Capitulo 4

O crachá ainda estava fresco no meu peito quando pisei pela primeira vez como funcionária do Hospital Vida Plena. O coração batia acelerado, as mãos frias, mas havia uma sensação de vitória correndo pelas minhas veias.

Fui recebida por Carmen, minha colega e agora companheira de trabalho. Ela sorriu animada:

— Bem-vinda ao caos, Gio. Hoje você já vai sentir o peso do que é estar aqui.

Mal tive tempo de respirar. Um chamado urgente chegou pelo rádio: radiografia na UTI pediátrica. Meu estômago revirou. Pediátrica. Criança.

Segui atrás de Carmen até a UTI. O ambiente era gelado, marcado pelo apito dos monitores e vozes tensas. Assim que entramos, vi uma cena que me cortou o coração: uma garotinha de apenas sete anos, inconsciente, tendo uma parada respiratória. Três médicos se revezavam nas manobras de reanimação, enquanto enfermeiras ajustavam tubos e fios.

Uma médica se aproximou de nós, ofegante.

— Não dá para fazer o raio X agora. Precisamos estabilizar primeiro.

Assenti em silêncio, o coração apertado. Saímos da sala, e senti meus olhos marejarem. Carmen tocou meu braço.

— É assim mesmo, Gio. Nem sempre conseguimos agir na hora. Mas você vai aprender a lidar.

Antes que eu pudesse assimilar, outro chamado: acidente de moto no pronto-socorro. Corremos até lá.

Um rapaz jovem, talvez com pouco mais de vinte anos, estava na maca, gemendo de dor. A perna dele tinha uma fratura exposta, sangue escorria pelo lençol branco, e a visão me fez engolir seco. O médico olhou para mim:

— Preciso dessa radiografia agora.

Minhas mãos tremiam enquanto posicionava o equipamento. Por dentro, eu gritava: Eu não vou conseguir, eu não vou conseguir. Mas meus movimentos foram automáticos, fruto de anos de estudo. Ajustei o foco, respirei fundo e apertei o disparo.

— Muito bem, Geovana — disse o médico, sem sequer desviar os olhos do paciente. — Rápida e precisa.

Um nó se desfez dentro de mim. Eu tinha conseguido.

Naquela manhã, fui chamada duas vezes mais para a UTI da garotinha. Na primeira, ainda estavam tentando estabilizá-la. Na segunda, ela tinha tido outra crise, e novamente não foi possível. Meu coração doía cada vez que eu via aquele corpinho frágil lutando entre a vida e a morte.

Somente na terceira vez, quando a situação finalmente se acalmou, consegui realizar a radiografia. Enquanto ajustava o aparelho, observei a pequena, tão indefesa, ligada a tubos e máquinas. Fiz meu trabalho com cuidado, quase como se minhas mãos pudessem transmitir força para ela.

Quando terminei, olhei para os olhos da enfermeira, que murmurou:

— Agora, sim, podemos ter respostas.

Saí da UTI exausta, mas com a sensação de que tinha passado por uma prova de fogo. O hospital não era apenas um emprego. Era um campo de batalhas diárias, e eu havia sobrevivido ao meu primeiro combate.

Enquanto caminhava pelos corredores, pensei:

"Eu vou aguentar. Por mim, pela minha mãe… e até por aquela garotinha que nunca vou esquecer."

Já fazia algumas semanas que eu estava trabalhando no Hospital Vida Plena. Cada dia era um desafio novo, cada plantão parecia sugar toda a minha energia, mas ao mesmo tempo me dava a sensação de estar viva, útil, necessária.

Foi numa dessas manhãs agitadas que Sílvia, a enfermeira-chefe da UTI, se aproximou de mim. Ela era conhecida por ser rígida, mas comigo sempre demonstrou simpatia, como se enxergasse algo além da minha insegurança de recém-contratada.

— Geovana, posso falar com você um instante? — perguntou ela, ajeitando os óculos no rosto.

— Claro, Sílvia. — respondi, tentando esconder o nervosismo.

Ela sorriu de leve.

— Tenho acompanhado seu trabalho. Você é dedicada, atenta e não se deixa abalar pela pressão. Gosto disso.

Senti meu peito inflar. Ouvir aquilo de alguém como ela era quase um prêmio.

— Obrigada, Sílvia. Venho tentando dar o meu melhor.

— Eu sei. — disse ela, firme. — Por isso pensei em você para uma indicação. Um hospital parceiro, o São Rafael, está precisando de uma técnica em radiologia para o turno da noite. É pesado, mas paga muito bem. Eu poderia arranjar uma conversa para você, se tiver interesse.

Por um segundo, fiquei sem ar. Dois empregos. Dobrar minha renda. A chance de, finalmente, eu e minha mãe não dependermos mais das migalhas do meu pai.

— Eu… eu adoraria, Sílvia! — respondi, com a voz embargada de emoção. — Isso mudaria tudo pra mim.

Ela sorriu mais uma vez, quase maternal.

— Então considere o convite feito. Vou falar com o diretor de lá. Confio que você dará conta.

Naquela noite, quando cheguei em casa exausta, não consegui segurar a notícia só para mim. Corri até a cozinha onde mamãe preparava o jantar.

— Mãe! Você não vai acreditar. Vou trabalhar também no São Rafael, à noite. Isso vai dobrar meu salário!

Ela deixou a colher cair dentro da panela, os olhos marejados.

— Minha filha… você não imagina o orgulho que eu sinto de você.

Nos abraçamos forte, como se fosse um pacto de esperança. Pela primeira vez, vi um sorriso sincero no rosto dela, um sorriso que o meu pai jamais havia conseguido lhe dar.

Eu sabia que a rotina seria cansativa, que minhas noites seriam curtas, mas a sensação de liberdade compensava tudo.

Enquanto subia para o quarto, pensei comigo mesma:

"Esse é só o começo. O mundo pode ser cruel, mas eu não vou mais viver de migalhas. Vou construir o meu futuro com as minhas próprias mãos."

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Comments

Natacha Manoell

Natacha Manoell

tomara q ela consiga ir embora e q a mãe dela vai junto...
chega dessa humilhação mulher...

2025-10-15

2

roseli Sousa da silva lucas

roseli Sousa da silva lucas

Isso mesmo, fé e força , vce vai conseguir 👏

2025-10-10

3

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