Capítulo 4

A moto cortava o asfalto molhado, faróis iluminando as poças sujas da cidade enquanto o céu ameaçava outra chuva. Luiz usava um casaco de couro surrado, capuz cobrindo parte do rosto. As ruas de Campo Grande já dormiam — ou fingiam dormir. Ali, o perigo nunca cochilava.

Virou numa avenida sem placas e parou em frente à boate. Um letreiro vermelho, com letras falhadas, piscava o nome: Inferno Azul. Música abafada escapava pelas paredes, misturada a gritos, risadas e copos se chocando.

Ao entrar, o cheiro de cigarro, bebida e suor o envolveu como um tapa. Mulheres dançavam nos palcos, homens observavam com olhos famintos. Mas Luiz não estava ali por prazer. Estava ali para acertar contas.

No fundo, numa área VIP improvisada com cortinas de veludo puídas, estavam os outros membros da Fire Feng. Vitor — sempre o primeiro a chegar — tragava um cigarro com indiferença, jogando cinzas num copo vazio. Jorge, deitado no sofá como se fosse o dono do mundo, olhava as dançarinas com um meio sorriso cínico. Caio e Léo riam alto, conversando sobre alguma merda qualquer.

— Até que enfim, o rei chegou — disse Vitor, sem tirar os olhos do cigarro.

Luiz não respondeu. Apenas se sentou, jogando o capacete no chão ao lado. Seus olhos percorriam o lugar. Não pela festa — mas por qualquer ameaça disfarçada de prazer.

— A noite foi boa? — provocou Jorge, inclinando o corpo para frente, um copo de uísque na mão. — Ou ficou brincando de herói de novo?

— Salvei uma garota de ser massacrada por um babaca. Nada demais — respondeu Luiz, seco, os olhos fixos em Jorge.

— Você e essa mania de salvar quem não pediu pra ser salvo — riu Caio. — Vai acabar morto assim, irmão.

— Ou vai acabar apaixonado — completou Léo, fazendo os outros gargalharem.

Luiz manteve a expressão inalterada, mas por dentro algo se movia. A imagem da garota o perseguia. Aqueles olhos assustados. A forma como ela tentou parecer forte mesmo tremendo. Ela era diferente. Não pertencia àquele submundo.

— E aí? — cortou Luiz. — Temos algo pra resolver ou vamos ficar aqui brincando de talk show?

O grupo silenciou por um momento. Vitor apagou o cigarro, jogando a bituca longe.

— Tem um carregamento chegando amanhã. Sheila quer a segurança reforçada. A milícia tá rondando de novo, e alguém andou espalhando que a Fire Feng tá ficando mole.

Luiz soltou uma risada breve, sombria.

— Que venham. Vamos mostrar que ainda queimamos tudo por onde passamos.

Jorge se levantou, batendo o copo na mesa com força.

— Isso que eu gosto em você, Luiz. Essa raiva controlada. Mas cuidado... o fogo também queima quem o carrega.

Luiz se levantou também, encostando o rosto no de Jorge, numa tensão quase explosiva.

— E você deveria parar de brincar com fósforos.

Vitor interveio no início da discussão com um levantar de mão. A autoridade dele era silenciosa, mas inquestionável.

— Já deu. Vocês dois sentam essa bunda e sossegam — disse, sem nem levantar o tom de voz.

Luiz apenas revirou os olhos e, com um gesto preguiçoso, chamou uma das garçonetes. Ela entendeu o recado na hora — trouxe sua Ice habitual, gelada como a expressão dele.

— Desculpa o atraso — disse Luiz, pegando a garrafa e apoiando o corpo no balcão com a tranquilidade de quem não devia explicações.

Vitor soltou um riso de canto, aquele meio debochado que já era marca registrada, se recostou, agora mais curioso.

— E posso saber mais sobre essa tal mulher?

Luiz hesitou por um segundo. A imagem da mulher voltou à sua mente — os olhos desafiadores, o rosto marcado pelo tapa, a coragem mal contida.

Vitor arqueou uma sobrancelha.

— E então? É carne nova? Será que tá por aqui há muito tempo?

— Não é prostituta. E também não parece perdida. Tem outra vibe... como se tivesse vindo com um propósito. — Falou sem olhar diretamente, pensativo.

Vitor inclinou-se um pouco mais, agora mais atento.

— E por que acha isso?

— Intuição — respondeu Luiz, seco.

— Intuição sua normalmente acerta... — disse Vitor, cruzando os braços. — Mas me diz uma coisa: a mulher é bonita?

Luiz demorou a responder. O olhar ficou vago por um instante, os pensamentos longe. Quando finalmente falou, a voz saiu baixa, quase um sussurro rouco.

— Tão bela quanto uma leidy...

Vitor não precisou ouvir mais nada. Conhecia Luiz bem demais. Sabia que ele não falava de mulher alguma com esse tom. Em todos aqueles anos, nunca o viu se interessar por alguém com mais do que desdém. Se aquela garota estava mexendo com ele, era por algo real. Algo profundo.

Um sorriso discreto surgiu nos lábios de Vitor, mas ele se conteve. Não fez piadas. Não provocou. Apenas respeitou o silêncio que se formou.

Luiz continuava ali, presente no corpo, mas perdido nos próprios pensamentos. Por alguns instantes, o barulho da boate sumiu ao redor deles. O mundo parou — como se aquela mulher tivesse deixado um rastro que ele ainda não conseguia apagar.

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