Capítulo V: O Pacto das Lâminas

A pergunta pairou no ar, e eu prendi a respiração. A presença de Jeevs ao meu lado era uma rocha, uma promessa de segurança que eu desejava desesperadamente. Mas antes que ele pudesse selar nosso destino, o mundo se refez.

— Oi...

A voz veio do outro lado do riacho. Uma única palavra, carregada de surpresa e de um timbre grave que meu corpo reconheceu instantaneamente.

Meu coração deu um salto. Era ele. O verdadeiro Enryc.

Ele estava parado ali, o sol da tarde realçando cada músculo de seu peito e braços. A camisa de linho aberta revelava um vale de pele suada e bronzeada que convidava o olhar a descer. O calafrio que senti não foi de medo, mas de uma confusão vertiginosa. O destino, ao que parecia, era um cafajeste que gostava de me ver em apuros.

Meu instinto gritou, e minha mão voou para o punho da "Herança". Mas o movimento morreu no meio. Não havia ameaça em sua postura, apenas o choque de me encontrar ali, ao lado de outro homem. Seus olhos azuis faiscaram, passando de mim para Jeevs, e eu vi um lampejo de algo primitivo. Competição.

Meu olhar correu para Jeevs. Ele viu aquele rosto ser usado como uma máscara pela criatura que caçava. Ele entenderia? Mas a expressão de Jeevs permaneceu impassível, seus sentidos aguçados discernindo a verdade. Ele sabia. E sua calma, em contraste com a tensão que emanava de Enryc, era poder em sua forma mais pura.

Voltei meu olhar para Enryc, que começava a atravessar as pedras do riacho, a água espirrando em suas botas de couro. Cada passo era deliberado, o movimento de um predador entrando em um novo território.

— Enryc. — Minha voz soou firme, cortando o murmúrio da água. — Que surpresa. Pensei que seus negócios em Germânia o tomariam por mais tempo.

Enquanto Enryc se aproximava, Jeevs finalmente quebrou seu silêncio. Sua voz, grave e calma, foi um contraponto à presença explosiva do explorador.

— Bom, eu não tenho pra onde ir. Eu apenas vago por aí. Se quiser que eu te acompanhe, eu acompanho.

A oferta. Direta. Desprovida de floreios. Uma aliança forjada em sangue, oferecida no exato instante em que outra se apresentava. O tempo pareceu se esticar. Enryc estava a poucos passos, o cheiro dele — suor, couro e a promessa de prazer — chegando até mim. Mas a decisão sobre Jeevs era mais urgente.

Virei meu rosto para o caçador, meus olhos encontrando os dele.

— Sua companhia será bem-vinda, Jeevs. — As palavras saíram baixas, mas carregadas de peso. — A estrada à frente é perigosa. Ter um caçador como você ao meu lado é uma vantagem que não posso recusar.

Um fardo pareceu se aliviar de meus ombros. Eu não estava mais sozinha. Com isso resolvido, encarei Enryc, que agora estava diante de nós. A proximidade era avassaladora. Ele era mais alto do que eu lembrava, e eu tive que inclinar a cabeça para trás para encará-lo.

— Seus negócios foram rápidos, Enryc. Ou você mudou de ideia?

— Meus negócios são rápidos, mas você também é — respondeu ele, um sorriso lento e predatório brincando em seus lábios. Seus olhos desceram pelo meu corpo, um mapeamento descarado que fez minha pele formigar. Então, ele se virou para Jeevs. — Como vai?

Os dois homens apertaram as mãos. O explorador e o caçador. A força explosiva e a força contida. Um gesto simples que parecia unir duas forças da natureza. Jeevs apenas acenou, sua economia de palavras era uma linguagem própria.

— Então, ainda está indo a leste? — Enryc me perguntou, sua atenção voltando inteiramente para mim, envolvendo-me em seu campo de força.

— Sim. Meu destino continua a leste.

Fiz uma pausa, indicando Jeevs com um leve aceno.

— E agora, parece que não caminharei mais sozinha. E você, Enryc? Já está retornando para suas explorações?

Ele me estudou por um momento, a pergunta pairando entre nós.

— Pensei em te acompanhar, mas vejo que vai ficar bem. É melhor eu seguir meu rumo, certo?!

A pergunta era uma isca. Uma saída fácil que ele me oferecia. O orgulho me mandava aceitar. Mas a guerreira em mim, a mulher faminta que ele havia despertado, via a tolice nisso. A estrada me ensinara que o orgulho era um luxo para os mortos.

— Você está certo, Enryc. — Comecei, minha voz calma. — Com Jeevs ao meu lado, minhas chances aumentam.

Deixei a concordância pairar, um reconhecimento de sua lógica. Então, dei um passo à frente, diminuindo o espaço entre nós, forçando-o a olhar para baixo, para mim.

— Mas a estrada para o leste é longa e traiçoeira. Ela não se importa se somos um, dois ou três. — Meu olhar era um desafio. — Um explorador com sua habilidade não seria um peso, mas um trunfo. E um homem com a sua... força... seria um desperdício deixar ir embora. Se seu caminho também é para o leste, não vejo razão para nos separarmos.

Eu não implorei. Apenas apresentei os fatos. Uma proposta tática, envolta em uma promessa sensual.

— A decisão, no entanto, é sua.

O silêncio que se seguiu foi quebrado não por palavras, mas por um som que gelou meu sangue.

Um grito. Um rugido gutural, distorcido pela dor ou por uma fúria desumana. Veio do leste, de dentro da mata, perto demais.

A conversa morreu. A tensão sexual evaporou, substituída pela adrenalina pura.

Meu corpo se moveu por instinto. A mão no punho da "Herança", os músculos tensos.

— Ouviram isso? — Minha voz foi um sussurro urgente.

Não precisei de resposta. O som de metal se arrastando, vindo em nossa direção, foi a única confirmação necessária.

Não hesitei. Esperar em campo aberto era suicídio.

— Para as árvores! — Sibilei, já me movendo para a cobertura da floresta.

Encontrei um tronco largo, agachando-me, a terra úmida sob minhas botas. A "Herança" deslizou um palmo para fora da bainha. Minha respiração se acalmou, transformando-se no ritmo controlado da caçadora. Ao meu lado, vi as sombras de Jeevs e Enryc fazendo o mesmo, cada um escolhendo seu posto, tornando-se parte da floresta.

O pacto ainda não havia sido selado com palavras, mas agora seria batizado em aço.

O barulho de metal se aproximava.

Nós não éramos mais três viajantes em um riacho.

Éramos uma emboscada. E estávamos esperando.

Continua...

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Edith Serpa

Edith Serpa

Expectativa

2025-10-26

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