Na manhã seguinte, o colégio parece mais frio. Não o tipo de frio que vem do clima, mas aquele que nasce do silêncio — o silêncio que vem depois que algo muda, mesmo que você não saiba o quê.
O bilhete da noite anterior ainda está comigo. Amassado, escondido no bolso da jaqueta, mas é como se queimasse contra a pele.
"Ele não é quem você pensa. E você não é tão inocente quanto parece."
Penso em jogar fora, mas algo me impede.
Talvez o medo. Talvez a curiosidade.
Quando chego à sala, Dante já está lá. Sentado na última fileira, encostado na parede, o olhar distante. Há algo diferente nele hoje — um peso nos ombros, uma tensão contida.
— Você está bem? — pergunto, antes mesmo de pensar.
Ele ergue o olhar devagar, como se voltasse de um lugar muito longe.
— As pessoas sempre fazem essa pergunta quando sabem que a resposta é não.
— Então por que não mente e diz que está?
Um canto do lábio dele se curva. — Porque você não acreditaria.
Quase sorrio, mas o bilhete pulsa na memória. Será que alguém estava tentando me avisar sobre ele? Ou sobre mim?
Antes que eu diga qualquer coisa, a professora entra. A aula começa, mas é como se a sala toda fosse ruído. Só ouço o som da caneta de Dante batendo contra a mesa, compassado, constante.
Na hora do almoço, tento evitá-lo. Não porque quero, mas porque preciso.
Sento perto da janela, onde a luz do sol entra fraca e amarela.
O colégio parece um teatro: cada grupo, um ato. As líderes de torcida riem alto, os jogadores se exibem, e eu — o público invisível — só observo.
Até que um livro cai sobre a minha bandeja.
— Você esqueceu isso. — A voz dele. Dante.
Olho para o livro. O Retrato de Dorian Gray. Eu nunca peguei emprestado.
Abro por instinto, e um papel cai de dentro.
> “Nem todo segredo quer ser descoberto.”
Levanto os olhos.
— Foi você quem colocou isso aqui?
Ele parece surpreso. — O quê?
Mostro o papel. Ele o lê, e algo muda em seu semblante. Não é culpa. É reconhecimento. Como se entendesse algo que eu ainda não entendo.
— Onde você achou isso? — ele pergunta.
— Dentro do livro. Que você me deu.
— Eu não coloquei nada aí.
Silêncio.
Por um instante, o colégio inteiro parece parar.
Ele passa uma das mãos no cabelo, pensativo. — Alguém está se divertindo com você. Ou comigo.
— Isso não tem graça.
— Não. — Ele se aproxima. — Mas tem intenção.
A forma como ele diz isso faz o ar parecer mais pesado. Intenção.
Mais tarde, na biblioteca, estamos sozinhos de novo.
O som da chuva volta, como no dia em que o conheci. E novamente, o colégio parece suspenso no tempo.
Dante caminha entre as estantes como se as conhecesse de cor. Os dedos tocam as lombadas dos livros, e eu percebo as cicatrizes nas mãos dele — pequenas, mas profundas.
— Já se perguntou por que as pessoas escrevem? — ele diz, sem olhar pra mim.
— Pra não enlouquecer.
Ele sorri de leve. — Eu escrevo pra lembrar que enlouquecer às vezes é a única forma de suportar.
Me aproximo, hesitante. — Você fala como alguém que já viu o pior.
— Talvez eu tenha sido o pior.
A forma como ele diz isso me arrepia.
Há tanta dor contida naquela frase que por um momento esqueço o medo.
— O que aconteceu com você, Dante?
Ele me encara, os olhos escuros como noite sem lua.
— Você realmente quer saber?
— Sim.
— Então não pergunte. —
O silêncio que vem depois é um abismo.
Nos dias seguintes, algo muda entre nós.
Não é amizade. Não é amor. É algo no meio — uma ligação que se forma no espaço entre o medo e a curiosidade.
Começo a perceber pequenas coisas: ele sempre olha para trás quando andamos pelos corredores; nunca senta de costas para as janelas; carrega um caderno preto, onde escreve algo que nunca mostra a ninguém.
Uma tarde, o caderno cai da mochila dele.
Por instinto, eu o pego.
No canto da capa, há uma frase escrita à mão:
> “O amor é o mais belo disfarce da destruição.”
Abro na primeira página.
Meu nome.
Escrito ali, repetido, em várias caligrafias, como se ele tivesse testado a forma de cada letra.
Sinto o sangue sumir do rosto.
— Isabella. — a voz dele ecoa atrás de mim.
Viro devagar. Ele está ali, parado na porta, os olhos sombrios.
— Isso não é o que parece. — diz.
Mas tudo o que vejo é meu nome, multiplicado.
Um nome que ele transformou em obsessão.
— O que é isso, Dante?
Ele dá um passo à frente. — Parte do projeto. Eu precisava entender você pra escrever.
— Entender ou controlar?
O olhar dele vacila. — Você acha que eu te machucaria?
— Eu não sei o que pensar.
Ele fecha o caderno com força, o som ecoando como um tiro.
— Então talvez você devesse parar de tentar entender.
Sai, deixando o cheiro de chuva e fumaça no ar.
E eu fico ali, com o coração batendo rápido demais, percebendo algo que não quero admitir:
Por mais medo que ele me cause…
Eu não quero que ele vá embora.
Naquela noite, não consigo dormir.
A chuva bate na janela, e cada gota parece repetir o nome dele.
Pego o bilhete de novo.
"Nem todo segredo quer ser descoberto."
Penso no olhar dele, na voz baixa, na raiva contida.
Penso no caderno.
E percebo que, de algum modo, eu também estava começando a escrever Dante dentro de mim.
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Atualizado até capítulo 30
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