Capítulo 1

^^^"Sobre as nossas cabeças o sol^^^

^^^Sobre as nossas cabeças a luz^^^

^^^Sob as nossas mãos a criação^^^

^^^Sobre tudo o que mais for do coração"^^^

^^^Marcus Viana - Sob o Sol^^^

...**Oito anos mais tarde**...

Observava as areias do deserto, depois de fazer a terceira oração do dia —Asr—. Carregava o tapete como um rolinho por debaixo dos braços, na volta, fazendo o caminho de casa. Observava os comércios na Medina, os vendedores sempre muito alegres, alguns homens olhando véus de várias cores, estilos e tecidos. Gritos de um lado, gritos de outro. Amir para respirando fundo, amava o cheiro dos temperos e especiarias. Amava a música que vinha de dentro de alguma lojinha.

No mais, o povo ali era bem animado, dava para perceber alguns turistas fazendo compras, tirando fotos. Apenas mais um dia normal em Fez.

Ao chegar em casa se depara com sua Oummi brigando com uma das criadas, os cabelos soltos e recém pintados para esconder os fios brancos que insistiam em nascer, as mãos repousas em sua cintura e o rosto emburrado que logo se alegra ao ver o filho amado, faz uma Salguta (um gritinho) e bate palmas como em ritmo de algum Said. Amava essa alegria que era recebido, como se não morasse nessa casa, se bem que passa mais tempo na Quermesse do que em casa.

—Seja bem vindo de volta, Habibi.

— Oummi — ele beija o dorso da mão da mulher e a coloca na testa em seguida, um sinal de respeito — cadê o Baba?

Amir repara quando a mãe desvia o olhar e perde o brilho de antes. 

Não era mais uma criança e sabia muito bem o que acontecia debaixo daquele teto. Achava errado, ainda mais depois de saber que em outras culturas era criminalizado levantar a mão pra uma mulher. Mas ali, os homens tinham o aval do Profeta e de Allah, era uma forma de corrigir a mulher. 

Achava errado.

Suspira e passa as mãos em seus cabelos, olhando para cima, repara que alguns tecidos de seda que ficavam como decoração foram retirados, com certeza pra lavar.

— Está na Medina, foi conversar com Mohammed sobre sua noiva.

— O que?

— Ah, pensei que seu pai tinha te dito. Ele foi arranjar seu casamento.

— Sem a minha autorização? E sem a minha companhia? Isso é errado! Não é assim que os mandamentos ensinam, Oummi. —protestou com a voz baixa.

— Sabe como meu marido é.

Amir segura o ar nos pulmões depois de o aspirar com força.

Tinha dito que não queria casar.

Não sentia que seria feliz com uma mulher, e nem muito menos fazer uma feliz. Tinha pavor de pensar naquilo que elas tem entre as pernas. Se pegava às vezes olhando as dançarinas, mas só porque achava lindo, nada a mais.

— Habib...

Escutou a mãe o chamar com melancolia enquanto se afastava. O rapaz sobe as escadas, passando pelo corredor iluminado pelo sol, e com sombras demonstrando estar perto da hora do sol se por. Adentra seu quarto, abrindo a porta dupla de madeira tingida de branco. Anda de um lado a outro algumas vezes antes de se sentar na beirada da cama e esfregar o rosto com ansiedade.

Não queria pensar em casamento, ainda mais com uma mulher. Sentia o tempo apertar seu pescoço, sentia a opressão de seu segredo aumentar. Aquele fantasma de anos atrás lhe perseguir, as lembranças que antes o fazia se jogar de baixo das cobertas para tocar seu corpo aonde se sentia bem agora o deixava pra baixo. As coisas podiam ser mais simples se cada um tomasse conta de sua própria vida, se pudessem viver do jeito que queriam. Que mal tinha nisso se envolvia o amor? Allah amava o amor por ele ser o próprio, não era isso que ensinava o Baba?

—Serei sacrificado como um cordeiro, Allah, isso é injusto! Injusto!

Suspira, tentava fazer de tudo pra controlar suas emoções, não queria deixar sua mãe preocupada, mais do que já estava. 

Oummi, ela vem sendo sua melhor amiga, vem sendo seu universo, vem sendo seu chão, seu norte, talvez ela fosse entender se ele contasse seus segredos? Talvez ela passasse por cima das crenças e cultura pelo amor que sentia por seu filho? Era difícil afirmar, Amir esconderia, não poderia deixar esse segredo cair nas mãos de ninguém, só ele e Allah sabiam.

