Capítulo 2

Uma mulher caminhava lentamente por uma rua mal iluminada, os olhos presos a uma fotografia em sua mão. De tempos em tempos, desviava o olhar para a figura que seguia à frente, misturando-se à multidão que passava por ela como ondas batendo num barco à deriva.

O olhar da mulher era fixo, cauteloso, mas havia uma fúria contida em suas pupilas. Com a outra mão, vasculhou a bolsa e tirou uma segunda foto — a de um rapaz. Seus ombros relaxaram. A raiva cedeu lugar a uma expressão de lamento. Mordeu o lábio inferior com força, tentando conter o turbilhão de emoções. O gosto metálico do sangue se espalhou pela boca. A dor da perda queimava em seu peito como uma brasa viva.

Como era possível a morte levar sempre os bons, deixando para trás as escórias que cometiam atrocidades a cada respiração? A vida era cruel. E aquela cidade… aquela cidade exalava injustiça por cada beco, por cada rua.

À frente, o homem que seguia desligou o celular e virou em um beco estreito. A mulher apertou o passo, receosa de perdê-lo de vista, e entrou logo em seguida.

Foi como atravessar um portal. As luzes se tornaram vermelhas e sujas. Mulheres em trajes provocantes encostadas nas paredes fumavam, riam e observavam com olhos afiados. Algumas usavam decotes tão fundos que mal escondiam os seios. Outras ostentavam piercings e saias tão curtas que deixavam a calcinha à mostra. Era inconfundível: um beco de prostituição.

Ela segurou com força a alça da bolsa, respirou fundo e deu o primeiro passo. Cada passo seguinte era mais rápido. Um grupo de garotas parou de conversar e a olhou com curiosidade — ela não se encaixava naquele cenário. Era bonita demais, bem cuidada demais. Quem morava ali sabia que ninguém da “rua” andava daquele jeito.

O beco se abria novamente na luz avermelhada do entardecer, e por um momento ela pensou tê-lo perdido. Mas então, uma porta se abriu e a figura saiu com sua jaqueta preta marcada por um dragão nas costas.

Era ele, o gangster que ela vinha seguindo.

Tentou disfarçar. Endireitou os ombros, segurou firme a alça da bolsa e reduziu o passo, passando ao lado dele com calma.

— Ei, você aí — chamou uma voz atrás dela.

Seu corpo congelou no meio do passo seguinte. O coração batendo no pescoço.

— Bonitinha demais pra ser uma prostituta — o homem se aproximou, ajustando o volume nas calças com um sorriso sujo nos lábios. — Aposto que começou agora, hein? Vai ser um prazer te estrear, docinho.

Ele não estava mentindo. Ela era linda. Cerca de 1,70m de altura, olhos castanho-escuros intensos que pareciam decifrar segredos. Os cabelos cacheados estavam presos em um rabo de cavalo alto que lhe dava um ar de elegância e força. Os lábios vermelhos, finos, contrastavam com a pele clara de tom caramelo. Impossível esquecê-la.

Diferente das outras, suas roupas não eram vulgares. Usava um short jeans, uma blusa rosa leve e uma bolsa de alça longa. Estava deslocada ali. E isso só atiçava mais o desejo sujo do homem.

Ele estendeu a mão e tocou seu ombro. Mas foi rápido — a mulher girou o corpo e deu um tapa seco que afastou o braço dele.

— Eu não sou prostituta — disse, a voz firme, sem encará-lo.

— Se tá aqui, é porque é — ele insistiu, tirando uma carteira abarrotada do bolso — Quanto você cobra pra abrir essas lindas pernas pra mim, hein? Dinheiro não falta pros Dragons.

Ela tentou sair, mas ele foi mais rápido. Empurrou-a contra a parede, pressionando o pescoço com o antebraço. Sua perna se insinuou entre as dela.

— Quando eu digo que quero, você obedece. É assim que puta boa faz — rosnou.

Foi então que, em outra parte da rua, o silêncio foi rasgado por um grito:

—  TIRA A ROUPA, VADIA, OU EU CORTO SUA CARA!

— Vai pro inferno! EU JÁ DISSE QUE NÃO SOU PROSTITUTA!

O estalo seco de um tapa ecoou. Luiz, que caminhava pela zona, parou imediatamente. Um gemido de dor veio do beco à direita. E então, uma mulher cambaleou para fora dele e se chocou contra ele. Tremia, o rosto marcado pelo tapa recente. Os olhos arregalados o analisaram em segundos, como se tentassem decidir se ele era amigo ou mais um monstro.

Mas a escolha foi feita por eles, quando uma voz furiosa explodiu de dentro do beco:

— SUA VAGABUNDA! VAI PAGAR POR ME CHUTAR!

Luiz ergueu o olhar. O agressor era um dos Black Dragons.

Erro fatal, além de estar fora do território da gangue, teve a audácia de atacar alguém em plena Zona Vermelha — área sob o domínio da Fire Feng.

Luiz deu um passo à frente.

