelo perigo que ele representava, agora amplificada pelo caos dentro de mim?

Tentei me sentar, e uma onda de tontura me atingiu. Jacob me apoiou, seu braço forte around meus ombros. O calor dele era um porto seguro, uma âncora na tempestade do meu ser.

— E a árvore? — perguntei, olhando para ele. — Os símbolos. A voz...

Jacob trocou um olhar com alguém atrás de mim. Sam Uley, o Alfa, estava parado na porta, seus braços cruzados, seu rosto uma máscara impenetrável de seriedade.

— A Árvore das Alianças — Sam falou, sua voz era profunda e carregada de autoridade. — O local onde o primeiro de sua linhagem fez um pacto com o primeiro de nós. Um pacto quebrado há gerações. O fato de você ter sido chamada até lá... — Ele fez uma pausa, seus olhos escaneando meu rosto como se procurando por respostas. — Significa que a guerra que pensávamos adormecida está se agitando. E você, Lilith, é o estandarte.

O estandarte. Não uma guerreira, não uma líder. Um alvo.

— A voz disse... — eu comecei, hesitantemente, — ...que a escolha não é entre Jacob e Edward. É sobre que tipo de monstro eu me tornarei.

As palavras pairaram pesadas no ar. Sam ficou ainda mais sério, se é que isso era possível. A mão de Jacob around a minha tornou-se um pouco mais rígida.

— Você não é um monstro, Lili — Jacob sussurrou, fervorosamente, seu rosto perto do meu. — Você é você. Nós vamos lidar com isso. Juntos.

Eu queria acreditar nele. Eu precisava acreditar nele. Mas então, uma nova sensação surgiu, vindo das profundezas onde a herança agora residia.

Um formigar nas pontas dos meus dedos. Uma sensação de... força se acumulando. Como se eu pudesse, se concentrasse o suficiente, lascar a madeira do criado-mudo ao lado da cama com um único toque.

E pior que a força, veio a fome. A memória do cheiro do sangue do veado voltou com uma intensidade avassaladora, e desta vez, não era repulsiva. Era... *sedutora_.

Eu puxei minha mão da de Jacob, abruptamente, escondendo-a no meu colo.

— Preciso... preciso de um tempo — disse, minha voz trêmula. — Para processar.

O rosto de Jacob ficou machucado, mas ele assentiu, recuando. — Eu entendo. Eu estarei lá fora. Sempre.

Quando a porta do quarto se fechou, deixando-me sozinha com Sam e o peso da minha herança, eu olhei para minhas mãos. Elas pareciam normais. Mas eu sabia. A mudança tinha começado. A voz ancestral não mentira.

O perigo não estava apenas vindo de fora.

O perigo mais imediato, mais aterrorizante, estava despertando dentro de mim.

E a pergunta que pairou no ar, não dita, mas tão palpável quanto a luz da manhã, foi: quando a fera dentro de mim decidir rugir de volta, quem na minha vida estaria a salvo?

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