capítulo 2- segredos de papel

Na manhã seguinte, o colégio parece mais frio. Não o tipo de frio que vem do clima, mas aquele que nasce do silêncio — o silêncio que vem depois que algo muda, mesmo que você não saiba o quê.

O bilhete da noite anterior ainda está comigo. Amassado, escondido no bolso da jaqueta, mas é como se queimasse contra a pele.

"Ele não é quem você pensa. E você não é tão inocente quanto parece."

Penso em jogar fora, mas algo me impede.

Talvez o medo. Talvez a curiosidade.

Quando chego à sala, Dante já está lá. Sentado na última fileira, encostado na parede, o olhar distante. Há algo diferente nele hoje — um peso nos ombros, uma tensão contida.

— Você está bem? — pergunto, antes mesmo de pensar.

Ele ergue o olhar devagar, como se voltasse de um lugar muito longe.

— As pessoas sempre fazem essa pergunta quando sabem que a resposta é não.

— Então por que não mente e diz que está?

Um canto do lábio dele se curva. — Porque você não acreditaria.

Quase sorrio, mas o bilhete pulsa na memória. Será que alguém estava tentando me avisar sobre ele? Ou sobre mim?

Antes que eu diga qualquer coisa, a professora entra. A aula começa, mas é como se a sala toda fosse ruído. Só ouço o som da caneta de Dante batendo contra a mesa, compassado, constante.

Na hora do almoço, tento evitá-lo. Não porque quero, mas porque preciso.

Sento perto da janela, onde a luz do sol entra fraca e amarela.

O colégio parece um teatro: cada grupo, um ato. As líderes de torcida riem alto, os jogadores se exibem, e eu — o público invisível — só observo.

Até que um livro cai sobre a minha bandeja.

— Você esqueceu isso. — A voz dele. Dante.

Olho para o livro. O Retrato de Dorian Gray. Eu nunca peguei emprestado.

Abro por instinto, e um papel cai de dentro.

> “Nem todo segredo quer ser descoberto.”

Levanto os olhos.

— Foi você quem colocou isso aqui?

Ele parece surpreso. — O quê?

Mostro o papel. Ele o lê, e algo muda em seu semblante. Não é culpa. É reconhecimento. Como se entendesse algo que eu ainda não entendo.

— Onde você achou isso? — ele pergunta.

— Dentro do livro. Que você me deu.

— Eu não coloquei nada aí.

Silêncio.

Por um instante, o colégio inteiro parece parar.

Ele passa uma das mãos no cabelo, pensativo. — Alguém está se divertindo com você. Ou comigo.

— Isso não tem graça.

— Não. — Ele se aproxima. — Mas tem intenção.

A forma como ele diz isso faz o ar parecer mais pesado. Intenção.

Mais tarde, na biblioteca, estamos sozinhos de novo.

O som da chuva volta, como no dia em que o conheci. E novamente, o colégio parece suspenso no tempo.

Dante caminha entre as estantes como se as conhecesse de cor. Os dedos tocam as lombadas dos livros, e eu percebo as cicatrizes nas mãos dele — pequenas, mas profundas.

— Já se perguntou por que as pessoas escrevem? — ele diz, sem olhar pra mim.

— Pra não enlouquecer.

Ele sorri de leve. — Eu escrevo pra lembrar que enlouquecer às vezes é a única forma de suportar.

Me aproximo, hesitante. — Você fala como alguém que já viu o pior.

— Talvez eu tenha sido o pior.

A forma como ele diz isso me arrepia.

Há tanta dor contida naquela frase que por um momento esqueço o medo.

— O que aconteceu com você, Dante?

Ele me encara, os olhos escuros como noite sem lua.

— Você realmente quer saber?

— Sim.

— Então não pergunte. —

O silêncio que vem depois é um abismo.

Nos dias seguintes, algo muda entre nós.

Não é amizade. Não é amor. É algo no meio — uma ligação que se forma no espaço entre o medo e a curiosidade.

Começo a perceber pequenas coisas: ele sempre olha para trás quando andamos pelos corredores; nunca senta de costas para as janelas; carrega um caderno preto, onde escreve algo que nunca mostra a ninguém.

Uma tarde, o caderno cai da mochila dele.

Por instinto, eu o pego.

No canto da capa, há uma frase escrita à mão:

> “O amor é o mais belo disfarce da destruição.”

Abro na primeira página.

Meu nome.

Escrito ali, repetido, em várias caligrafias, como se ele tivesse testado a forma de cada letra.

Sinto o sangue sumir do rosto.

— Isabella. — a voz dele ecoa atrás de mim.

Viro devagar. Ele está ali, parado na porta, os olhos sombrios.

— Isso não é o que parece. — diz.

Mas tudo o que vejo é meu nome, multiplicado.

Um nome que ele transformou em obsessão.

— O que é isso, Dante?

Ele dá um passo à frente. — Parte do projeto. Eu precisava entender você pra escrever.

— Entender ou controlar?

O olhar dele vacila. — Você acha que eu te machucaria?

— Eu não sei o que pensar.

Ele fecha o caderno com força, o som ecoando como um tiro.

— Então talvez você devesse parar de tentar entender.

Sai, deixando o cheiro de chuva e fumaça no ar.

E eu fico ali, com o coração batendo rápido demais, percebendo algo que não quero admitir:

Por mais medo que ele me cause…

Eu não quero que ele vá embora.

Naquela noite, não consigo dormir.

A chuva bate na janela, e cada gota parece repetir o nome dele.

Pego o bilhete de novo.

"Nem todo segredo quer ser descoberto."

Penso no olhar dele, na voz baixa, na raiva contida.

Penso no caderno.

E percebo que, de algum modo, eu também estava começando a escrever Dante dentro de mim.

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