Capítulo 2

           O pai de seu arranjo era um comerciante muito conhecido em Fez, possuía um Souk el Attarine — salão reservado no mercado de especiarias — local onde os acordos estavam sendo feitos. O velho puxava a fumaça de um narguillê e soltava a fumaça no ar em seguida, ela se misturava com o cheiro de alçafrão e âmbar de um dos incensos. Samir, seu pai se sentava entre os dois.

— Lathifa será uma ótima esposa, Amir. Minha primogênita, dada ao lar, aos estudos do alcorão, digo e afirmo que não envergonhará você perante a sociedade. Sabe falar no momento certo, sabe fazer um ótimo cordeiro assado, sem contar que tem a beleza que agrada os olhos.

Amir engole nada a seco.

Não queria esse casamento, não queria nada dessa coisa que estava sendo obrigado, mas sorria. Envergonhar seu Baba não era algo que levava em consideração.

— Minha esposa ensinou a ela todas as coisas do lar, serás um homem abençoado como eu sou.

— Escutou isso, Amir? Terás um lindo casamento, não te alegras?

— Claro, claro, Baba!

— Meu filho é um ótimo menino, Rashid! Conservador, faz todas as orações todos os dias, decorou todo o alcorão, trabalha comigo e herdará os negócios! Sua menina não passará por nenhum contratempo.

— Fico aliviado em saber, tudo o que quero pra ela é um casamento digno, ela é a minha maior preciosidade. É de meu gosto o casamento!

—Alhamdulillah — Samir diz enquanto fechava as mãos em concha, as erguendo aos céus e depois beijando a ponta dos dedos.

—  Alhamdulillah — diz Amir, mas sem um pingo de entusiasmo verdadeiro.

—Vamos, Samir, vou chamar Lathifa para que conversem um pouco, vamos acordar os detalhes do casamento, enquanto se conhecem.

O velho barbudo, pai de Amir se levanta e dá uns tapinhas no ombro do mais novo, Amir se tremia dos pés a cabeça, estava odiando toda essa situação, mas tinha uma saída, poderia dizer que não gostou da moça, encontraria algum defeito físico pra dizer que se sentiria amaldiçoado se casasse com ela! É isso! Jogaria baixo! Apontaria os defeitos.

Esperou por alguns minutos com o coração endurecido, estava pronto a encontrar a mínima falha que fosse, talvez uma expressão rude, um traço fora do lugar... Precisava de qualquer motivo pra anular o casamento. Ouviu o farfalhar das cortinas de tecido leve e colorido que separava o lugar como uma porta, olhou por cima dos ombros e viu uma bandeja de prata erguida por mãos delicadas e pulsos adornados com pulseiras de prata.

Se virou completamente pra frente segurando o ar pra não parecer tão ofegante, as mãos repousaram uma em cada coxa, ajeitou a postura e de soslaio pode perceber uma djellaba de tecido leve com bordados feitos a mão com fios de ouro e pequenos espelhos que reluziam à luz do ambiente. Subiu os olhos sob a figura magra, mas que dava pra perceber um pouco da silhueta curvilínea de seu corpo, o colo marcado por seios não tão avantajados, mas num tamanho bom. Subiu um pouco mais os olhos e se deparou com lábios carnudos e rosados, um sorriso suave e alinhado.

Se levantou junto com seu olhar o fixando no par de esmeraldas que eram os olhos da mulher, a pele lisa e morena, o véu cobrindo os cabelos, mas algumas mechas negras e onduladas escapavam do tecido de seda marfim, um sinal de que gostaria que ficasse ciente da beleza e maciez de seus cabelos. Amir engoliu nada a seco, não existia defeitos... Espera, ainda tinha a chance da voz ser ruim, e o petisco que trouxe, alguns quibes, serem péssimos.

A menina baixou o olhar com pudor e respeito, assim como mandavam os costumes. A doçura inata chama a atenção de Amir, não havia falha alguma. 

Ela ergue com graciosidade a bandeja de prata deixando Amir visualizar melhor o quibes perfeitamente moldados, sentir o aroma quente da especiaria e hortelã. Mais uma vez baixou seu par de esmeraldas e a voz suave soou como uma melodia.

—Salam aleikum — diz arrastado.

— Wa aleikum salam — responde Amir com a voz firme, a fazendo dar um leve sorriso.

— Espero que aceite e goste do que preparei com minhas próprias mãos, é uma honra conhecê -lo... Que Allah abençoe este encontro.

—  Alhamdulillah — a resposta fez ela sorrir mais uma vez.

Amir pega um quibe e leva até os lábios, o sorriso de apreensão da menina era visível.

Ele morde, e o que sente em sua língua era o sabor de algo divino.

"Aonde estão os defeitos dessa menina?!" Pensa.

—Pelo Profeta, isso está, divino!

— Fico aliviada que gostou, minha Oummi me ensinou a cozinhar, faço coisas na cozinha desde menina.

— Isso é bom. Rashid disse que é conservadora.

