Meu pedido de desculpas pairava no ar, uma oferta de paz que eu esperava que ele aceitasse. Eu o havia tratado como um inimigo, e agora, encarando o belo e gostoso homem à minha frente, eu desejava qualquer coisa, menos sua inimizade.
Enryc não zombou. Em vez disso, ele me ofereceu uma explicação, e seus olhos azuis perderam a dureza.
— Eu sou um explorador — disse ele, a voz grave um ronronar baixo. — Eu ia para Germânia vender o que cacei. Depois eu voltarei ao leste.
Ele fez uma pausa, e seu olhar desceu para a minha boca por uma fração de segundo. Foi o suficiente para eu umedecer os lábios. E tenho certeza que notei um olhar discreto para meu decote, meus seios.
— Talvez eu te alcance. E espero que nosso reencontro seja mais amigável. Boa sorte.
A promessa em sua voz era carregada de segundas intenções. Ele não estava falando apenas de amizade. Um sorriso, pequeno e cúmplice, finalmente quebrou a rigidez do meu rosto.
— Um explorador — repeti, o tom mais leve. — Isso explica a flecha. Então, que seus negócios em Germânia sejam rápidos, Enryc. E se o destino nos colocar na mesma estrada novamente, eu prometo que a "senhora grosseira" terá ficado para trás.
Meu olhar desviou para a carcaça da mosca.
— E eu terei aprendido a atacar primeiro.
Com um último aceno, eu me virei e retomei meu caminho, sentindo o peso do olhar dele em minhas costas, um calor que se concentrava na curva da minha bunda a cada passo. A possibilidade de um reencontro era uma promessa quente em meu peito, um contraponto à frieza da minha missão.
A jornada continuou. O sol subia, e o calor começava a se instalar, mas não era nada comparado ao fogo que a lembrança de Enryc acendia em mim. Meus olhos não viam mais apenas árvores e pedras, mas sombras e esconderijos.
Foi quando eu a vi. Outra criatura, idêntica à primeira, talvez um pouco menor.
Desta vez, não houve hesitação. A lição de Enryc e a adrenalina pulsando em minhas veias exigiam ação. Com minha espada em mãos, a "Herança", avancei rapidamente. A cinco metros de distância, lancei meu corpo para a frente, a espada empunhada com as duas mãos, e mergulhei a lâmina para baixo com toda a minha força. E deu certo.
O som foi um estalo úmido e repugnante. A criatura estremeceu e começou a se dissolver em uma poça de ácido fumegante. Arranquei minha espada, recuando para proteger minhas botas. O aço nobre da "Herança" estava manchado, fumegando. Senti pânico, mas não fiquei parada. Cravei a ponta da espada na terra, limpando-a febrilmente com areia e com a água preciosa do meu cantil. Para meu alívio, o aço resistiu.
A estrada principal era um convite à morte. Mudei meu curso para sudeste, em direção a uma floresta mais aberta.
Mal adentrei a sombra das árvores quando meu corpo congelou.
Lá, a poucos metros, encostado em uma árvore, estava ele.
Enryc.
Um calafrio de gelo percorreu minha espinha. Raiva. Pura e fria. Ele mentiu. Ele disse que ia para o oeste. E agora estava aqui, no meu caminho, como se me esperasse. Uma emboscada. O calor que eu sentia antes se transformou em gelo. Aquele volume em suas calças não era uma promessa, era uma ameaça.
Minha mão caiu sobre o punho da espada. Fiquei séria e pronta para falar, mas tudo mudou.
Uma nova voz cortou o ar, vinda das profundezas da floresta. Uma voz calma, cansada, mas carregada de um poder que fez o chão vibrar.
— Não caia na armadilha. Ele não é humano.
No mesmo instante, a figura de Enryc olhou para o lado e começou a recuar. Ele não estava me atacando. Ele estava fugindo. Eu não estava em uma emboscada. Eu havia tropeçado no meio de uma caçada.
Um silvo metálico. Uma lâmina curva, presa a uma corrente, chicoteou para fora da floresta. Ela atingiu a figura de Enryc na cintura, cortando-a ao meio com uma força brutal.
Mas não houve sangue. A imagem do explorador se desfez como fumaça. O que caiu no chão foi uma massa cinzenta e disforme. Um monstro.
A corrente se recolheu, e um homem emergiu das sombras. Ele se movia com a graça letal de uma pantera. Não tinha a massa muscular de Enryc, mas uma força contida, eficiente. Cabelos escuros na altura dos ombros, um rosto anguloso e olhos que pareciam carregar o peso de mil noites sem dormir. Ele era mais velho, talvez na faixa dos cinquenta anos, as linhas em seu rosto contavam histórias de dor e sobrevivência. Era o tipo de homem que não precisava levantar a voz para ser obedecido. Sua presença era uma ordem.
— Isso é um metamorfo — disse ele, a voz calma.
Fui ao seu encontro. As peças se encaixaram. O Enryc da estrada era real. Esta coisa apenas roubou seu rosto da minha memória. O homem se ajoelhou ao lado da carcaça, arrancou um órgão escuro de dentro dela e o guardou, seus movimentos precisos e indiferentes.
— Metamorfos são espíritos malignos. Eles pegam a memória e criam uma imagem para devorar. E eu sou o bicho-papão que caça esse tipo de coisa. Eu me chamo Jeevs.
Ele me olhou, e seus olhos escuros me perfuraram. Senti-me nua, não de um jeito sexual, mas como se ele pudesse ver cada medo e cada segredo em minha alma. E, estranhamente, eu não quis me esconder. Havia uma segurança naquela escuridão.
— Wenya — respondi, a voz firme. — E eu te devo minha vida.
Ele então me contou sobre sua caçada, sobre sua filha, sobre como os metamorfos usam as memórias de suas vítimas. A lição era terrível, mas vital.
— Sua filha... — murmurei, o coração pesado por ele. A imagem daquele homem, com todo aquele poder contido, sofrendo uma dor tão profunda, despertou algo em mim. Um desejo de oferecer conforto, de tocar seu braço e sentir a força sob a pele, de ver um vislumbre de sorriso naqueles lábios sérios.
— Agradeço por me ensinar a lição, Jeevs. É um conhecimento que pode me manter viva.
O peso da experiência assentou em meus ombros. O mundo era mais perigoso do que eu jamais sonhara.
— Sua caçada terminou aqui? — falei, minha voz recuperando a força. — Qual o seu caminho agora?
A pergunta era mais que curiosidade. Era uma esperança. Um homem como Enryc era uma promessa de prazer. Um homem como Jeevs... ele era uma promessa de sobrevivência. E, naquele momento, eu senti que precisava desesperadamente de ambos. E talvez até de algo a mais.
Continua...
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Atualizado até capítulo 20
Comments
Iracilda Santana
uau!👏
2025-10-23
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