Uma loucura descafeinada

Sábado: O Dia Que o Inferno Congela... Ou Pelo Menos Não Tem Prisão

Ah, o sábado. Que delícia acordar! Eu adoraria dizer que sou agraciada com a melodia dos passarinhos cantando suavemente na minha janela, mas sejamos realistas: o máximo de "canto" que ouço é a sinfonia desafinada da cidade acordando, com seus buzinões e o lamento distante de uma sirene. Um verdadeiro colírio para os ouvidos, eu diria.

Mas, apesar da trilha sonora pós-apocalíptica, há uma luz no fim do túnel: hoje eu não terei que arrastar minha alma para a cadeia antes que o sol decida se levantar de vez! Não terei que encarar algum exemplar da escória humana que, por alguma razão divina (ou falta dela), decidiu me contatar às 8 da manhã para defendê-lo. Sério, a única coisa mais deprimente do que ter que defender um lixo humano, é ter que defendê-lo por uma mixaria. Meu saldo bancário tem mais dignidade que alguns dos meus clientes.

Hoje, porém, nada me abala. O dia está tão lindo que chega a ser suspeito. O sol, como um adolescente envergonhado, ainda brinca de esconde-esconde, mas eu? Ah, eu quero brilhar! Quero aparecer, exibir minha beleza para o mundo, ou pelo menos para o porteiro e para os vizinhos curiosos. Então, em um ritual de autoafirmação, saboreio um copo de leite integral solitário, porque o café... bem, o café ainda está na fila de espera dos "luxos que o aluguel não me permite".

Saio do meu apartamento com um sorriso tão largo que parece que acabei de ganhar na loteria, ou de encontrar uma nota de cinquenta reais no bolso da calça esquecida.

Pareço uma criança que acabou de ganhar um doce, toda boba e feliz. Nunca fui tão gentil na vida como hoje. Cheguei ao ápice da civilidade: dei bom dia para a síndica. Sim, aquela mesma síndica que, durante a semana, eu mentalmente planejei arremessar para fora do prédio, usando o térreo como suporte para o "voo" dela. É o efeito sábado, minha gente. O efeito sábado e a ausência de criminosos.

​Continuando minha jornada rumo à iluminação sabática, chego ao parque. E lá está ele, a bela visão que ilumina meu fim de semana: meu chefe, Kenji-san. Juro, por um segundo, pensei que estava vendo um anúncio de perfume caro, não meu chefe no sábado de manhã. E claro, ao me ver, ele vem na minha direção, como se tivesse me esperado ali, pacientemente, desde terça-feira.

​Como sempre, Kenji-san é a própria encarnação da preocupação com o meu bem-estar... e com a imagem impecável dele para o público. É sábado, gente! A maioria das pessoas está de pijama, ou pelo menos em algo que não envolva botões e vincos. Mas Kenji-san? Ele está vestido como se estivesse a caminho de uma reunião de cúpula importantíssima da ONU, ou talvez para uma sessão de fotos para a capa da Forbes. O homem não sabe o que é um moletom. Deve ter nascido de terno.

​Em meio à nossa conversa, que consistia principalmente em ele me perguntando se eu tinha dormido bem e se estava comendo direito (sim, sim, comi um copo de leite integral e sonhei com café), ele faz o convite mágico: ―  Vamos tomar uma xícara de café?.

​Oh, Kenji-san, você tocou a alma de uma mulher que não via uma xícara de café há dias! Recusar? Eu? Quem sou eu para dizer não a essa divindade borbulhante? A regra é clara: se tem dente, o cachorro morde, não é mesmo? E se tem café grátis, esta advogada aqui não recusa. Meus princípios podem ser maleáveis quando envolve cafeína e economizar meus preciosos centavos do aluguel. Quem precisa de princípios quando se tem um bom expresso na mão? Que comece a farra cafeinada!

​―  Obrigada pelo café, Kenji-san, - eu digo, com um sorriso que esconde mil pensamentos homicidas. O principal deles sendo: "É o mínimo que você poderia fazer depois do espécime de ser humano que você me enfiou garganta abaixo para defender!" Mas, claro, ele não precisa saber da minha filosofia de "justiça cafeinada".

​― Não precisa agradecer, Hayami. Você passou por muita coisa ultimamente, merece um cafezinho, - ele responde, com aquela voz suave de chefe preocupado que, na verdade, só quer ter certeza de que você não vai processar a firma por estresse pós-traumático. Ah, que consideração!

​Depois do café, a conversa segue, e eu realmente não sei como, mas em algum ponto entre a previsão do tempo e a análise do mercado de ações, acabei aceitando ir a um evento luxuoso com ele. Primeiro problema: eu não tenho sequer uma meia que combine com "luxuoso", quem dirá um vestido. Meu guarda-roupa grita "advogada que faz plantão no tribunal e usa a mesma roupa por três dias seguidos". Segundo problema: sou advogada, mas ainda tenho a cara de pobre que morre de medo de agulhas. Botox? Preenchimento? Minha única intervenção estética é uma boa noite de sono (quando consigo). Terceiro e maior problema: cometi o meu erro capital de me envolver demais com um parceiro de trabalho. É a regra número um que a vida me ensinou a quebrar.

​Mas quer saber? Que se dane! Minha mãe sempre disse: "Se a vida te der limões, faça uma limonada... e venda ela para o seu chefe rico". Subir de patamar é o que importa! Fui chamada pro campo? Então que me deem a bola. Vou assumir, dar um chute, e torcer para não tropeçar no meu sapato pontudo e cair de cara no bolo de caviar. Pelo menos serei uma advogada falida... mas chique.

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