A pergunta pairou no ar, mais pesada que a umidade da floresta. “Qual o seu caminho agora?”
Eu esperava que Jeevs, o bicho-papão, simplesmente se virasse e desaparecesse de volta em sua guerra particular. Mas sua resposta foi um balde de água fria na minha esperança de ter encontrado um guardião.
— Bom, suas palavras até me trazem algum sentimento de paz — disse ele, a voz grave e desprovida de emoção. — Mas não. Minha vingança não acabou. Eu não sei quantas dessas criaturas existem. Já perdi as contas de quantas matei. Ao menos o coração delas vale dinheiro nos mercados.
Vingança. Sua dor era seu ofício, sua tragédia seu meio de vida. A ideia de que existiam mais metamorfos, se espalhando como uma praga silenciosa, era apavorante.
— Então você continuará caçando — concluí, a voz mais baixa. Meu caminho tinha um destino. O dele era um círculo de violência sem fim. Meu olhar encontrou o dele. — Tenha cuidado, Jeevs. Um homem movido pela vingança pode, às vezes, se tornar o próprio monstro que caça.
A frase saiu mais ousada do que eu pretendia. Eu estava pronta para a raiva, para a indiferença. Mas ele apenas acenou, e por um instante, a máscara de caçador caiu, e eu vi um lampejo do homem que ele era. Um homem que minhas palavras atingiram.
— Que tal almoçarmos juntos? — A proposta me pegou de surpresa. — Pra provar que ainda sou humano.
Havia um traço de ironia, mas por baixo, senti uma vulnerabilidade. Ele estava me oferecendo uma trégua, um vislumbre de si mesmo. Um sorriso lento e genuíno se formou em meus lábios.
— Eu aceito — respondi, a voz suave. — Mas com uma condição. Almoçamos perto da água. Longe... disso (metamorfo).
A cena que se seguiu foi surreal. Jeevs, com sua lâmina acorrentada, arrancou um peixe do riacho com a mesma eficiência mortal que usara no metamorfo. Seus movimentos eram fluidos, econômicos, cada músculo trabalhando com um propósito. Observei-o agachado na beira da água, a camisa molhada colada em suas costas, delineando uma musculatura magra e poderosa. Ele não era uma montanha de músculos como Enryc; era uma lâmina de aço temperado.
Enquanto eu preparava uma fogueira, ele assou o peixe sobre uma pedra quente. Por um momento, não éramos uma guerreira e um caçador. Éramos apenas dois viajantes compartilhando uma refeição, e o silêncio entre nós não era tenso, mas confortável. Eu me peguei imaginando como seria sentir aquelas mãos, tão letais e precisas, tocando minha pele. Seriam gentis? Ou carregariam a mesma intensidade de sua caçada?
A paz, no entanto, era uma mercadoria rara.
Um zumbido agudo quebrou o silêncio. Uma libélula do tamanho de um braço, com um corpo azul metálico e um ferrão gotejando veneno, surgiu sobre o riacho.
Desta vez, eu não estava sozinha.
— Faça seu ataque. Estarei na defesa — ordenou Jeevs. Sua voz, calma e no comando, enviou um arrepio pela minha espinha.
Ele girou sua corrente, a lâmina se transformando em um escudo prateado e letal. Ele estava me dando cobertura, confiando em mim para ser a ponta da lança. Corri para uma rocha alta, ganhando altura, posicionando-me para um ataque em mergulho. Agachei-me, esperando o momento perfeito, a abertura ideal. Mas minha busca pela perfeição foi meu erro. A criatura pairava, cautelosa, e a força de Jeevs se esvaía.
Com um grito de esforço, ele lançou o ataque mortal para a frente, e a lâmina cortou a libélula ao meio. As duas metades caíram na água.
Jeevs parou, ofegante, o suor brilhando em sua testa.
— Você demorou demais — disse ele, a frustração clara em sua voz.
Desci da rocha, a vergonha pesando mais que minha espada.
— Sim — admiti, encarando-o. — A falha foi minha. Não acontecerá novamente.
Ele me observou, o cansaço marcando seu rosto. Então, ele disse algo que me surpreendeu.
— Ao menos você chamou a atenção dela. Isso foi essencial para acabar tudo com um ataque.
Ele não viu minha ação como um fracasso, mas como parte da estratégia. Eu fui a isca. Ele não me repreendeu como uma tola, mas me corrigiu como uma soldada. E isso, de alguma forma, foi mais íntimo do que qualquer elogio.
Comemos em silêncio, um entendimento tácito se formando entre nós. O peixe assado tinha o gosto da sobrevivência.
— Você disse que os corações dos metamorfos valem dinheiro — quebrei o silêncio. — E essas criaturas? Têm algum valor?
— Criaturas venenosas... se você conseguir extrair o veneno puro, antes da morte, valem alguma coisa, mas o risco é alto.
A informação era valiosa. Ele terminou de comer e ficou de pé. A trégua estava em seu fim.
— Jeevs — comecei, direta. — Eu estou indo para o leste. Minha missão não pode esperar. Você... tem sua própria guerra para lutar.
Fiz uma pausa, o ar pesado com a pergunta não dita.
— Nossos caminhos se separam aqui? Ou você também segue para o leste, por enquanto?
Coloquei as cartas na mesa. A decisão era dele. Ele me encarou, seus olhos escuros indecifráveis. O som do riacho era o único barulho entre nós, e o futuro da minha jornada parecia depender de sua próxima palavra. Eu precisava de sua força, de sua experiência. E, se eu fosse honesta comigo mesma, eu desejava sua presença. Desejava a sensação de segurança que emanava dele, uma rocha firme no meio do caos.
Continua...
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Atualizado até capítulo 20
Comments
Ilana Barros
eu tô amando essa história, tô louca pela continuação. pff autora não demora muito a postar kkkk preciso de um entretenimento da volta pra casa durante os 3 bus que pego
2025-10-10
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