— Sim, minha família é tradicional, embora tenha aprendido a dançar... mas não se preocupe, essa parte só minha mãe e irmã puderam ver. Nem meu Baba sabe que tomei lições com minha Oummi.

Amir engole nada a seco ao imaginar a garota com trajes de dança e se movendo pra cá e pra lá na frente dele, o pensamento faz Amir corar, pigarrear e afrouxar um pouco o nó da gravata.

— Isso é ótimo, vou gostar de uma esposa que dance para mim — não! ele definitivamente não irá gostar nada disso!

Ela sorri em resposta, Lathifa imaginou ter conquistado ele em vários requisitos, percebeu o olhar, como deslizou os olhos em cada centímetro dela, como se buscasse por algo perdido. Percebeu a segunda mordida no quibe e a forma como fechou os olhos enquanto mastigava. Ela o aprovou, estava louca pra dizer pra sua Oummi e suas irmãs como arrumou um marido muito bonito. 

— O que espera de sua esposa, Amir?

Ele abre os olhos, termina de engolir o que mastigava e limpa a garganta com um pigarro.

A verdade era que, não esperava nada, não queria casar. Mas, como não tinha escapatória, deveria no mínimo pensar no que gostaria de receber de sua esposa, fechou os olhos e sorriu ao lembrar da doçura que sua mãe tinha, de como era perfeita e cantava bonito. Ele sabia agora o que esperava.

— Espero uma esposa dedicada, que siga os costumes e que saiba me agradar em vários quesitos — ela cora, sabia o que envolvia os quesitos, a bandeja tremeu nas mãos dela, Amir muito atento percebeu e pegou a bandeja de suas mãos a colocando na mesinha de madeira. — Uma esposa que alegre minha casa, harmoniosa, delicada, que me dê filhos... E que seja uma boa mãe — ele sorri lembrando de algo — que dance bonito, e acho que não preciso me preocupar com isso. — seu semblante escurece por lembrar de coisas ruins que se passavam em casa — uma esposa que me respeite, mas que não tenha medo de mim, pois eu jamais feriria uma mulher... fiel, compreensiva e amiga.

A garota estava vermelha e não conseguia esconder.

— Vou me dedicar a aprender todos os dias os seus gostos, vou dar o meu melhor pra ser o melhor pra você 

Embora estivesse desconfortável, se obrigou a ficar feliz com o que o destino estava lhe reservando, pelo menos sentia que teria uma vida feliz, com uma esposa doce.

— Fico feliz em ouvir isso.

Os olhos de Amir vão para a entrada quando vê seu Baba e seu futuro sogro entrarem. A garota abaixa o olhar em respeito.

— Pode ir agora, Lathifa.

— Sim, Senhor. 

A menina olha uma última vez pra Amir e sai a passos graciosos.

— Espero que seus olhos tenham se agradado do que viu.

— Sim, Rashid. — responde sem titubear.

— Por favor, me chame de sogro. O casamento está acordado, irá acontecer dentro de três meses.

Amir olha com espanto pra seu pai e sogro.

— Tão rápido?!

— Filho, não diga coisas assim, qual o motivo do espanto? Está parecendo um ocidental falando assim...

— Não, desculpa, eu só não esperava ser tão rápido, mas é perfeito. Sua filha será uma ótima esposa, e me agradei de tudo. — Fala em um fôlego só.

********* 

O deserto era de fato o melhor lugar pra se por a cabeça em ordem. Amir queria chorar, por vezes, sentia o nó na garganta, a ardência nos olhos, o disparo do coração, e a falta de ar. Segurava, não podia chegar em casa com os olhos inchados.

Lembrou de uma vez que o Baba ficou por horas dissertando sobre o destino, que tudo estava escrito por Allah, antes mesmo de nosso nascimento. Achou interessante pois, tudo que escolhesse fazer seria da vontade maior. Não contava que Allah permitira que visse um ato íntimo entre dois homens, e que aquilo ali o encantaria, o faria perder noites de sono por se perder em seus pensamentos. Era apenas uma criança de dez anos, se vislumbrou, não viu nada de ruim naquilo, mas e agora um casamento com alguém por quem não se atraía do jeito certo. Allah escreveu seu destino sendo conivente com seu sofrimento? Allah não o amava? O desamparou?

Amir puxa o ar com tanta força que o pulmão arde.

—Amir?

Pela segunda vez no dia, uma voz o faz travar no lugar, levando segundos pra se virar.

Só que dessa vez já sabia o que encontraria ao se por de frente ao dono da voz.

Pensou que não precisava disso, não precisava dessa distração logo agora.

— Que sorte, e que ironia do destino te encontrar aqui. Eu ia mesmo precisar de alguém pra me fotografar.

"Allah, por qual motivo me sacrifica como um carneiro?"  

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Comments

Velha Dos Gatos

Velha Dos Gatos

já estou louca para o desenvolvimento desse casal 👏👏👏👏

2025-10-04

0

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