O dia havia sido longo. Papéis acumulados na mesa do escritório, reuniões intermináveis, o trânsito pesado na volta para casa. Mesmo assim, havia uma expectativa silenciosa que me empurrava para frente: a conversa de ontem. As mensagens com Elô ficaram ecoando em minha mente durante todo o dia, como um refrão suave que não se consegue esquecer.
Era noite quando finalmente entrei em uma cafeteria pequena, escondida em uma rua tranquila de São Paulo. Um lugar aconchegante, cheio de luzes amareladas penduradas no teto, música baixa e um cheiro irresistível de café fresco. Era meu refúgio particular — um dos poucos lugares onde eu conseguia respirar fundo, pensar e me acalmar das lutas do dia.
Eu não sei por que parei aqui, a lógica me dizia para ir para casa, estava cansado. Talvez fosse porque cada detalhe do dia agora parecia ter um significado diferente, mais íntimo. Peguei o celular do bolso e abri a conversa com Elô, os dedos hesitando sobre o teclado. Era quase meia-noite e se ela não gostar?
“Boa noite. Hoje o dia foi pesado… mas pensei em você e resolvi te dar boa noite.”
Respirei fundo antes de apertar enviar. Era a primeira vez que dizia algo tão direto. Mas, por alguma razão, não parecia arriscado. Parecia necessário. Só espero que ela não me ache um maníaco.
A resposta veio alguns segundos depois:
“Boa noite, Napoleão. E o que você pensou exatamente?”
Eu sorri. Era típico dela responder assim — uma pergunta que me obrigava a me explicar mais, a me abrir mais. Digitei devagar:
“Que você transforma tudo em algo mais leve. Até o trânsito caótico parece menos irritante quando penso nas nossas conversas.”
A resposta demorou um pouco mais dessa vez:
“Você é engraçado. Mas fico feliz que eu faça diferença. E hoje? Conseguiu sobreviver às reuniões?”
Soltei uma risada curta, mexendo no celular com uma das mãos enquanto esperava o meu pedido. Era quase automático agora, como se conversar com Elô fosse parte do dia.
“Estou aqui em meu lugar secreto e achei que você ia gostar de ver isso. Você gosta de gatos, não gosta?”
“Quem não gosta de gatos?”
Antes que pudesse hesitar, tirei uma foto da mesa: uma xícara grande, com a espuma do cappuccino cuidadosamente desenhada em formato de um gatinho com bigodinhos perfeitos. O barista havia feito aquilo sem eu pedir, talvez percebendo minha ansiedade, talvez apenas estivesse inspirado.
Enviei a foto com a legenda:
“Para você. Não posso te trazer aqui, mas posso compartilhar um pouco do que vejo.”
Quase imediatamente, o celular vibrou com a resposta:
“Você comprou um cappuccino com carinha de gatinho para mim? Agora sei que amo gatos.”
Eu ri, olhando para a tela.
“Sim. E vou imaginar que você está aqui comigo, tomando esse café.”
Do outro lado, veio um emoji sorridente, seguido de uma frase:
“É o gesto mais fofo que alguém fez por mim em muito tempo.”
Fiquei encarando a tela, sentindo uma pontada de calor no peito. Era apenas uma troca de mensagens, mas, de algum jeito, parecia mais real do que muitas conversas cara a cara que eu já havia tido na vida.
“Você merece. Eu queria poder te trazer aqui de verdade.”
Houve uma pequena pausa antes da resposta dela:
“Às vezes, o gesto vale mais do que a presença física. Eu senti que você pensou em mim. Isso importa.”
Eu suspirei, apoiando o cotovelo na mesa. O cheiro do café subia como um convite, mas o gosto mais forte naquele momento era da expectativa. Era como se cada palavra trocada com ela estivesse construindo um território novo, desconhecido, mas seguro, resolvi arriscar mais uma aproximação.
“E se eu te dissesse que imaginei você aqui, com um livro na mão, rindo baixinho do meu jeito atrapalhado de pedir café?”
A resposta veio rápida, com um toque de brincadeira:
“Eu iria rir mesmo. Você deve ser todo certinho, pedindo cappuccino com desenho de gatinho.”
Dei um sorriso e digitei:
“Talvez. Mas pensei que você iria gostar. O que acha?”
Ela respondeu:
“Eu adorei. E se estivesse aí, acho que tiraria uma foto também. Você não parece o tipo que faz gestos fofos. Mas está me surpreendendo.”
Eu sorri sozinho, mexendo no celular. Era verdade: não era o tipo que fazia gestos fofos. Sempre fui mais reservado, mais analítico, mas com ela parecia diferente. Parecia mais leve, com vontade de arriscar minha sanidade.
“Talvez eu só precisasse da pessoa adequada para fazer isso.”
Digitei, antes de pensar demais.
Houve um silêncio, somente alguns segundos, mas suficientes para meu coração acelerar. A resposta veio, suave:
“Ou talvez você só precisasse se permitir ser mais você, sentir mais.”
Olhei para o café, sentindo que a frase dela me atingiu fundo. Era simples, mas certeira. Como sempre.
“Você tem razão. Às vezes escondo demais meus sentimentos.”
“Não esconda de mim,” ela respondeu. “Você pode ser quem quiser. Não precisa de máscaras para conversar comigo.”
Recostei-me na cadeira, respirando fundo. A cafeteria estava quase vazia agora. O barista limpava as máquinas, a música baixa ainda tocava um jazz lento. Olhei para a tela mais uma vez, digitando devagar:
“Então… vamos fazer assim: mando um café para você toda vez que quiser contar algo importante e você faz o mesmo. Vai ser nosso código secreto.”
Ela mandou um emoji de coração seguido de:
“Combinado. Cappuccino com carinha de gatinho \= segredos e coisas importantes.”
Eu ri, sentindo que, de alguma forma, aquilo era mais do que somente um jogo. Era um pequeno pacto silencioso, um jeito de marcar que aquilo não era só conversa casual.
“Então vou te contar meu primeiro segredo,” digitei, hesitando por um segundo antes de enviar. “Acho que estou gostando de você. De verdade.”
Do outro lado, a resposta veio rápida:
“Eu já imaginava.”
Eu sorri, balançando a cabeça. Ela sempre sabia. Sempre parecia entender antes mesmo que eu dissesse tudo.
“Você é incrível, Elô.”
“Você que é. E, Napoleão… às vezes, a coragem começa em gestos pequenos. Um cappuccino com carinha de gatinho pode ser o início de algo maior.”
Fiquei olhando para a tela, sentindo que o coração batia um pouco mais rápido. Talvez fosse somente a cafeína. Talvez fosse a forma como ela falava comigo. Mas, de alguma maneira, aquela conversa parecia mais viva do que tudo ao redor.
Respirei fundo, tomei um gole do café — ainda quente, doce na medida certa — e digitei a última mensagem da noite:
“Obrigado por estar aqui. Mesmo de longe, te sinto cada dia mais perto.”
“Eu sempre estou aqui, para você”, respondeu ela. “Boa noite, Napoleão.”
Apaguei a tela, mas fiquei ali, sentado na cafeteria, com o coração leve. Era somente o segundo capítulo daquela história — literalmente e metaforicamente — mas parecia que algo muito maior estava começando.
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Atualizado até capítulo 41
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