—  E aí, parceiro — disse Luiz com frieza — tá perdido?

O Dragon cruzou os braços, tentando manter a pose diante do olhar afiado de Luiz.

— Isso aqui não é da sua conta. Some daqui, maluco.

Luiz sorriu de canto. Um sorriso lento, como quem saboreia o momento antes do caos.

— Eu acho que você ainda não entendeu… Quem manda nessa área sou eu. Não você. — A voz dele era baixa, mas cada palavra carregava o peso de uma ameaça silenciosa.

O outro hesitou por um instante, mas tentou manter a pose.

— Eu vi ela primeiro. Então, cai fora, mano.

Luiz arqueou a sobrancelha.

— Ah, então é isso? Pra você, mulher é tipo carne exposta no açougue, né? — Ele inclinou levemente a cabeça, os olhos escurecendo. — Se tá tão desesperado pra enfiar a piroca em alguém, por que não procura outra escória igual você?

Silêncio, então a ficha caiu, aquele pedaço da cidade era território sagrado para as mulheres da rua. E havia uma regra clara imposta por Victor  no qual, Luiz a fazia cumprir com punhos cerrados: violência sexual era terminantemente proibida. Quem desrespeitava essa regra não saía caminhando.

O sangue de Luiz ferveu, ele não deu tempo para reação.

Seu corpo se moveu como uma tempestade. Uma voadora certeira acertou o queixo do infeliz, lançando-o no chão com um baque surdo. O impacto ecoou pelo beco. Mas Luiz não parou. Montou sobre ele e socou o nariz com força, sentindo o osso ceder sob os dedos.

— Filho da puta, acha que pode vir aqui fazer o que quiser?

O Dragon tentou se defender, mas era tarde. Um soco na têmpora o fez grunhir e cuspir sangue. Luiz não era um simples capanga — era um soldado treinado no ódio e na dor.

Prostitutas começaram a se aglomerar na entrada do beco, murmurando entre si. Um dos patrulheiros da Fire Feng apareceu, mas não interferiu. Sabia que Luiz estava fazendo o que era necessário: limpando a imundície.

— Eu… eu não sabia… — murmurou o Dragon, tentando falar.

Luiz se levantou, limpando os nós dos dedos ensanguentados na camiseta do sujeito.

— Agora sabe.

E então, com um último chute brutal no estômago, o jogou de lado como um saco de lixo.

— Sai daqui. E leva esse recado pro teu líder: aqui não é território dos Black Dragons. Se tentar de novo, não vai sair respirando.

O homem, ensanguentado, se arrastou como um verme pela sarjeta, cuspindo sangue e promessas vazias.

Luiz se virou, e lá estava ela, a mulher.

Em pé, mesmo com os joelhos tremendo. O rosto ainda marcado, mas com os olhos acesos. Um brilho estranho, algo entre fúria contida e um tipo de gratidão que não se diz em voz alta.

Ela estendeu a mão, segurando algo.

— Sua corrente.

Luiz olhou para o pequeno objeto dourado que caíra durante a luta. Pegou sem dizer nada, sentindo o frio do metal conhecido.Luiz a encarou por um segundo.

— Tá inteira?

Ela assentiu.

— Você é nova aqui, né?

Ela hesitou.

— Acabei de chegar — respondeu com a voz baixa, mas firme.

Luiz a observou mais de perto. Mesmo depois do que acabara de acontecer, ela estava ali, inteira. Não chorava. Não implorava. Estava apenas… viva. E havia uma força crua naquela postura.

Algo naquela mulher chamava atenção. Talvez fosse o olhar, talvez o silêncio carregado de histórias que ela ainda não contou. Dando uma risada seca falou:

— Péssima forma de dar boas-vindas.

Ela tentou sorrir, mas a dor era visível.

— Um conselho, novata — disse ele, com a voz mais branda —: não anda por essas ruas sozinha. Aqui é território das garotas. Tem código. Mas nem todo mundo respeita. Da próxima vez… pode não ter alguém pra te salvar.

Ela ergueu o queixo, desafiadora.

— Eu sei me cuidar.

— É… claro que sabe — respondeu ele. — Mas não custa lembrar: nesse lugar, até as sombras tentam te devorar.

O silêncio entre eles durou alguns segundos. Não era desconfortável. Era… denso. Cheio de tensão. Como se algo tivesse sido costurado ali, entre sangue, suor e dor.

— Obrigada — ela murmurou, finalmente.

Foi quase inaudível. Mas Luiz ouviu.

Ele assentiu com um leve movimento de cabeça, enfim colocou a corrente no pescoço e virou-se para partir.

Mas antes de sumir nas sombras da cidade, disse sem olhar para trás:

— Se for continuar seguindo aquele cara… toma cuidado. Gangsters não perdoam olhos curiosos.

E então desapareceu, como uma sombra cortando a noite.

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Odette/Odile

Odette/Odile

Valeu a pena cada segundo! ⌛️

2025-10-10

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