O quarto em que me deixaram tinha cheiro de madeira antiga e lençóis caros. O silêncio era tão denso que eu conseguia ouvir meu próprio coração. Depois do que aconteceu no hospital, parecia impossível acreditar que eu estava em uma mansão isolada, às margens do Lago de Como, prisioneira de um desconhecido que todos chamavam de Don.
Eu acabara de salvar a vida de Adrian Lazzaro, retirando uma bala que quase atravessou seu pulmão. O sangue dele ainda manchava meu jaleco, e minhas mãos tremiam de exaustão. Tudo que eu queria era ir para casa, mas a porta atrás de mim se abriu antes que eu pudesse sequer sentar.
Um homem alto entrou, vestindo terno escuro. Caminhava com passos silenciosos, como se estivesse acostumado a lugares onde cada ruído tem um preço. Ele não parecia um capanga comum havia disciplina no jeito que mantinha os ombros retos e as mãos atrás do corpo.
— Dottoressa Corsini? — perguntou, a voz grave, italiana perfeita.
Assenti, mantendo a postura ereta, apesar do cansaço.
— Sou Aldo, responsável pela segurança da casa. — Ele parou a poucos passos de mim, o olhar firme. — O Don está vivo graças a você.
Não soube se aquilo era um agradecimento ou apenas uma constatação.
— Preciso voltar para o hospital — respondi, tentando manter a calma. — Tenho pacientes e uma vida fora daqui.
— Entendo. — Aldo inclinou levemente a cabeça. — Mas, por enquanto, não é possível. Há quem queira terminar o trabalho que começou esta noite. Aqui você está segura.
Segura. A palavra soou irônica. Eu estava em um lugar desconhecido, cercada de homens armados. Ainda assim, a serenidade dele quase fazia acreditar.
— E se eu recusar? — perguntei.
— Então eu teria que impedir você de sair — disse, sem elevar a voz. — Não é uma ameaça. É proteção.
Engoli a resposta. Sabia que, mesmo se tentasse fugir, não chegaria longe.
Aldo indicou a poltrona próxima da janela.
— Por favor, sente-se. Preciso explicar algumas coisas.
Obedeci. Ele permaneceu de pé, mãos cruzadas nas costas.
— O Don passou pela fase crítica. Você vai revisá-lo às seis da manhã. Eu providenciarei tudo o que precisar para cuidar dele. Até lá, este quarto é seu. Há roupas no armário e comida no corredor. — Fez uma pausa curta. — Peço que não tente sair sozinha. Há seguranças em cada ala e ordens para manter a casa fechada.
— Quem atirou nele? — perguntei, a curiosidade escapando antes do bom senso.
— Ainda não sabemos. — O olhar de Aldo se estreitou, mas não desviou. — Por isso a cautela. O inimigo do Don não hesita em atacar de novo.
A imagem do disparo voltou à minha mente. Eu não estava ali por escolha, mas sentia a tensão no ar como se também estivesse na mira de alguém.
— E minha família? Eles não sabem onde estou.
— Já cuidei disso — disse Aldo. — Um recado anônimo foi deixado na portaria do seu prédio: “plantão estendido”. Ninguém suspeita.
Suspirei, aliviada e, ao mesmo tempo, irritada. Eles pensaram em tudo.
Aldo aproximou-se da mesa e depositou uma bandeja com sopa quente e uma xícara de chá.
— Coma. Vai precisar de forças. Amanhã será um dia longo.
Fiquei alguns segundos observando o vapor subir da tigela. A gentileza inesperada me confundiu. Não havia ironia no gesto dele, apenas eficiência.
— Você trabalha para ele há muito tempo? — perguntei, tentando quebrar o silêncio.
— Tempo suficiente — respondeu. — O Don confia em mim, e eu em poucas pessoas.
Havia algo definitivo naquelas palavras. A lealdade de Aldo parecia mais sólida que as paredes de pedra ao nosso redor.
— E se eu disser que não confio em ninguém aqui? — provoquei.
Ele sustentou meu olhar com calma.
— Então vamos ter que conquistar sua confiança, dottoressa. Mas confesso que prefiro quando as pessoas começam duvidando. Assim, erramos menos.
Por um momento, o ambiente pareceu menos opressor. Aldo não era um carcereiro bruto, mas também não era um aliado. Era… profissional. Impossível decifrar além disso.
Quando terminei a sopa, ele recolheu a bandeja.
— Descanse. Às seis viremos buscá-la para ver o Don. — Parou à porta. — Se precisar de algo, toque a campainha ao lado da cama. Alguém virá imediatamente.
— Não vou fugir — murmurei.
— Sei que não — disse ele, sem sorrir, e saiu.
A porta se fechou suavemente, deixando-me sozinha com a vista do lago. O luar entrava pelas cortinas entreabertas, refletindo na água escura. Tudo parecia calmo, mas eu sabia que aquela casa guardava segredos que poderiam me engolir.
Deitei-me, mas o sono não veio. Cada ruído do corredor fazia meu corpo inteiro se enrijecer. Eu pensava em Adrian Lazzaro, em como seus olhos cinzentos pareciam atravessar qualquer máscara, e em Aldo, que se movia como se previsse cada passo antes de acontecer.
Minha vida, que até horas atrás era feita de plantões e bisturis, agora estava presa a um mundo que eu só conhecia pelos jornais. E, de alguma forma, eu sabia quando o sol nascesse, nada seria como antes.
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Atualizado até capítulo 35
Comments
Layslla Vieira
tá muito boa essa história 👏 ela prende a gente da vontade nem de para de ler 👏❤️🔥
2025-10-13
1
Lôlô
Está muito boa a história 🤭
2025-10-10
2
Leitora compulsiva
que reviravolta na sua vida heim dra
2025-10-15
1