******

Estava na Mesquita, por dentro um santuário de cor e luz, as colunas de mármore sustentavam arcos em ferraduras, que conduziam os fiéis até o mihrab, um nicho esculpido apontando para o Meca, era todo ornado com delicadas inscrições do alcorão. 

Seus pés caminhavam firmes sob tapetes vermelhos e ocres que cobriam o chão do lugar, preparado para as orações. O incensário aceso jogando e levando o aroma para cada canto do lugar. 

Escutava quando alguém se aproximava, os sapatos contra o mármore indicavam isso, não havia silêncio completo ali. Turistas cochichavam, fotografavam. Samir agradecia por não estar fazendo nenhuma prece naquele momento. Não vestia sua djellaba, usava um conjunto social, iria conhecer sua noiva, a contra gosto.

Mexe nos cabelos e suspira se sentindo quase afogado em desespero, talvez fugir fosse uma saída, mas como?

— Licença, poderia tirar uma foto minha?

A voz masculina suave e baixa chega aos ouvidos de Amir, o despertando de seus pensamentos, demorou um pouco a se virar e quando o fez sentiu seu interior se agitar. Os olhos fixaram na imagem a frente, percebeu a mudança da expressão sorridente para uma curiosa, um tanto confusa. Desceu os olhos o suficiente pra perceber a sandálinha de couro nos pés, o bermudão jeans a baixo dos joelhos — coisa de estrangeiro — a camisa verde clara que combinava bem com o tom de pele branco. Subiu os olhos e percebeu o rapaz forçar um sorriso meio amarelo, talvez de constrangimento.

— Desculpa, eu não falo muito bem o seu idioma.

Amir pensou que ele falava bem sim, mesmo que algumas pronúncias não estivessem muito certas, mas achava um charme, o mesmo charme que a pintinha no canto superior esquerdo do lábio davam ao rapaz. Os cabelos curtos, de um jeito social de coloração clara, quase um loiro, os olhos castanhos mel.

"Lindo como o deserto" Pensou ele.

— Senhor?

Amir pisca algumas vezes seus longos cílios e por fim sorri.

— Desculpa, não estou acostumado com estrangeiros — mentiu, convivia com vários diariamente, principalmente com os quais faziam negócios com seu pai — é claro que posso fotografar pra você.

O garoto alarga o sorriso mostrando as covinhas nos cantos inferiores dos lábios, ou talvez fossem marcas de expressões, marcas fofas, concluiu.

— Desculpa se fui mal educado.

Ele entrega a câmera nas mãos de Amir que mais parecia hipnotizado na imagem linda do garoto, um que não se comparava com os brutamontes idiotas que existiam nesse lado de cá do planeta. O garoto olha pra trás pra encontrar uma posição que aparecesse o Minbar, e também o Mihrab. Ele aponta o dedo indicador pra cima, em direção a eles.

— Está aparecendo os dois?

Amir fecha um olho enquanto o outro se encaixava no visor da câmera, ele faz um joinha e em resposta o garoto usa seu melhor sorriso compondo a pose que fazia. Amir fotografa, vê quando o flash pisca. Afasta a câmera do rosto, estava alheio, tinha acabado de ter o vislumbre de algo lindo que sorria gigante em sua direção. O estrangeiro se aproxima, olhando ao redor, o marroquino lhe devolve a câmera.

— Tomara que o filme não queime, preciso mesmo destas fotos para o meu documentário — o garoto sorri e estende a mão pra Amir que não demora a segurar e a apertar com delicadeza — Rafael Montenegro.

— Amir, Amir Al-Mansouri.

—Belo nome!

— Obrigado, o seu também é. 

— Obrigado pela foto, foi um prazer te conhecer, Amir... Fica com... Allah? — ele sorri.

— Ma'a as - salama, é o que dizemos por aqui... 

—Que significa?

— Que a paz esteja contigo... — responde arrastado, ainda estava impressionado que um homem poderia ser tão lindo assim. 

Rafael sorri, não mais o sorriso sem graça, mas um sorriso grato.

— Que a paz esteja contigo também.

Amir solta o ar que nem sabia estar segurando quando o garoto se afasta.

Não acreditava no que seus olhos via.

Não acreditava no quão seu coração bateu forte... O Profeta ensina que se seus olhos o faz pecar, o arranque, melhor que fosse uma metade aos céus, do que o corpo todo ser lançado ao inferno.

Talvez.

O inferno fosse ele.  

Desejou ser lançado por inteiro.

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Comments

Velha Dos Gatos

Velha Dos Gatos

mais uma vez, parabéns pela ambientação. Da pra se imaginar dentro da história

2025-10-04

0

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