Dizem que o silêncio é o som mais alto quando se tem medo.
Desde aquele dia na biblioteca, o silêncio entre mim e Dante tem um peso quase físico — uma sombra que me acompanha pelos corredores, pelas aulas, pelos sonhos.
Ele não falou comigo desde então. Nem um olhar, nem uma palavra.
Mas é impossível não sentir a presença dele.
Como se o ar o denunciasse.
O colégio parece diferente sem a voz dele.
Tudo é mais frio, mais lento.
E mesmo sabendo que deveria me afastar, uma parte de mim sente falta daquele olhar que parecia ver além do que eu queria mostrar.
Na terça-feira, encontro o caderno preto dentro do meu armário.
Sem bilhete. Sem explicação.
Só o caderno.
Abro, hesitante. As páginas estão cobertas de frases, rascunhos, desenhos — tudo em preto e cinza.
Algumas palavras estão riscadas, outras repetidas.
Meu nome aparece outra vez.
Mas agora há mais: fragmentos de pensamentos, pedaços de frases que soam como confissões.
> “Ela tem o olhar de quem já viu o fim e continua andando.”
“O amor é a forma mais lenta de morrer.”
“Se eu pudesse apagar o mundo, deixaria só ela.”
Fecho o caderno rápido, o coração batendo alto demais.
Não sei se devo sentir medo ou pena.
Por um instante, penso em devolver. Em entregar à diretora, à professora, a alguém.
Mas não faço nada disso.
Porque parte de mim — a parte que eu não entendo — quer saber mais.
Na aula de Literatura, ele volta.
Senta na cadeira ao meu lado, como se nada tivesse acontecido.
A mesma calma de sempre. A mesma sombra no olhar.
— Você leu? — ele pergunta, sem olhar pra mim.
Demoro alguns segundos pra responder. — Sim.
— E?
— É… assustador.
Ele sorri, sem humor. — A verdade sempre é.
— Era pra eu encontrar aquilo?
— Sim. — Ele me encara. — Eu quis que você visse.
— Por quê?
— Porque todo mundo mente no papel. Eu queria que você visse o que acontece quando alguém não mente.
Engulo em seco. — E o que acontece, Dante?
— As pessoas fogem.
Olho pra ele. — E você quer que eu fuja?
Ele hesita. — Quero ver se você fica.
O tempo parece parar.
Por um momento, não há sala, nem vozes, nem o som distante dos passos.
Só o olhar dele.
Profundo. Perigoso. Real.
E, apesar de tudo, eu fico.
Nos dias seguintes, o projeto de Literatura vira só uma desculpa.
Nos encontramos na biblioteca, nas arquibancadas, às vezes depois da aula.
Ele fala pouco, mas quando fala, parece carregar o peso do mundo em cada palavra.
Aos poucos, começa a me contar fragmentos do passado.
O pai violento. As brigas. A mãe que desapareceu. A noite em que ele quase matou alguém.
Mas nunca os detalhes.
Apenas sombras.
— E você? — ele pergunta um dia. — Por que mudou de cidade?
Engulo o nó na garganta. — Um acidente.
— Com a sua irmã. —
Congelo. — Como você sabe disso?
— Eu perguntei.
— Pra quem?
— Pra quem lembra de você.
O coração dispara. — Você procurou por mim?
— Sim.
— Por quê?
Ele se aproxima, e a voz sai baixa, quase um sussurro:
— Porque quando te vi pela primeira vez, tive a sensação de que já te conhecia.
Há algo na forma como ele diz que me quebra.
Não parece mentira.
Parece destino.
No sábado, acordo com uma mensagem no meu celular.
Número desconhecido.
> “Não confie nele.”
Nenhum nome, nenhum contexto.
Mas eu sei exatamente de quem estão falando.
Passo o dia tentando ignorar.
Mas à noite, não resisto.
Vou até o colégio — o portão dos fundos, o mesmo que os alunos usam para cortar caminho.
E ele está lá.
Como se me esperasse.
— Sabia que viria. — ele diz.
— Como?
— Porque você também sente.
A lua ilumina só metade do rosto dele. A outra metade está mergulhada em sombra.
Por um instante, é como olhar para duas pessoas ao mesmo tempo.
A que me protege e a que me assusta.
— Por que eu? — pergunto. — Por que você me escolheu?
Ele dá um passo à frente, e o ar parece mais denso.
— Porque você é o único lugar onde o mundo para de doer.
Meu coração dispara.
As palavras dele são um veneno doce — perigosas, mas impossíveis de ignorar.
— Isso não é amor, Dante. —
Ele toca de leve meu rosto, sem realmente encostar.
— Então o que é?
— É obsessão.
— Talvez sejam a mesma coisa. —
O silêncio que vem depois é quase insuportável.
Mas eu não me afasto.
Nem ele.
A chuva começa a cair — fina, fria, como um lembrete do que é real.
E ali, no escuro, percebo que já estou presa.
Não por medo.
Mas por escolha.
Mais tarde, em casa, olho para o caderno preto novamente.
As palavras parecem vivas.
E quando chego à última página, encontro algo que não estava ali antes.
> “O que começa com fogo termina em cinzas.”
“E eu não sei qual de nós vai queimar primeiro.”
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Atualizado até capítulo 30
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