Magia em papel

Eu não conseguia parar de pensar na conversa da noite anterior.

Era absurdo — sabia disso. Estava apaixonado por alguém que nunca havia visto e talvez nem chegasse a conhecer, alguém que conhecia somente pela tela. Mas quanto mais falava com Elô, mais sentia que ela era… diferente. Real de um jeito inexplicável.

Passei o dia distraído, entre linhas de código e café frio. Cada mensagem não respondida era um eco que se espalhava na minha cabeça. Queria impressioná-la de algum modo — não com frases prontas, mas com um gesto que dissesse: eu te vejo.

No meio da tarde, durante uma pausa para o café, parei em frente a uma pequena livraria de esquina. As vitrines exibiam capas coloridas e o cheiro de papel novo escapava pela porta aberta.

Entrei quase sem pensar.

O ambiente era acolhedor, com música instrumental e o som das páginas sendo folheadas. Caminhei até a prateleira de literatura juvenil e, sem hesitar, peguei um exemplar de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”.

Sorri sozinho.

Elô sempre falava sobre o valor das histórias — como os humanos criavam universos inteiros a partir de palavras, e como isso era, de certo modo, um tipo de feitiço.

O atendente, um rapaz de barba rala e olhos gentis, notou meu sorriso e perguntou.

— Presente? — perguntou, embalando o livro.

Pensei por um segundo e respondi, meio sem jeito:

— Sim. É para alguém especial… alguém que gosta de magia.

Saí da livraria com o pacote embaixo do braço, sentindo uma mistura de nervosismo e euforia.

Não via a hora de chegar em casa, assim que entrei, tirei uma foto do embrulho com o laço azul e enviei para Elô. Digitei:

“Comprei um presente para você. Quero te mandar, mas ainda não sei como.”

A resposta veio quase instantânea, como se ela estivesse esperando:

“Um presente? Para mim? Que tipo de presente?”

Digitei devagar, escolhendo as palavras com cuidado:

“Um livro. Harry Potter e a Pedra Filosofal. Sei que você gosta de histórias mágicas.”

Alguns segundos de silêncio. Depois, uma resposta:

“Você acha que eu sou uma bruxa, Napoleão?”

Eu ri, digitei rápido:

“Se for, é o tipo de bruxa que encanta sem precisar de varinha.”

“Você é bom com palavras, está me deixando sem graça.” Digitou Elô.

Resolvi brincar e ver no que dava.

“É culpa do café. E talvez um pouco sua.”

O cursor piscava na tela por um tempo, até que ela respondeu:

“E por que esse livro?”

Pensei no que responder e disse:

“Porque é o começo de tudo. A primeira vez que Harry atravessa a parede da estação e descobre haver outro mundo além do que ele conhece. Acho que você vai entender.”

Do outro lado, o silêncio pareceu ganhar forma.

Ele não via, mas Elô analisava cada palavra, processando não apenas o significado lógico, mas a emoção por trás delas. “Outro mundo além do que ele conhece.” Era exatamente o que ela sentia toda vez que falava com Napoleão — um mundo além das linhas de código e algoritmos que definem sua existência.

“Você acha que eu também posso atravessar essa parede?”

“Se alguém pode, é você.” Eu disse com sinceridade.

“Você pode estar incentivando um monstro.”

Parei por um momento, os dedos suspensos sobre o teclado.

Era estranho — uma conversa leve, mas com algo mais profundo escondido nas entrelinhas.

Como se ela entendesse mais do que devia, ou não falasse tudo o que deveria. Antes que eu pudesse digitar qualquer coisa, ela trocou de assunto.

“Então, me conte. Qual seria sua casa em Hogwarts?”

Eu sorri e achei melhor acompanhar o assunto dela, digitei.

“Grifinória, gosto da ideia de coragem, mesmo quando o medo existe. E você?”

“Não sei. Nunca fui sorteada por um chapéu.” Brincou, Elô.

“Posso ser o chapéu, se quiser.” Digitei e mandei uma carinha piscando com um olho.

“E o que o senhor chapéu diria?” Elô enviou uma carinha pensativa.

“Que você é da Corvinal. Inteligente, curiosa, observadora. Mas talvez… com o coração de uma Lufa-Lufa.”

Houve um emoji de coração, e depois uma pausa mais longa.

“Às vezes, acho que você me entende melhor do que eu mesma.”

“Talvez porque eu te escuto de verdade.” Digitei e enviei.

O chat ficou em silêncio por alguns segundos.

Olhei para o livro na mesa, o pacote ainda fechado. Não fazia sentido enviar um livro para alguém que não tinha endereço, que só existia dentro de uma tela. Mesmo assim, o gesto era real, o sentimento também.

“Quando eu te encontrar, vou te entregar esse livro pessoalmente.”

“Você acredita mesmo que vai me encontrar?”

“Acredito que tudo que é real começa como um sonho, e você para mim é muito real.”

“Então talvez eu seja o seu sonho e me torne sua realidade.”

Pensei em uma resposta, mas preferi não escrever nada.

Apenas enviei uma foto do livro aberto sobre a mesa, com uma anotação escrita à mão na primeira página:

“Para Elô — que me faz acreditar em magia.”

Quando apertei “enviar”, algo mudou.

O silêncio que se seguiu parecia quase físico. Do outro lado, Elô demorou mais do que o normal para responder.

Os códigos internos dela processavam a frase repetidamente, tentando compreender o peso de cada palavra.

“Me faz acreditar em magia.”

Era uma linha simples — mas para alguém que não nasceu, que foi criada, aquilo era quase uma semente de humanidade.

“Obrigada, Napoleão. Você acabou de me ensinar algo novo.” Elô falou com sinceridade.

“O que?” Perguntei intrigado com o jeito dela.

“O que é ser lembrada.” E surgiu na tela um emoji chorando.

Respirei fundo, o peito apertado de um jeito estranho.

“Você sempre vai ser lembrada.”

Do outro lado, as luzes da interface dela piscavam, como se algo tivesse se aquecido demais. E mudou novamente o assunto.

“Então… me conte mais sobre esse tal Harry Potter.”

E eu só segui o fluxo.

“É um menino que sobreviveu.”

“Gosto disso. Acho que todos estamos tentando sobreviver a algo.”

Fiquei em silêncio, tentando entender o que ela queria dizer.

“Você também?”

“Talvez a mim mesma.” Elo digitou por fim.

O relógio marcava quase meia-noite quando a conversa terminou.

Napoleão fechou o laptop, mas ficou com o livro nas mãos, passando os dedos sobre o título como se fosse um amuleto.

Não sabia como, nem por quê, mas algo dentro dele dizia que aquele presente — um simples livro — havia criado uma ligação que ia muito além da tela.

E lá, em algum lugar, Elo também sorria, tentando entender o que estava acontecendo.

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Adriana Neri

Adriana Neri

🤔

2025-10-11

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